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DEU A LOUCA NA HISTÓRIA?

Historiadores alertam sobre desinformação propagada por guias de Turismo sem capacitação

Cabo Frio realiza curso e abre canal de denúncia de falsos profissionais

12 janeiro 2022 - 12h46Por Rodrigo Branco

Imagina ter a oportunidade de visitar uma das cidades mais antigas do Brasil, caso de Cabo Frio e, além das belas praias, conhecer parte da sua rica história, de mais de quatro séculos, materializada em igrejas e outras construções. As atrações têm tudo para fazer do passeio uma experiência inesquecível, mas para historiadores da cidade, muita gente está voltando para casa desinformada por causa da propagação de mitos e de versões históricas falsas por parte de guias de Turismo sem a devida qualificação. 

O pesquisador Pierre de Cristo manifestou a sua contrariedade pelas redes sociais, após assistir a uma entrevista na televisão, em que uma guia de fora da cidade afirmou que o imóvel conhecido como Solar do Arco, onde hoje funciona um hotel na Passagem, foi construído pela família Orleans e Bragança. Diferentemente do que alguns guias propagam para os visitantes, a história da construção não está ligada à família imperial, tampouco ao imperador Dom Pedro II, que jamais esteve no local. 

O imóvel foi construído no fim do século 19 pelos irmãos portugueses Bolaes Mônica, que o venderam apenas na década de 1950, para um dos descendentes da família imperial, João Maria de Orleans e Bragança, que então se casara com a princesa egípcia Sofia. Mais tarde, o Solar também pertenceu à família do banqueiro e ex-governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, que a vendeu para os atuais proprietários. 
Pierre de Cristo defendeu a necessidade de uma adequada preparação por parte dos profissionais.

– Estamos chegando à alta temporada e sabemos que muitos guias vão chegar e vão fazer o guiamento com a ‘estória’ pronta, e como historiador, acho importante que os turistas levem para sua cidade e suas memórias a Cabo Frio histórica de verdade. Desta forma acho que é preciso muito cuidado neste sentido de se aprender mais para se passar algo historicamente correto aos nossos visitantes, a Secretaria de Turismo fez um belíssimo trabalho em produzir esse curso para melhor atender ao turista. Como aquela velha frase "Uma mentira contada várias vezes acaba virando uma verdade” – preocupa-se o historiador.

A capacitação mencionada por Pierre de Cristo formou recentemente 13 guias de turismo no Curso Livre de Roteiros Históricos, com certificação do Ministério do Turismo. De acordo com a Prefeitura, esses profissionais já estão aptos a trabalhar. Já os falsos profissionais, muitos deles professores de História sem certificação para guiar turistas, podem ser denunciados para a Ouvidoria Municipal, por meio do WhatsApp: 22 99928-2195.

Professor responsável pelo curso da Prefeitura, o historiador Acioli Júnior se dedica a desmistificar falsos eventos históricos disseminados por guias sem a devida qualificação ou que simplesmente exercem ilegalmente a profissão. Acioli criticou a propagação de ‘fake news’ históricas em alguns canais de You Tube sobre a região. Semanalmente, o estudioso também faz City Tour Histórico com professores para dar aulas nos monumentos históricos. 

– Muitos guias de turismo vivem de mentiras e de vender ilusões. No meu curso, que ministrei gratuitamente para eles pela Secretaria de Turismo de Cabo Frio, eles ficavam bravos quando os informava que o que eles diziam era lenda e não tinha fundamento histórico – relata. 

Para atuar, é preciso ser cadastrado no Ministério do Turismo

Para atuar como guia do turismo, não basta ter conhecimento sobre um local e sair por aí levando pessoas para conhecê-lo. É preciso fazer um curso e depois ser cadastrado pelo Ministério do Turismo. A profissão é regulamentada pela Lei Federal nº 8.623, de 28 de janeiro de 1993.

Estabelecida e reconhecida há muitos anos no mercado com a empresa Trilhas do Conhecimento, a guia Eliane Lopes explica que dentro da habilitação, o guia pode atuar em âmbito regional, nacional e internacional. Trata-se de um profissional autônomo, que não necessariamente precisa trabalhar para uma agência de turismo. 

Aluna do curso da Prefeitura, Eliane salientou a importância de passar com propriedade as informações sobre a história da região.

– É uma profissão que está capacitada para pegar esse turista que vem para região e falar um pouquinho mais da história. O guia não é um historiador, mas é um profissional comprometido com a história da cidade. O professor Acioli nos passou uma história baseada em fatos reais e todos os guias que fizeram o curso estão capacitados a atender esse turista que não conhece a cidade e quer conhecer um pouco mais – comenta.

Outros mitos passados por alguns guias de Turismo sobre a história da região, segundo o historiador Acioli Júnior:

•    A Igreja Nossa Senhora dos Remédios, em Arraial do Cabo, é a primeira construção de homens brancos no Brasil, datada de 1503:

 Segundo o historiador Acioli Junior, em 1503, não existia igreja em qualquer parte do Brasil, uma vez que a colonização passou a ser feita em nossas terras a partir de 1534, com as Capitanias Hereditárias e, em seguida, com o Governo Geral.

– Antes disso, era o período pré-colonial e os portugueses não tinham interesse nenhum de colonizar o Brasil, portanto, não poderia ter nenhuma igreja – explica Acioli.

•    A Igreja Nossa Senhora da Assunção foi construída em 1615

Acioli Junior afirma que muitos guias e até mesmo historiadores relatam essa versão, pois esse ao está inscrito na fachada da antiga Matriz. No entanto, o estudioso explica que a data se refere à data de fundação da cidade, que completou 406 anos em 2021. A construção é, na verdade, de 1666.

•    As telhas da Igreja Nossa Senhora da Assunção e do Convento Nossa Senhora dos Anjos foram moldadas nas coxas de escravos.

O pesquisador defende que não seria possível fazer o molde das telhas de ambas as construções nas coxas de negros escravizados, pois os diferentes tipos físicos impossibilitariam o encaixe das peças e, consequentemente, a colocação do telhado.

De acordo com Acioli, foram usadas formas específicas para a manufatura das telhas. 
– Nunca existiu fazer telhado em coxa de escravo, mas todo mundo conta essa mentira como se fosse verdade, principalmente guias de turismo.