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Estudioso pede mudanças estruturais 

Coronel Robson diz que policial brasileiro é arcaico

12 agosto 2014 - 15h30Por Rodrigo Branco
 Estudioso pede mudanças estruturais 

No que se refere à segurança pública, o coronel da Polícia Militar Robson Rodrigues é uma das maiores autoridades do Estado no assunto. Seu currículo fala por si. Após ingressar na corporação, em 1985, passou por vários cargos até chegar à chefia do Estado Maior Geral Administrativo, não sem antes ajudar na estruturação e implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) na capital. Mestre em Antropologia e com formação humanista, também passou pela Secretaria Estadual de Segurança Pública, onde chegou a ser vice-presidente do Instituto de Segurança Pública (ISP), responsável pelos dados que tem causado tanta preocupação na população cabofriense, ao apontar tendência de crescimento na criminalidade, em que pese o aumento na produtividade policial, conforme tem mostrado reportagens da Folha dos Lagos nos últimos dois meses. Hoje dedicado ao trabalho no Instituto Igarapé, formulador de agendas sobre o assunto, o pesquisador fala com exclusividade sobre possíveis causas para o atual quadro, propõe reflexão e mudanças para o modelo vigente e faz críticas à própria estrutura que ajudou a implantar. “As UPPs estão cada vez mais caras e inviáveis”, diz.

Folha dos Lagos – O processo de “interiorização” da violência, que o senhor costuma falar, é irreversível?

Robson Rodrigues – Não, não creio nisso. A sociedade é dinâmica. Dependendo do dever de casa a ser feito, é possível reverter o quadro com inteligência e um bom diagnóstico.

Folha – E qual, então, seria esse dever de casa?

Robson –Primeiro, um diagnóstico local da violência e da criminalidade  que mapeasse os verdadeiros fatores que as potencializam e permitisse, assim, afastar os mitos e as soluções de senso comum. Depois, elaborando um plano local a partir desse diagnóstico, desenhando ações, com as respectivas priorizações e identificação de responsabilidades, com indicadores de monitora-mento e avaliação. Um plano flexível o suficiente para acompanhar com inteligência o fenômeno que se deseja controlar, sempre com a participação da sociedade civil.       

Folha – O que tem sido falado sobre migração de criminosos de áreas com UPPs na capital seria um desses mitos?

Robson –Sim, isso não é um dado, mas senso comum. Pode até ser que sim, não descarto se for comprovado por dados e números, mas pode ser também que o mesmo não ocorra da mesma forma em todos os lugares. É preciso inteligência. Não me refiro à inteligência policial apenas, mas ao raciocínio lógico a partir de dados e fatos. À toda operação lógica cognitiva que identifique fatores e correlação de causas e efeito e depois ataque as reais causas com eficiência. Para isso, de início, é preciso uma equipe qualificada para a implantação, mas depois a própria população pode ser qualificada num processo de participação, a exemplo do que ocorreu inicialmente com o Orçamento Participativo e conduzir de forma responsável o processo. Isso o legitima e faz com que as demandas da população sejam respeitadas pelo nível de qualificação técnica alcançada, quando devidamente encaminhadas mostrando as causas do problema e como querem que as combatam. Se não, vai ser sempre aquela conversa de cego e surdo-mudo: “Eu quero mais polícia” ou “Eu não tenho mais polícia” e “Migrou” ou “Não migrou”.

Folha – Então o tão sonhado novo batalhão para a região, conforme prometido pelo atual governador Luiz Fernando Pezão, não é a solução?

Robson –De uma maneira geral, há déficit de efetivo, mas nada garante que isso irá atacar as verdadeiras causas do problema. Aliás, novos batalhões implicam a reprodução de velhas e pesadas estruturas que consomem muito efetivo. Ou seja, suponhamos que uma das causas do problema seja o efetivo, mas o batalhão vai repetir essa causa, pois, para existir, já começa consumindo o que propõem resolver. Então eu pergunto, o batalhão como solução é uma resposta emocional ou racional, oriunda de um diagnóstico inteligente? Veja que não quero nem afirmar que seja eleitoreira e oportunista. Outra coisa, como o cobertor é curto, como ficariam a Baixada e São Gonçalo, por exemplo, com números ainda mais alarmares de violência? Seriam construídos outros batalhões? Isso é inviável, sobretudo num curto prazo. O modelo policial brasileiro está esgarçado e arcaico, como sistema de justiça criminal e segurança pública como um todo. E isso é um fato que afeta muito a localidade. Qualquer esforço que se faça já começa pagando uma fatura alta a que chamo em analogia ao Custo Brasil do setor econômico, de “custo Segurança Pública”.  Ao mesmo tempo em que a população clama por mais policiais, deve estar atenta às propostas dos candidatos por reformas mais amplas e estruturais.                                   

Folha – Observamos pelos números da Secretária de Segurança Pública que os homicídios em Cabo Frio têm crescido mesmo com o aumento do número de prisões e apreensões. Isso representaria um equívoco na política de segurança utilizada?

Robson –Isso representa que o foco das ações não está impactando como deveria os números da violência, apesar do esforço hercúleo de policiais que, muitas vezes, trabalham em condições precárias e com alto nível de estresse. Como disse, o sistema como um todo não tem funcionado. Por isso, já passou da hora de termos a sua reforma estrutural. Nesse sentido, as soluções rasas, emotivas e ocasionais não têm apresentado os resultados pretendidos. No Brasil, prende-se muito, mas prende-se mal. Enquanto as armas são apreendidas, os traficantes de armas e suas quadrilhas não são impedidos de continuar com seus negócios. Enquanto pequenos traficantes de drogas compõem a maior parcela da população carcerária, lavadores de dinheiro e homicidas têm participação ínfima nesse universo. Isso dá ao policial uma sensação de impotência e de descrédito nas instituições, ou seja, é o famoso: “enxugar gelo”.

Folha – Qual a importância dos Conselhos Comunitários de Segurança neste contexto?

Robson – Os conselhos, quando funcionam com responsabilidade, são importantes canais de diálogo, legitimadores das políticas públicas. O gestor público inteligente e comprometido pode utilizar essa ferramenta de participação popular em prol de suas ações pró-comunidade. Discutir de uma forma republicana, franca, transparente com a população é mostrar respeito a ela. Esse é o perfil de gestor público que almejam sociedades democráticas consolidadas e esse é um bom caminho que o Brasil desenhou, mas que ainda patina, muitas vezes pelas posturas políticas ainda inadequadas a esse contexto, infelizmente.

Folha – E a responsabilidade do Poder Judiciário? As leis que temos atendem as demandas da sociedade? 

Robson –É preciso que o Poder Judiciário, de fato, funcione como tal, ou seja, que extraia a sinergia de todos os seus atores (polícias – todas elas; Justiça; sistema prisional; leis) numa lógica comum. Que tenha como prioridade primeira reduzir a criminalidade violenta que assola o país. Caso contrário, teremos sempre ações e respostas espasmódicas, por parte de atores atomizados, atuando particularizadamente, cada um tentando resolver, à sua maneira, o problema. Os riscos disso, dentre outros tantos, é de se produzir mais violência por parte de policiais e da sociedade, com atos abomináveis de justiçamentos devido ao descrédito nesse sistema completamente obsoleto.

Folha – E viável e necessário expandir a política de UPPs para o interior e claro, a Região dos Lagos?

Robson – Elas precisam primeiro ser reformuladas. As UPPs foram uma excelente alternativa para a desgastada “guerra às drogas”, que mostrou à polícia uma forma mais eficaz de diminuir violência. Contudo, falei também que toda política pública precisa de controle, avaliação, e monitoramento constante para o seu gerenciamento eficaz, o que não ocorreu com as UPPs. Isso as tem tornado cada vez mais caras e inviáveis. O importante não é a UPP em si, mas o que os seus policiais têm feito para reduzir a violência. A UPP é um excelente laboratório, mas não é a solução acabada. Se vendem isso, é propaganda enganosa. O objetivo são as polícias modernas, eficientes e cidadãs que, assim, poderão conseguir maior credibilidade junto à sua população, maior parceira no combate à criminalidade.