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CORONAVÍRUS

"Estou me preparando porque eu também devo pegar", diz médico sanitarista sobre novo coronavírus

Beto Nogueira fala sobre o surgimento do vírus, os cenários possíveis e os cuidados necessários

19 março 2020 - 16h23Por Tomás Baggio

Tomar muito cuidado, mas sem entrar em desespero. Essas são as orientações do médico sanitarista Beto Nogueira em relação à pandemia do novo coronavírus. Aos 69 anos, com 40 de profissão, ele afirma que está se preparando para contrair o vírus, o que, de acordo com ele, vai acontecer inevitavelmente com grande parte da população. Nesta entrevista, Beto fala sobre o surgimento do vírus, os cenários possíveis a partir de agora e os cuidados necessários. 


Folha  – Como ocorre o surgimento de um novo vírus, como foi neste caso?

Beto Nogueira – Esse vírus não necessariamente surgiu. Ele possivelmente já existia em algum outro ser vivo. Suspeita-se que seja em morcegos, porque foi descoberto em morcegos também. Em alguns países asiáticos, existe costume de se alimentar de carne de morcego, e assim pode ter passado para humanos. É importante lembrar que o ser humano é ser humano graças aos vírus e bactérias. Com o passar dos milênios, na evolução, fomos incorporando ao nosso corpo vírus e bactérias, que foram ajudando na digestão, no sistema imunológico... a gente é composto por vírus e bactérias, mas às vezes dá errado. O vírus é um ser vivo parasita, enquanto o organismo humano não está adaptado para ele, tem uma reação, e essa reação pode nos matar. Catarro, gripe, inflamação, e até a morte podem ocorrer durante essa adaptação. A nossa reação de defesa à entrada do vírus é que pode nos levar à morte.

Folha–  Como se explica a propagação tão rápida?

Beto Nogueira – A propagação de um vírus é sempre rápida. É só ver, por exemplo, uma gripe. Dentro de uma casa, todo mundo pega rápido. A propagação normalmente é rápida. Por via respiratória, mais rápida ainda, porque tossimos e espirramos e expelimos o vírus por maçanetas e outras superfícies. É uma cadeia sem fim. Esse, particularmente, é mais rápido que os outros, é uma das características que o diferenciam.


Folha – Quais são os cenários possíveis a partir de agora?

Beto Nogueira – Grande parte da sociedade vai se contaminar. Países como Alemanha esperam que 70% da população vai ser afetada. No Japão, 80%. No Brasil não vai ser diferente. Os cenários são imprevisíveis ainda. São vários cenários possíveis. Tem quem diz que o vírus não gosta do calor, que aqui vai ser menos intenso. Mas ele já chegou no Brasil fazendo uma mutação. Não sabemos a reação que o vírus vai ter. O cenário pode ser otimista, de diminuir o problema em junho, julho, ou pessimista, de termos milhares se contaminando ao mesmo tempo, lotando emergências e levando a um colapso do atendimento de saúde. Daí a importância do isolamento, principalmente os idosos, onde a taxa de letalidade é maior.

Folha – Quanto tempo deve demorar até a situação se normalizar?

Beto Nogueira – Ninguém sabe. O ministro da Saúde falou em três meses de muita aflição. Estamos lidando com uma coisa desconhecida, cuja propagação é muito mais rápida. As medidas até agora tomadas pelo Ministério da Saúde e pelos Estados têm sido as medidas possíveis. Pode-se até não concordar, mas pelo menos a situação está sendo encarada com seriedade pelo meio científico e pelo meio político, com exceção, é claro, das imbecilidades do presidente da República, mas que eu acho também que já foi isolado no canto dele, e tanto o ministro como os secretários estaduais e municipais de Saúde, estão encarando com seriedade.

Folha –  Quais são as recomendações para o momento?

Beto Nogueira – Principalmente ouvir as autoridades oficiais de saúde. É preciso tomar muito cuidado com fake news e notícias dadas por conhecidos. Tem várias pessoas querendo falar sobre os casos, querendo ser o primeiro a noticiar um caso. Mas não é o caso confirmado que nos preocupa. Porque se está no hospital, está isolado. A preocupação maior é com os casos que estão soltos. Os turistas, por exemplo, que em vez de estar em quarentena, estão de férias na praia. Ou aglomerações em igrejas, coisas desse tipo. Ouça as autoridades de saúde. Tenho 40 anos de saúde pública, e nunca tive um chefe que quisesse esconder um caso de alguma doença. Não faz sentido. É impossível esconder. E a gente já sabe que tem coronavírus em Cabo Frio. Pode estar do nosso lado, está circulando, é isso que preocupa. O idoso tem que ser protegido. Quem tem idoso em casa e chega da rua, precisa lavar a mão, tomar banho, trocar de roupa se possível. Esse idosos devem estar em quarentena, se alimentando bem, bebendo bastante líquido, fazendo alguma atividade física ao ar livre, mesmo que seja no quintal. Eu, por exemplo, mantive a minha caminhada diária. Acho importante preparar o meu pulmão para o embate com o vírus. Porque ninguém deve se enganar. Eu também devo pegar e a maior parte de nós vai pegar o coronavírus. Então temos que ter muita seriedade, porque o problema é sério, mas também não podemos entrar em pânico. Nada de estocar alimento e papel higiênico. Não entendo isso. O abastecimento vai continuar, não vai haver desabastecimento, mas é preciso a nossa contribuição. Então é manter a calma, lavar bem as mãos ou passar álcool e ouvir as autoridades de saúde.