“Atividade, atividade aí agora, rapaziada. Tentaram roubar uma criança ainda agora, em um Escort branco, antigo. É um coroa já de idade e uma mulher mais nova. Tentaram roubar uma criança aqui (...)”.
Esse é o conteúdo do que a Polícia Civil acredita ser o áudio que deu origem ao boato que resultou na tentativa de linchamento de um casal em Araruama, na tarde de quarta-feira. A polícia tenta agora identificar quem foi o homem que começou a espalhar o boato nas redes sociais. O delegado da 118ªDP (Araruama), Luiz Henrique Marques, informou que áudios, fotos e vídeos são usados para ajudar na investigação do caso.
Luiz Áureo de Paula e Pamela Almeida Ramalho, colegas de trabalho, foram acusados de sequestro por moradores do bairro Mutirão e retirados à força de dentro do carro em que estavam. O boato se espalhou pelas redes sociais e os dois foram agredidos pela multidão que os cercava. Tiveram o carro queimado e, por pouco, não foram linchados. Agora, Pamela não quer mais voltar para casa, com medo de sofrer violência. Traumatizada, ela foi com o marido para um lugar isolado e busca abrigo em casa de parentes.
Especialistas pedem cautela com informações
Já foi comprovado que Luiz Aurélio e Pâmela Almeida não tinham a mínima relação com o crime. Os dois foram retirados do carro – posteriormente queimado – e agredidos por uma multidão furiosa, contida apenas pela ação policial. A mãe precisou aparecer e dizer que a mulher apenas elogiou a criança.
Para o cientista social Wanderson Jardim, o Pequeno, as redes sociais são uma poderosa ferramenta de divulgação – inclusive do ‘justiçamento’, que ele mesmo condena.
– As redes sociais amplificam as questões. Os factóides acabam tomando amplitude maior. A justiça com as próprias mãos é ruim. O braço armado do estado existe para resolução de conflitos. Se cada um decidir fazer justiça, será um bangue-bangue. Embora o Estado não atue como deveria, ele é a instituição responsável pela administração e resolução de conflitos – pondera o mestre em Antropologia.
De acordo com ele, a ascensão de deputados com o discurso de extrema-direita também incentiva a justiça com as próprias mãos.
– Há uma onda conservadora não só no Brasil, mas na própria Europa: na França, no Leste Europeu... E também nos Estados Unidos, com o Trump. No Brasil, esse expoente é o Bolsonaro. Essa perspectiva de justiçamento aumenta com representantes que defendam isso – explica.
Já o advogado Carlos Magno de Carvalho recorre à Idade Média para condenar os linchamentos e argumentar em favor ao direito de defesa.
– Voltamos à Idade Média onde era muito comum o julgamento de pessoas, sem qualquer indício ou acusação formal, que invariavelmente terminava com a morte em praça pública. Muitos inocentes morreram assim.
O jornalista Ivan Lemos ressalta o dever da imprensa em desmentir inverdades.
– Essas atitudes irresponsáveis têm feito a imprensa mudar pelo simples fato de que devemos prestar um serviço à população. Se nós, jornalistas, não agirmos em serviço da sociedade de forma rápida, essas falsas notícias se espalham e tomam uma proporção absurda, como aconteceu em Araruama e em vários outros lugares – afirma.