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CABO FRIO 404 ANOS

Do pau-brasil ao sonho do condomínio industrial

Cabo Frio busca salto tecnológico para romper a dependência dos royalties do petróleo

12 novembro 2019 - 19h50Por Rodrigo Branco

De acordo com historiadores, Cabo Frio é a sétima cidade mais antiga do Brasil e, como tal, desenvolveu-se impulsionada por ciclos econômicos diferentes ao longo dos seus mais de quatro séculos de fundação. Como em outras ocasiões, o município vive um momento crucial, em que busca romper o modelo calcado basicamente na arrecadação dos royalties de petróleo para outro, baseado no desenvolvimento tecnológico, a ser concretizado pelo sonhado condomínio industrial e logístico, em fase de discussão. 

A capacidade do município se reinventar economicamente vem de longe. Assim que Américo Vespúcio deu as caras por aqui, em 1503, não tardou para a Coroa Portuguesa estabelecer o padrão de exploração econômica que já vigorava na ‘Terra Brasilis’ desde três anos antes, quando a esquadra de Cabral aportou na então Ilha de Vera Cruz. Desde os primórdios, portugueses e depois franceses – não sem a resistência dos índios tamoios que aqui habitavam – promoveram uma intensa extração do pau-brasil, árvore abundante na região, cuja madeira possuía grande interesse comercial em função de sua resina, usada na produção de tinta muito apreciada na Europa. 

A pirataria e o tráfico de pau-brasil começaram a ser superados apenas a partir da fundação da cidade de Nossa Senhora da Assunção de Cabo Frio, em 1615, e da chegada do governador Estêvão Gomes, escolhido pela Coroa Ibérica e responsável por erguer o Forte São Mateus, justamente para dar fim às invasões estrangeiras, sobretudo, as dos holandeses. Dispondo de vastas áreas rurais, a região de Cabo Frio passou a ter, nos séculos seguintes, uma economia baseada na produção agrícola, em grandes latifúndios e com mão-de-obra escrava. Ao mesmo tempo, o núcleo urbano começava a se desenvolver. Com a abolição, no entanto, o colapso econômico foi inevitável.

Dotada de características naturais peculiares, como a topografia plana e a proximidade da Lagoa de Araruama, Cabo Frio conheceu a primeira grande virada econômica já no século passado, com a instalação de uma pujante indústria do sal que concorria de igual para igual com a produção nordestina das salinas do Rio Grande do Norte. A construção da ferrovia Niterói-Cabo Frio, hoje desativada; da rodovia RJ-106 e a existência de um canal que comunica a laguna ao mar permitiram o escoamento da produção e a competitividade no mercado brasileiro. Ao mesmo tempo, em 1943, Getúlio Vargas fundou a Companhia Nacional de Álcalis, referência na produção de barrilha, matéria-prima para a produção de vidro e outros insumos. Toneladas de conchas foram retiradas da lagoa para suprir a gigantesca fábrica, que funcionava no antigo distrito de Arraial do Cabo, emancipado em 1985.

Com o passar do tempo, contudo, os impostos e a concorrência nordestina aumentaram e, pouco a pouco, as antigas salinas passaram a dar lugar aos loteamentos para construção de casas e condomínios. Privatizada em 1992, a companhia começou a passar por um processo de sucateamento e, paulatinamente, viu sua produção cair e as dívidas crescerem, em lenta agonia, o que resultou na sua falência, em 2006. Mas, nesta época, as fichas já estavam apostadas em uma riqueza a milhares de metros de profundidade, em alto-mar.

A partir de 1997, com a indústria salineira já em franca decadência e a Álcalis mal das pernas, o município passou a ter direito aos repasses feitos pela União por meio da Lei nº 9498, como compensação pelos impactos sociais e ambientais da exploração do petróleo, os chamados royalties. No ano seguinte, com a inauguração do aeroporto, a cidade de Cabo Frio entrou na rota dos voos internacionais. O serviço expande a cada ano, com o anúncio de novos destinos pelas companhias aéreas. 

 O período coincide com uma série de intervenções urbanísticas que mudaram a cidade, incrementando o turismo. Mas com a instabilidade econômica internacional, tendo como pano de fundo as disputas geopolíticas mundiais nas quais o petróleo é uma mercadoria estratégica, a situação mudou. A discussão no regime de partilha entre estados produtores e não-produtores de petróleo acendeu o alerta no município e, em quase toda a Região dos Lagos, uma vez que uma mudança acarretaria a perda de centenas de milhões de reais por ano, de acordo com as estimativas. Um julgamento no Supremo Tribunal Federal, que estava marcado para tratar da questão no próximo dia 20 foi adiado, ainda sem nova data para avaliação do mérito.

Enquanto não há uma definição, o município investe esforços em dar um salto rumo à sustentabilidade econômica. Para o secretário de Desenvolvimento Econômico, Matheus Mônica, esse é o caminho para Cabo Frio para além da próxima década.

– A gente está participando de algumas feiras para promover o polo de desenvolvimento e fazendo alguns eventos com esse objetivo. A ideia é desenvolver dentro do polo indústria sustentável; logística de apoio offshore ou qualquer outro tipo de logística; centro de distribuição a qualquer coisa relacionada a logística e um ‘hub’ tecnológico, a fim de trazer a indústria do conhecimento para nossa cidade, que gera riqueza e é o maior empregador de jovens de 18 a 25 anos. A ideia é fugir um pouco dessa questão do petróleo porque a gente só tem a próxima janela de 10 anos, segundo O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás. A gente está buscando em alguns eventos as estruturas necessárias; junto com a Codin (Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro) e com o estado desenvolver outras áreas na nossa região. Hoje temos mais duas vocações interessantes que é o agronegócio e o turismo de uma forma geral, mas voltado para o turismo corporativo. Estamos buscando outras fontes de receita para o município – comentou o secretário. 

Com a sensível queda na arrecadação em marcha, Cabo Frio mais uma vez se vê diante do desafio de se reinventar economicamente, segundo um novo paradigma, mais dinâmico e menos dependente de apenas um recurso. Seja pelo turismo ou como polo industrial que atraia capital, empresas e empregos, a cidade luta para voltar aos trilhos e encontrar outros caminhos que confirmem sua vocação histórica de ser a joia da Região dos Lagos, com desenvolvimento e igualdade social para as próximas décadas.

Apesar disso, o secretário discorda que a cidade desperdiçou os anos de fartura na arrecadação dos royalties.

– Os modelos que estão dando certo agora são os que passaram a receber royalties depois desse período, que é Maricá, Niterói, e outros que estão criando os fundos soberanos. É uma forma mais sustentável de usar os royalties. Faltou planejamento a Cabo Frio e aos outros municípios – afirmou Mônica.