sexta, 19 de abril de 2024
sexta, 19 de abril de 2024
Cabo Frio
23°C
Park Lagos Super banner
Park Lagos beer fest
Geral

Delegacia de Cabo Frio monta equipe para investigar violência obstétrica

Mais duas mortes são investigadas pelo grupo de trabalho montado em virtude de denúncias sobre o Hospital da Mulher
 

19 março 2019 - 10h09
Delegacia de Cabo Frio monta equipe para investigar violência obstétrica

TOMÁS BAGGIO

A Delegacia de Atendimento à Mulher de Cabo Frio (Deam) destacou uma equipe especializada para cuidar dos casos de violência obstétrica que vêm sendo registrados na unidade. Segundo a delegada Juliana Rattes, a decisão de montar um grupo de trabalho especialmente para cuidar deste assunto foi tomada após a chegada de várias denúncias relacionadas a problemas ocorridos no Hospital Municipal da Mulher, em Cabo Frio.

- Estamos fazendo um inquérito para apurar todos os casos que vêm chegando ao nosso conhecimento. O importante é que as vítimas venham denunciar. São casos de bastante gravidade e todos os dias chegam novos relatos. Os casos que recebemos até agora ocorreram no Hospital Mulher, neste ano e no ano passado, mas nada impede de investigar fatos anteriores ou ocorridos em outras unidades de saúde, já que a área de atuação da Deam engloba Cabo Frio, Arraial do Cabo, São Pedro da Aldeia e Búzios. Estamos reunindo todas as denúncias com uma mesma equipe, mas a investigação é separada caso a caso - informou a delegada Juliana Rattes.

Ontem a reportagem da Folha teve acesso a mais dois casos de mortes de bebês no Hospital da Mulher que tiveram denúncia formalizada na polícia. Em ambos os casos, as famílias acusam a unidade de negligência.

VEJA TAMBÉM
'Não fui eu que criei esse caos', diz prefeito Adriano sobre a saúde de Cabo Frio
Governo Adriano, eleito prometendo revolucionar Saúde, coleciona crises no setor

Um desses casos ocorreu ainda em fevereiro. Lizandra Rodrigues Gonçalves estava com o parto previsto para o dia 18, de acordo com o pré-natal, mas sentiu dores dois dias antes do previsto e foi até o Hospital da Mulher. A mãe de Lizandra, Angélica dos Santos Rodrigues, conta que a filha só foi internada na quarta vez que foi ao hospital.

- Quando ela deu entrada no dia 16, o médico fez o atendimento e mandou de volta para casa. Voltou no dia 18 com dores e mandaram para casa novamente. No dia 24 foi a mesma coisa. No dia 26 queriam mandar de novo para casa mas a gente insistiu. Quando fizeram mais exames ela foi internada. No dia seguinte fizeram o parto e o neném já estava morto. Se o médico do pré-natal disse que o parto seria no dia 18 e no dia 16 ela sentiu as dores, porque já não foi internada ali mesmo? Ela foi três vezes ao hospital com dores e não fizeram nada. Somente na quarta vez foi internada. Ficou indo e voltando até o neném falecer - contou Angélica, que ontem acompanhou a filha até o Centro de Atendimento à Mulher (Ceam) e, depois, até a delegacia.

Lizandra diz que "agora está caindo a ficha", mas que lembra a todo momento da perda do menino Davi Luca.

- Me senti largada. abandonada. Isso acabou com um sonho. Família, projetos, tudo... Tenho uma filha de 8 anos que está chorando o tempo todo, e eu também. Agora está caindo a ficha de tudo que aconteceu - lamentou ela, que, além do atendimento, reclama de ainda não ter tido acesso ao prontuário médico, que é um direito de todo paciente.

- Sem o prontuário não conseguimos saber nem mesmo a causa da morte - completou Lizandra.

Outro caso também denunciado às autoridades foi o de Lorena Verna Mota. Ela conta que chegou no Hospital da Mulher com um sangramento, aos seis meses de gestação, no dia 6 de março, quarta-feira de cinzas. No exame de toque, de acordo com ela, os médicos constatam que havia 4 centímetros de dilatação, incomum para este período da gravidez.

- Quando eu cheguei me colocaram no soro e deram buscopam a cada seis horas para aliviar as cólicas. No dia seguinte diz exames de urina e de sangue. A noite comecei a sentir muitas dores. Chamei o médico e ele não foi no quarto. Só disse para a enfermeira continuar com o buscopam. Na sexta as contrações aumentaram e nada do médico passar no quarto. No fim da manhã passou uma médica que só viu a minha pressão e não fez mais nada. Me mandaram comprar um remédio que iria resolver a dilatação e que estava em falta no hospital. A noite me deram um calmante e eu dormi. No seguinte acordei pior, sangrando muito. A médica só passou de novo no quarto às 11h e quando fez o exame de toque, a dilatação estava máxima. Aí me levaram para a sala de parto - conta Lorena.

Ainda de acordo com ela, a família tentou uma transferência para uma unidade particular, mas o procedimento não teria sido autorizado.

- Minha mãe chegou a pedir para liberarem minha transferência para um hospital particular, porque se o bebê nascesse ali, com seis meses, seria difícil, não tem UTI neonatal, não tem nada. Mas a médica veio e falou na nossa cara que não tinha mais jeito, que o neném não teria chance. Meu filho nasceu com 609 gramas e estava vivo. Eu vi, minha mãe viu e as enfermeiras também. Estava se mexendo e respirando. Mesmo assim a médica disse que ele não teria chance e não fez nada. Não tentaram entubar nem fazer nada. Só colocaram em outro quatro. Quando eu pedi pra ver meu filho, fui até o quarto sem saber de nada e quando cheguei lá já estava morto, enrolado em um pano - relata Lorena.

A reportagem da entrou em contato com a Prefeitura de Cabo Frio e pediu explicações a respeito dos dois casos. A Prefeitura respondeu que está apurando.

Na edição do último sábado a Folha fez um levantamento das principais polêmicas relacionadas à saúde municipal de Cabo Frio nos últimos meses. Em entrevista, o prefeito Adriano Moreno (Rede) disse que não é o culpado pela situação.

– Eu não criei esse caos em seis, sete meses de governo, não. Esse caos na saúde de Cabo Frio... a saúde não se destruiu em seis meses, não. Ela vem sendo destruída ao longo dos anos nesse município – disse o prefeito.

Sobre as mortes ocorridas desde o início do ano no Hospital da Mulher, o prefeito disse que a unidade está dentro dos índices de mortalidade previstos pela Organização Mundial da Saúde.

- O que está sendo passado é que o hospital está matando todo mundo, e não é isso. Um hospital que faz, no mês de janeiro, quase 1.300 atendimentos... em 2018 foram quase 17 mil atendimentos. Como é que esse hospital é esse inferno, meu Deus? É só fazer estatística, pegar os números - alegou o prefeito.