GABRIEL TINOCO
Reinaldinho morava na rua e juntava papelão para escapar do frio. Ainda menino, os pais arrancaram o seu bem mais precioso: a guarda da avó. A casa caiu para o jovem artista desde então: desiludido, ele sobrevivia entre bicos nos restaurantes da Orla da Praia do Forte. Restava-lhe a arte para trazer a vitória que a vida até então tinha lhe negado. Até que certo dia, através de um amigo, Reinaldinho conheceu nada mais nada menos do que Carlos Scliar, que profetizou: “mude a sua assinatura, ela deve ser mais discreta.” O conselho caiu como uma luva para o pintor. Reinaldinho hoje assina como Reinaldo Caó – uma abreviação de Carlos Oliveira. Eles são a mesma pessoa. A única diferença, no entanto, é que Reinaldo Caó faz exposições nos prédios que outrora Reinaldinho dormia em frente.
– Lavava copos e descascava cebolas e batatas nos restaurantes da Praia do Forte. Quando meus pais me tiraram da guarda da minha vó, meu mundo desabou. Fiquei sem chão. Não quer dizer que meus pais sejam ruins, mas era criança e estava acostumado com ela – conta ele, emocionado.
O conselho, paterno, fazia analogia com uma partida de futebol. Na ocasião, foi anunciada a substituição: Reinaldinho saiu para Reinaldo Caó entrar em campo. A previsão de Scliar mudou completamente o jogo.
– Ainda me aconselhou a mudar a assinatura. O Carlos Scliar dizia: a assinatura é como um juiz num jogo de futebol, não deve aparecer tanto. Quem deve aparecer em campo é o jogador. Segui o conselho e consegui me destacar – relembra Caó.
Sempre muito tímido, Reinaldinho enxergou na pintura uma maneira de expressar o que a sua gagueira não deixava dizer. Aos 11 anos já desenhava como um hobby, uma fuga de escapar – ou trazer – a dura realidade.
– Meus amigos me sacaneavam porque era gago. Então, com vergonha de falar, sempre pintava quadros e desenhava como maneira de me libertar. Era uma forma que tinha de soltar a voz. A arte, sem sombra de dúvidas, fez de mim uma pessoa melhor.
Mas o encontro com Carlos Scliar, que tem uma estátua e uma casa de cultura em sua homenagem no Bulevar Canal, não foi dos mais animadores.
– Não sabia nem quem era Carlos Scliar. Um amigo me apresentou a ele no ano de 1987. Ele avaliou minha arte e disse que não havia técnica nenhuma, mas que isso viria com o tempo.
E com essa história de superação e talento que Reinaldo Caó apresenta a exposição ‘Carne Seca Com Abóbora’. O evento acontecerá no Restaurante Picanha na Tábua, no Centro, no próximo dia 25, às 19h30. A ideia de pintar os alimentos surgiu com uma festa intimista na casa onde atualmente vive, no Tangará. Reinaldo convidou casais de amigos não só para apreciar os quadros, mas também os saborosos pratos feitos, é claro, com carne seca e abóbora.
– Tudo começou de uma maneira natural. Convidei 30 casais para ir lá em casa degustar dos pratos e apreciar as obras de arte. Foi unir o útil ao agradável. Nesse segundo evento, vou trazer 12 telas sobre carne seca com abóbora e alguns trabalhos sobre a cidade. As telas dos pratos têm muito o olhar do pintor, a textura da abóbora. Tenho também muitos quadros com pontos turísticos de maneira geral como o Anjo Caído, o Forte de São Mateus, a Passagem... Enfim, vai ser um trabalho com ótimos pratos – completa.