A crise no sistema público de Saúde de Cabo Frio avança fronteiras e reflete na saúde do município vizinho, Arraial do Cabo. Desde o início do ano os atendimentos vêm aumentando no município cabista porque muitos cabofrienses foram buscar socorro em Arraial. Mas, segundo informações da direção do Hospital Geral, o ‘boom’ de atendimento foi no mês passado. Os atendimentos de emergência subiram de 150 para 450 por dia – ou seja, um aumento de 200%. Isso sem contar com os partos: mais da metade são cabofrienses que nascem em Arraial. Um obstetra, inclusive, pediu demissão pelo aumento excessivo do trabalho.
A secretaria de Saúde de Arraial confirmou que o profissional se demitiu por conta do aumento da demanda e informa que estão sem obstetra às terças e aos domingos – dias em que ele estava lotado. Mas informa que estão analisando currículos para a contratação de outro profissional. No entanto, a situação é mais grave do que se possa imaginar, como relata a diretora do Hospital Geral de Arraial.
– Estamos assumindo os riscos, como vamos responder por isso? Temos um corpo clínico para atender certa demanda, mas tem limite. Agora, por exemplo, teremos um feriado e além da população de Arraial e Cabo Frio, também tem os turistas das duas cidades que acabam vindo para o Hospital também. Com relação à emergência, podemos dizer que com o aumento da demanda, começamos a ter deficiência de medicação e falta suporte de Cabo Frio quanto ao aumento de gastos com materiais básicos. Outro problema é o aumento de internações de pacientes de outro município pois deixa um déficit de leito para os pacientes que são moradores de Arraial, o hospital tem 24 leitos de clínica médica, não suporta tanto atendimento – explica a médica Cenir Amorim.
Enquanto a Saúde de Arraial absorve pacientes de Cabo Frio, na cidade as unidades continuam com atendimento paralisado ou parcial. Ontem o Hospital São José Operário continuou com as portas fechadas e o Hospital da Mulher com atendimento restrito.
– Estou vindo desde ontem (anteontem), mas estamos desprezados pela saúde pública. Não tem médico, não tem remédio, não tem nada. Meu filho, que estava internado aqui, no São José Operário, foi transferido para uma clínica particular. Ele estava precisando de receita daqui para os médicos de lá darem continuidade na medicação. Estou tentando pegar essa receita, mas não consigo. Sou atendida do lado de fora do hospital – desabafou a autônoma Maria Garcia, 57, na frente do São José Operário.
Segundo informações do presidente do Sindicato da Saúde, Gelcimar Almeida, o Mazinho, três médicos pediram demissão do São José e outros seis teriam se demitido do Hospital da Mulher.
– A secretária de Saúde já estava ciente dessas demissões. Ela não se preparou mesmo. O médico fica com todas as contas atrasadas e ele vai buscar uma forma de pagá-las em outro lugar. A oferta dos outros municípios é grande. Essas demissões e exonerações, porque tem médico concursado no meio, aconteceram exclusivamente por falta de pagamento – informou.
O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio, Cremerj, enviou nota sobre o quadro que encontraram nas unidades de Saúde da cidade, em recente fiscalização e constaram que há ‘déficit de recursos humanos, ausência de equipamentos e de materiais, problemas estruturais, superlotação e salários atrasados’. Segue parte da nota: “No Hospital Municipal da Mulher, a falta de profissionais tem comprometido a assistência. Os médicos de plantão precisam se dividir entre o atendimento e os partos. Também foram identificadas deficiências de equipamentos, materiais e medicamentos. O Hospital Municipal da Criança - principal unidade de referência para atendimento pediátrico de urgência e emergência da cidade - sofre com o déficit de recursos humanos. Além de faltar medicamentos, insumos e aparelhagens, a unidade não dispõe de laboratório e ambulância próprios. O hospital possui um número significativo de leitos ociosos e condições de manutenção, limpeza, iluminação e refrigeração insatisfatórias”.
Em maio, o Cremerj entrou com representação contra o município de Cabo Frio no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) para reforçar a urgência em encontrar uma solução para este caso. Mas de lá para cá a situação só piorou.