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entrevista

Cláudio Leitão: '‘Nos últimos anos, a Prefeitura foi um feudo político’

Candidato do PSOL falou sobre propostas e importância de quebrar com modelo dos últimos 20 anos

19 setembro 2016 - 20h17
Cláudio Leitão: '‘Nos últimos anos, a Prefeitura foi um feudo político’

Após uma escalada de votos – 800 em 2008 e 5.000 em 2012 –, Cláudio Leitão abriu mão de concorrer à vereança para lutar pela terceira vez pela Prefeitura de Cabo Frio. Com pouco tempo na TV e pouco dinheiro de campanha, o Economista e bacharel em História se fia na insatisfação popular para, quem sabe, ter chance de disputar com candidaturas maiores. Mesmo que o PSOL não tenha se coligado, Leitão diz não se preocupar com governabilidade e diz que o ‘toma lá, dá cá’ feito por “governos que têm maioria no Legislativo” “não é política”: “Isso tem qualquer outro nome: negociata, maracutaia. Política não é”. Leitão é o último prefeitável de Cabo Frio a ser entrevistado pela Folha.

Folha dos Lagos – Por que quer ser prefeito de Cabo Frio?

Cláudio Leitão – Em primeiro lugar, eu poderia resumir isso numa frase. Diria que é para “desprivatizar” a Prefeitura e devolvê-la à população. Nos últimos anos a Prefeitura foi um feudo político. Foi um negócio de família, onde grupos enriqueceram e a população empobreceu. A grande prova disso é a folha corrida de processos dos dois últimos administradores da cidade. O que nós queremos, de verdade, é que o dinheiro público seja transformado em políticas públicas. E não uma reserva de feudos, que enriqueceram em detrimento do empobrecimento da cidade. E isso não sou eu que estou dizendo. O cotidiano caótico é uma prova cabal do que estou dizendo, assim como a enorme quantidade de processos dos administradores anteriores.

Folha – Por que você abandonou o plano inicial de concorrer a uma vaga na Câmara e decidiu pela Prefeitura?

Leitão – É porque, em primeiro lugar, as decisões do PSOL não seguem nenhuma lógica de política carreirista. As decisões são sempre tomadas em conjunto. Ninguém é candidato de si próprio. Então, as decisões são tomadas com a executiva do partido e os filiados. Havia uma decisão nesse sentido [da vereança], mas em função da mudança da conjuntura política do município, numa decisão posterior, chegou-se à decisão que eu seria ainda o melhor nome para concorrer à Prefeitura e defender o projeto transformador que o PSOL pretende implantar na cidade.

Folha – O PSOL, por opção, não faz coligação. O que você diz dos comentários de que, se eleito, você não teria governabilidade junto à Câmara?

Leitão – Na verdade, não é que o PSOL não quer fazer coligação. É a forma como as coligações são discutidas que fazem com que a gente se afaste dela. Todos os convites que o PSOL recebe para coligação não envolvem nenhum projeto de cidade, o que é oferecido são cargos, benesses, vantagens e grana. A gente não se vende. A gente quer lutar por uma transformação coletiva, numa mudança que possa trazer um projeto de desenvolvimento da cidade. Não queremos dizer com isso que somos mais inteligentes que ninguém, nem que somos melhores do que ninguém, É apenas uma decisão de cunho político, porque a lógica política que a gente segue não é essa lógica, de alianças, partidos, que não têm nenhuma identidade de programas, e que se aliam apenas para distribuição de cargos e para garantir tempo de TV maior para fazer campanha política. Esse é o motivo pelo qual a gente não faz coligação. Agora, o PSOL tem feito algumas coligações Brasil afora, mas cada diretório tem a sua linha política e a sua liberdade de decidir. Não é um partido de caciques, então as decisões são tomadas em conjunto.

Folha – Em Itaocara, onde o PSOL se elegeu, a Prefeitura teve dificuldade para governar por conta da relação com a Câmara. Você teme isso aqui em Cabo Frio? De não fazer esse jogo de toma lá, dá cá, e isso acabar influenciado um possível governo seu?

Leitão – Eu não diria que ele teve dificuldade de governar, não. A Câmara tentou atrapalhar o governo dele, mas ele governou, avançou e fez a cidade avançar. O problema é que essa relação, essa governabilidade que se defende em todo o Brasil, que é uma falsa verdade, que só governa quem tem maioria, está se mostrando hoje, em todo o país, ser totalmente mentirosa. A crise no Governo Federal, no Governo do Estado e a crise política em Cabo Frio, são crises políticas formadas em governos de maioria no Legislativo para governar. Só que essa relação viciada, promíscua, corrupta, do ‘toma lá, dá cá’ precisa acabar na política, porque isso não é política. Isso tem qualquer outro nome: negociata, maracutaia. Política não é. Política é outra coisa. Política prevê a independência entre os poderes. Executivo governa, Legislativo fiscaliza e propõe leis do interesse popular. Essa é a lógica. Enquanto a gente achar que isso não é o certo, e que o certo é essa governabilidade viciada, a gente não vai avançar politicamente no país. Voltando a Itaocara, quando o prefeito faz uma administração honesta, transparente e com participação popular, como é lá, todas as tentativas que a Câmara fez foram barradas pela Justiça, pois não havia elementos, não havia fundamentação política que sustentasse aquilo. Era apenas um jogo de cena, uma forma de tentar impedir os avanços que Itaocara está tendo. É a mesma coisa aqui. O prefeito precisa muitas vezes de maioria na Câmara quando tem a necessidade de aprovar medidas que não são de interesse popular.

Aí ele precisa ter o vereador debaixo do braço. Porque o vereador vive de voto, ele tem a opinião pública vigiando ele. Então, se o prefeito encaminha medidas que são do interesse da população, o vereador vai ter que votar e vai ter que acompanhar isso, porque dificilmente ele vai querer contrariar projetos de interesse da população.

Folha – Alguns cientistas políticos costumam dizer que o PSOL tem um discurso que não é tão próximo da população, que é um discurso da classe média, de um eleitorado mais intelectualizado. O que você tem a dizer sobre isso?

Leitão – A gente vive em um país num processo de muita deformação, de processos educacionais, de formação da cidadania, da forma do poder econômico nas eleições... Tudo isso faz com que uma estrutura muito grande seja movimentada na época das disputas políticas e o PSOL não consegue acompanhar esse sistema. Até porque, conforme todos sabem, o partido se recusa a receber doações de bancos, de empreiteiras e de grandes empresas, porque está provado que empresa ela não faz doação, ela faz investimento. Eu não acho que nosso discurso tenha dificuldade de penetrar, até porque uma das grandes bandeiras que o PSOL defende é justamente essa: a da inversão de prioridades de investimentos, para que a gente possa reduzir essa desigualdade que existe. O problema é que essa engrenagem do poder econômico nos dificulta a chegar lá. É o assistencialismo, é o fisiologismo... Brecht já dizia no século passado: “A fome vem antes da ética”. Então, se você pega a fome, no sentido de necessidade gerada, e você encontra nesse segmento que foi citado uma população carente, muitas vezes de propósito, o poder público negligencia para poder criar dificuldades para vender facilidades. E esses candidatos que representam o poder público chegam lá oferecendo todas essas benesses ilegais em campanhas eleitorais. Mas isso está mudando. Nós estamos liderando pesquisa em várias capitais do Brasil. Porto Alegre é uma, Belém é outra. O que prova que o quadro está mudando.

Folha – Você é economista de formação, também formado em História, mas teme que a inexperiência em gestão pública possa pesar num eventual governo em Cabo Frio?

Leitão – Não, até porque, até respondendo em parte à questão anterior, a gente pretende fazer um governo para além do PSOL. Um governo que tenha participação da sociedade civil, com as pessoas notáveis da sociedade civil, que estão ali e não estão sendo aproveitadas na administração pública, alguns até porque não querem ver seus nomes envolvidos em escândalos de corrupção, que são a marca da administração de Cabo Frio nos últimos 20 anos. Nós pretendemos governar com as universidades, e o PSOL tem quadros que a gente consegue tranquilamente montar uma equipe preparada para implementar o projeto de transformação que a gente quer. Folha – Nesse momento de crise, um eventual governo seu seria a favor ou contra o enxugamento da máquina pública?

Folha – Nesse momento de crise, um eventual governo seu seria a favor ou contra o enxugamento da máquina pública?

 

Leitão – É óbvio que precisa ser enxugada. Agora, precisa ser enxugada no andar de cima. Porque a gente não tem uma máquina pública inchada nas atividades fim, digamos assim. Nas áreas essenciais, limpeza pública, educação, saúde. A gente percebe que a máquina é inchada no andar de cima. Vários cargos e posições são sobrepostos, sem nenhuma necessidade. Exatamente para atender a esses acordos políticos que são feitos no período pré-eleitoral. E são esses cargos comissionados, portariados em excesso, é que fazem onerar a máquina pública. Isso aí é uma outra mentira que contam, quando dizem que o Brasil, os Estados e as Prefeituras têm gente demais atendendo à população. Se você olhar para os países europeus, desenvolvidos, a relação população e funcionário público no Brasil é muito menor do que a deles. Só que eles têm funcionários públicos nas atividades que efetivamente prestam serviços à população. O vício do Brasil é que a gente tem gente demais no andar de cima. É aquele velho dito popular: tem cacique demais pra pouco índio. E a gente tem que cortar ali. A reforma administrativa que a gente tem que fazer é basicamente no andar de cima e no excesso de secretarias que são criadas para atender a todos esses aliados políticos.

 

Folha – Como fazer mudanças, na prática, com a cidade nessa situação econômica?

Leitão – Como o quadro político é desanimador e todo mundo está reclamando muito, é lógico que todos querem falar em mudança. Alguns dizem que são “o novo”. É claro que tem discurso de candidato que não cola. Como é que um candidato que governou por 8 anos, várias vezes processado, que é o caso de Marquinho Mendes, pode fazer um discurso desses? Isso ai é para enganar bobo. Só se engana quem quer. E a mesma coisa é o caso do Paulo César, que está com toda a família Corrêa dentro do seu grupo político. E como o prefeito tem um grande desgaste faz o discurso do novo. E aí pode colocar, nesse ponto de vista, o candidato Janio, que está ‘pescando nos aquários’, como ele mesmo disse, para repetir a expressão usada por ele, pescando nos aquários de Alair e Marquinho, trazendo para o grupo dele pessoas que estiveram na alta cúpula da administração do governo passado. E o vereador Adriano, que se elegeu na base do prefeito, e tem hoje no grupo político dele o líder do prefeito na Câmara, que é o Emanoel Fernandes, e tem como vice uma secretária do governo, a Cristiane Fernandes, esposa do Emanoel.

Que mudança é essa? Querem usar esse discurso porque esse discurso agrada à população. Agora, a questão do problema financeiro da cidade. Eu sou economista, estudo a dívida pública, dívida de estado, de municípios, e sei como equacionar isso. É possível equacionar a dívida pública do município. Primeiro é necessário fazer uma auditoria. O atual prefeito não é candidato. Consequentemente, não se sabe ainda que tipo de lambanças ele pode fazer. Você pode alavancar recursos terminando contratos superfaturados e, nesse particular, além da auditoria, pode contar com o trabalho da Procuradoria Geral do Município, pois se o contrato tiver indícios de irregularidade, é possivelmente legal rompê-lo e não efetuar os pagamentos.

A reforma administrativa é outra área que você pode fazer economia de recursos, cortando as gorduras da máquina pública. A gente pode fazer um amplo processo de regularização fundiária, regularizando os imóveis, lotes, terrenos e casas das pessoas que não têm registro definitivo. Existe uma lei federal que está aí para isso: o dono do imóvel vai receber o registro de graça e, a partir dali, pagar o IPTU, para termos uma alavancagem na arrecadação própria do IPTU do município. Precisamos criar grupos técnicos para fazer as medições e as regularizações desse projeto. Claro que isso não é de uma hora para a outra. É um processo que vai mês a mês alavancando e aumentando a arrecadação. Além disso, há uma série de outros repasses que o município tem deixado de receber por inadimplência.

Folha – No seu plano de governo, você diz que vai investir 35% do orçamento na Educação. Quais são suas ideias para este setor?

Leitão – Na verdade, a gente pretende resgatar novamente esse percentual que era previsto na Lei Orgânica, e que Alair modificou dois mandatos atrás, com o apoio da Câmara, e tirou 10%, voltando ao limite constitucional de 25%, dizendo que iriam para Cultura, que nunca viu esse dinheiro. Como a gente tem o projeto da escola integral, a gente precisa aumentar esse orçamento para que possa de forma gradual poder iniciar esse projeto.

É possível fazer a escola integral mesmo na crise. Como não vai ser possível construir novas escolas em um primeiro momento, a gente pode fazer o contraturno  da escola de tempo integral nos prédios públicos já existentes. Temos ginásios que com alguma reformulação podem voltar a ficar operante. Um outro ponto grave é a questão das creches. O governo federal determina que a educação infantil é de responsabilidade dos municípios e que universalize o atendimento às crianças de zero a seis anos, mas em Cabo Frio não há 40% do que é necessário. Isso tem uma segunda importância porque além de preparar a criança para o ensino fundamental, permite que a mãe trabalhe, reforce a renda familiar, aumente a venda do comércio e aumente a arrecadação tributária. São políticas que têm alcance além da Educação. Um quarto ponto que eu cito é a criação de cursos técnicos e profissionalizantes. Em Cabo Frio, cerca de 55% da população vive na informalidade porque não tem formação técnica. A Prefeitura precisa ter esse papel de criar cursos técnicos nas áreas vocacionadas do município como a hotelaria, a gastronomia e a construção civil.

Folha – E a Saúde? Pretende reabrir a UPA?

Leitão – Essa é a maior queixa da população ao lado da segurança pública. Nos últimos anos, houve total inversão do dever de casa. Investiu-se demais na Saúde nos hospitais de atendimento emergencial e de menos na Saúde básica e preventiva. Os caras que geriram a Saúde ao longo de todos esses anos não eram da saúde pública e sim da saúde privada. É preciso que a gente comece e pense seriamente em cobrir 100% do município com os programas de Saúde da família, onde vai ter um médico generalista além de toda equipe necessária nesses postos. Esse médico generalista vai tratar das principais doenças de base da população, que quando não são tratadas vão lotar as emergências da cidade. Isso custa muito caro para o município. Equipar os postos, informatizá-los, porque isso não é caro, acabar com essa humilhante central de marcação de consultas.

A Saúde nessa cidade já elegeu muita gente, já enriqueceu muita gente e a agora corremos o risco dela matar muita gente.

Esse trio triste da Saúde precisa ser exterminado. Acho que temos que temos que reativar as UPAs, sim, tanto a daqui que está fechada, quanto a de Tamoios, que funciona de forma precária. Mas temos que devolver à UPA o seu papel que é atender os casos de baixa e média complexidade. Foi um erro estratégico e diria até mal intencionado do governo Alair quando fechou as UPAs para deslocar o atendimento para o HCE que não tem condições de receber os casos de baixa e média complexidade junto com os de alta complexidade. Eu defendo que o HCE seja integrado ao São José Operário, como um hospital de emergência que seja equipado com UTIs clínicas e cardiológicas porque hoje a cidade não tem isso. É tudo terceirizado. O fato das pessoas que geriram a Saúde pública da cidade pertencer à Saúde privada fez com que o processo fosse todo terceirizado nessa linha de equipamentos de UTI e de imagem.

Folha – Como transformar Cabo Frio numa cidade de veraneio numa cidade de Turismo? Esse é o caminho para a geração de empregos aqui?

Leitão – Você falou de forma correta. As pessoas aqui falam muito do polo industrial. É importante que tenha, mas esse setor, que é um setor secundário da indústria, não é o que gera mais empregos em lugar nenhum do mundo. Porque a automação industrial que tomou conta das empresas vem tomando o lugar do trabalhador. O polo industrial é mais um aspecto que pode melhorar essa situação. Os dois polos são prometidos há mais de 20 anos, e que são viáveis de serem feitos, e devem ser feitos, e se a gente tiver chance vai fazê-los, mas eles não são a solução do emprego de Cabo Frio. A solução da geração de emprego em Cabo Frio está na atividade terciária, na atividade do turismo e na atividade de serviços e comércio. E aí a gente precisa desenvolver toda essa área turística e não ficar limitado ao turismo de massa, que é um turismo que traz muita gente, mas não gera a riqueza que a cidade precisa.