Os bonecos que fizeram a fama de artista popular de Clarêncio Rodrigues, outrora serelepes, movidos habilmente pelo seu criador, no momento estão guardados. Também pudera, uma vez que o mestre pouco tempo tem tido para se dedicar à arte que encantou tantas pessoas nas últimas décadas, no teatro que mantém em Cabo Frio. Desde o começo do ano, o expediente como secretário de Cultura toma-lhe praticamente todo o tempo, inclusive nos fins de semana.
Afinal, não há tempo a perder, pois muitos colegas esperam ansiosos o pagamento do auxílio referente à Lei Aldir Blanc, cujo edital está em vigor desde o ano passado, ainda na gestão anterior. Nessa primeira entrevista à Folha, Clarêncio, cujo nome foi um dos mais festejados entre os novos secretários, garante que o depósito da ajuda financeira aos artistas é a prioridade, o que deve acontecer a partir desta quarta-feira (20).
Durante o bate-papo, o secretário abriu o jogo sobre o calendário de eventos culturais que pretende implantar, ainda que com atividades adaptadas por causa da pandemia de Covid-19; disse que pretende retomar o Proedi, mas ainda sem data, por causa das condições financeiras do município, e manifestou surpresa com a presença de funcionários ‘fantasmas’ na folha da secretaria. Em curto prazo, depois da Aldir Blanc, o objetivo é reabrir o Teatro Municipal, em reforma há mais de dois anos.
– Estamos em contato com engenheiros e arquitetos para acelerarmos também esse processo da reforma.
Folha dos Lagos – A indicação do senhor para o cargo foi considerada uma unanimidade. Isso facilita a tarefa, por causa do apoio, ou dificulta, pelo aumento da responsabilidade?
Clarêncio Rodrigues – Com certeza, esse é o reconhecimento de um trabalho de mais de 45 anos dentro da área teatral. Isso traz uma responsabilidade maior. Mas eu procurei me cercar de pessoas técnicas e especialistas em gestão pública. Reconheci que não entendia nada disso. Então chamei pessoas ligadas à arte, como atores, músicos e produtores culturais, para me assessorar. O trabalho está sendo feito com muita seriedade e transparência, tanto é que estamos empenhados na aceleração do resultado da Lei Aldir Blanc.
Folha – O pagamento aos artistas do auxílio da Lei Aldir Blanc é a prioridade no momento?
Clarêncio – Essa é a prioridade porque envolve uma responsabilidade deixada pelo governo passado. São artistas que precisam desse resultado para sobreviver e continuar seu caminhar artístico. Estamos sem medir esforços, trabalhando sábado e domingo. A equipe está vindo para cá com esse objetivo. Vamos torcer para que até o dia 20 esse pagamento do projeto seja iniciado.
Folha – Quando o prefeito Bonifácio te convidou para o cargo, o que ele pediu ao senhor?
Clarêncio – Em primeiro lugar, sendo sabedor da bagagem que eu tenho no meio artístico e da minha índole e seriedade, por ter critérios de ordem e transparência, o prefeito me chamou. Falei para ele que não tinha experiência com gestão pública, mas ele me garantiu e deu completa liberdade para eu montar uma equipe técnica e eficiente para ajudar nessa caminhada. Então, a primeira providência foi selecionar essas pessoas e caminhar com elas. A coisa está acontecendo e dando certo. No dia 6, fizemos nossa primeira ação, sobre a Folia de Reis, mas de uma maneira que não afetasse as regras de isolamento. Então fizemos de modo on-line, que teve um resultado muito bom.
Folha – Vocês já pensam na elaboração de um calendário cultural para este ano, claro que dentro das limitações impostas pela pandemia?
Clarêncio – Nós estamos fazendo esse planejamento há muito tempo. Inclusive, nós já temos uma relação de eventos e providências a serem tomadas dentro da Secretaria de Cultura. E a prioridade, depois da regularização da Lei Aldir Blanc, vai ser o nosso Teatro Municipal.
Folha – O senhor já visitou o Teatro depois de assumir? Como está a situação?
Clarêncio – Nossa equipe nem foi empossada ainda, mas já está trabalhando com afinco dentro do propósito de ver a melhor forma, mais prática e segura de reabrirmos o Teatro Municipal. Estamos em contato com engenheiros e arquitetos para acelerarmos também esse processo da reforma.
Folha – Mas o que falta exatamente para que essa reforma seja concluída?
[Nesse momento, o assessor da secretaria, Pablo Alvarez, que acompanhou a entrevista, pediu a palavra].
Pablo Alvarez – Desde o início da gestão, a gente está o tempo todo com essas visitas, tanto junto à empreiteira que fez a obra, como junto aos responsáveis pelo projeto. A gente viu que realmente a obra foi praticamente concluída, mas faltaram alguns detalhes, pela falta de luz [corte por fata de pagamento], na gestão anterior. Teve aquela repercussão toda. E a gente começou a descobrir coisas que faltavam para conclusão da obra. Obviamente, a obra foi concluída, mas com alguns detalhes que precisam ser alinhados para a legalização do teatro. E a gente está nessa luta. É uma prioridade nossa não apenas para nós, como gestores da Secretaria de Cultura, como para a cidade de Cabo Frio. Ter um espaço enorme daquele parado. Está praticamente concluído, só precisamos resolver esses detalhes para entrar com essa ação junto ao Corpo de Bombeiros para providenciar a legalização.
Folha – É possível falar em prazo para a reabertura?
Alvarez – Não temos como dar um prazo agora, mas acredito que, nos próximos dias, a gente consiga dar esse prazo.
Folha – Está no planejamento da secretaria retomar o Proedi este ano ou algum outro tipo de edital de fomento à atividade artística?
Clarêncio – O Proedi está dentro dos nossos planos. Mas por enquanto, seria até leviano afirmar algo. A gente sabe que o prefeito está com grande responsabilidade em efetuar o pagamento do funcionalismo. Nós também encontramos todos os equipamentos culturais danificados, como o Teatro, que está todo detonado, o Corredor Cultural Torres do Cabo. Tem a Fazenda Campos Novos. O nosso grande propósito é fazer uma grande revitalização de todos os prédios da Cultura.
"Nós temos um núcleo de ações periféricas e o objetivo dele é mapear nas comunidades os seus agentes culturais. Nós queremos promover um mapeamento local de artistas e iniciativas culturais de cada comunidade, além de também promover ações culturais embasadas na identidade territorial".
Clarêncio Rodrigues, secretário de Cultura de Cabo Frio
Folha – O que o senhor viu até agora que chamou a sua atenção, para se tornar alvo de melhorias na Cultura?
Clarêncio – O que me chamou muita atenção foi o número de funcionários na Cultura que não tinham presença nos lugares, mesmo com o isolamento da Covid. A gente soube por parte do Departamento Pessoal que existem muitos funcionários fantasmas e nós vamos dar um jeito de suprir essa falta o mais rápido possível, além de revigorar os espaços. Essa é também uma prioridade na nossa gestão.
Folha – Quais os seus planos para a Cultura na periferia da cidade?
Clarêncio – Nós temos um núcleo de ações periféricas e o objetivo dele é mapear nas comunidades os seus agentes culturais. Nós queremos promover um mapeamento local de artistas e iniciativas culturais de cada comunidade, além de também promover ações culturais embasadas na identidade territorial. Queremos promover ciclos de troca de saberes, fazendo o empoderamento de informações e a inclusão cultural como base para ações da cidadania. Também temos um núcleo de inclusão cultural que é para mapear ações e coletivos que representem os jovens; mapear ações e coletivos de iniciativas étnicas e raciais; e mapear ações e coletivos de empoderamento da mulher e do LBTQia+. Também vamos mapear os pontos de cultura do município de Cabo Frio, além de praças e pontos, que são lugares em que podem ser facilitadas as ações cultuais. Para o primeiro semestre, temos o projeto de inclusão de digital, que vai implantar a internet nas praças. Isso já está sendo providenciado pelo prefeito e pela Secretaria de Governo. Também temos o projeto das ‘Gelotecas Comunitárias’, em que angariaríamos geladeiras antigas, que serviriam como bibliotecas ambulantes, em que as obras literárias seriam distribuídas ao público. Vamos fazer ainda o mapeamento dos agentes culturais nas comunidades, os representantes da Cultura em cada comunidade da cidade. E vamos fazer a revitalização de espaços da cidade, por meio de pintura e grafite. Vamos começar a ação da grafitagem na Praia do Forte, no muro de contenção. Teremos aqui no Centro e no Segundo Distrito, em Tamoios. Isso será feito por artistas locais.
Folha – Há uma previsão de quando começará esse trabalho de grafitagem?
Alvarez – Acreditamos que na semana que vem ou na outra. Vale ressaltar que, na nossa gestão, já que a gente tem uma cobrança como artista, lá no passado, queremos como diferença para essa gestão a participação popular, através dos conselhos, que são formados pela sociedade civil, para que possa acrescentar na nossa gestão. Vamos dar importância para a sociedade civil para que ela possa participar dessa gestão, com ideias, e com coisas que venham somar para o município de Cabo Frio.
Folha – O prefeito já colocou os planos que ele tem para a Morada do Samba, a respeito do Centro de Feiras e Eventos. Ali é um espaço da Cultura, criado para servir de barracão das escolas de samba. Qual vai ser o papel da Cultura na reordenação daquele espaço?
Clarêncio – Teremos uma reunião com o prefeito e, dentre outros assuntos, a renovação da Morada do Samba está pautada. Nesse momento, não tenho como falar qual será a definição para aquele espaço, mas com certeza vai ser alguma coisa em prol da Cultura local.
Folha – Quando foi anunciado o primeiro escalão, houve muitos elogios pelo número de mulheres e pela diversidade racial. Qual sua opinião sobre isso e quais os planos para ações de Cultura negra no município?
Clarêncio – Essa iniciativa do prefeito, acho que é inédita. Isso deu uma repercussão muito grande em todo âmbito nacional. Essa diversidade de secretários foi uma medida inteligente que o prefeito, dentro dessa visão cultural que ele tem. Com relação ao Movimento Negro, o prefeito vai ter um encontro [realizado nesta quarta, 13] com o cônsul de Angola e o cônsul de Cabo Verde. Nosso superintendente para assuntos afros, Manoel Justino, a partir da semana que vem, vai se reunir com associações de movimento negro e mais a secretaria de Educação vai sentar-se para elaborar o projeto da Semana Teixeira e Sousa, que pretendemos que seja em âmbito nacional, mobilizando a rede hoteleira da cidade, todos os artistas, e as secretarias afins. Vamos anunciar quando esse trabalho estiver iniciando. Toda a programação vai ser on-line. Vamos começar a trabalhar nesse propósito.