Depois de sete meses de ameaças, a Prefeitura de Cabo Frio marcou para esta quinta-feira (24) a reintegração de posse da Casa de Referência Inês Etienne Romeu, em Cabo Frio. Ocupado desde novembro de 2023 por integrantes do Integrantes do Movimento de Mulheres Olga Benário, o imóvel, no bairro Itajuru, funciona como espaço de acolhimento para vítimas de violência. Para protestar contra o despejo, um novo ato foi convocado para às 8h da manhã em frente à casa.
Um dos motivos para o protesto, segundo integrantes do movimento, é a ausência de diálogo por parte do governo municipal. Em vídeo postado nas redes sociais, o grupo contou que na última segunda-feira (21), durante a V Conferência de Mulheres, representantes da Prefeitura se comprometeram publicamente a marcar uma reunião entre o prefeito e a coordenação da Casa de Referência Inês Etienne Romeu ainda antes da data marcada para o despejo, mas isso não aconteceu. “Passamos o dia tentando contato e fomos ignoradas. É assim que tratam um espaço construído por e para mulheres em situação de vulnerabilidade?”, questionaram na publicação.
Além das mobilizações nas ruas, um abaixo-assinado contra o despejo também foi criado na internet (no site petição pública). No texto, o movimento de mulheres pede a permanência da Casa de Referência da Mulher Inês Etienne Romeu no imóvel que hoje ocupa; o fim das ameaças de despejo e da perseguição institucional; a abertura de diálogo imediato com a Prefeitura de Cabo Frio, e o reconhecimento da importância do trabalho desenvolvido pela Casa como parte integrante da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres.
“Desde que o governo de extrema-direita do prefeito Dr. Serginho assumiu a gestão municipal em janeiro de 2025, as mulheres que constroem, com trabalho voluntário e dedicação, o projeto Casa de Referência da Mulher Inês Etienne Romeu vêm sofrendo constantes ameaças de despejo. Isso ocorre sem que a atual gestão tenha apresentado qualquer política pública ou ação concreta voltada às mulheres vítimas de violência doméstica. A Casa ocupa um imóvel que estava abandonado há mais de 10 anos. Em 25 de novembro de 2023, Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, nós o revitalizamos, devolvendo a ele uma função social nobre e urgente. Desde então, acolhemos mais de 160 mulheres, oferecendo apoio psicológico, jurídico, oficinas profissionalizantes, atividades culturais e comunitárias”, afirma o movimento em nota.
Em outro trecho da nota denunciam que “apesar da relevância do nosso trabalho, o prefeito se recusa a dialogar conosco. Ameaça-nos de despejo, mas não oferece nenhuma alternativa real de atendimento, acolhimento ou proteção às mulheres em situação de violência. Isso revela não apenas um descaso com nossas vidas, mas uma tentativa de silenciar a resistência construída por mulheres que lutam, cuidam e promovem dignidade”.
A história da ocupação da casa começou ainda durante a gestão da ex-prefeita Magdala Furtado. Por conta do estado de abandono de mais de uma década, uma força tarefa foi montada para arrecadar doações e reformar o espaço. Desde então, a Casa Inês Etienne Romeu oferece (de forma gratuita) orientação jurídica e psicológica, oficinas de autonomia financeira, cozinha comunitária e até uma horta coletiva como forma de acolher mulheres em situação de violência.
Em janeiro deste ano, pouco mais de um ano após a ocupação, e alguns dias após a posse do atual prefeito, a situação foi parar na justiça. Assim que assumiu o mandato, o atual prefeito Serginho Azevedo notificou o Movimento Olga Benário pedindo que o local fosse desocupado até o dia 4 de fevereiro, mas a ocupação continuou. Em nota à Folha, na época, o governo municipal disse que a casa foi desapropriada com base no Decreto Municipal nº 6.596, de 19 de julho de 2021, “que declarou sua utilidade pública para fins de preservação e conservação ambiental”.
Informou também que “a desapropriação ocorreu com urgência, uma vez que são necessárias obras essenciais para a conservação do espaço”. No texto, o governo garantiu que o pedido de desocupação “tem como objetivo garantir a proteção da área e sua adequada utilização pela população”. A justificativa, no entanto, não foi aceita pelas integrantes do movimento, que passaram a fazer manifestações públicas e vigílias com o objetivo de tentar impedir a reintegração de posse.
Para justificar a manutenção do espaço e do trabalho social desenvolvido pelo movimento de mulheres, Chantal Campelo (uma das líderes do grupo) denunciou que Cabo Frio é a cidade com o maior número de casos de violência contra a mulher na Região dos Lagos. Um dos mais recentee foi o assassinato de Karolina Sales, de 23 anos. Ela foi morta a facadas dentro de casa, no bairro Vila Nova, na manhã do último dia 16 de abril. O crime aconteceu na frente do filho dela, um bebê de apenas oito meses.
Após este caso, o grupo postou um comunicado nas redes sociais. O texto diz que“em meio a esse cenário alarmante, a Casa de Referência da Mulher Inês Etienne Romeu tem sido extremamente importante para mulheres vítimas de violência, oferecendo apoio psicológico, jurídico e social. No entanto, o prefeito Serginho quer acabar com a única casa de referência para mulheres da cidade, alegando que o imóvel deve ser desapropriado para fins de preservação ambiental. Essa decisão coloca em risco um espaço vital que já acolheu diversas mulheres em situação de vulnerabilidade. Não podemos permitir que o espaço seja fechado. Em uma cidade onde a violência contra a mulher é uma realidade diária, é fundamental fortalecer, e não desmantelar, iniciativas que oferecem suporte e proteção. Exigimos respeito pela vida das mulheres”.
A Casa Inês Etienne Romeu é, atualmente, o único espaço de Cabo Frio com atendimento gratuito e contínuo para mulheres em situação de violência. O nome do espaço é uma homenagem à única sobrevivente da Casa da Morte, um centro de tortura da ditadura militar brasileira.