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Cidade em debate

Canto da Praia do Forte e São Cristóvão podem passar por transformações com Plano Diretor

Propostas incluem construção de hotel no Lido, com a reforma do entorno, e aumento do limite de pavimentos em São Cristóvão

13 abril 2020 - 22h04Por Rodrigo Cabral e Tomás Baggio

Dois cenários de Cabo Frio podem passar por transformações caso sejam aprovadas as propostas apresentadas na revisão do Plano Diretor de Cabo Frio. No canto da Praia do Forte, um desses projetos propõe a criação de um hotel na Avenida do Contorno, a lado da Duna Preta, no terreno onde funciona um parque de diversões durante a alta temporada. O investimento traria uma contrapartida: a reforma da área do Lido, com instalação de equipamentos de atração turística, como um polo gastronômico e um museu arqueológico. 

Do outro lado da cidade, no bairro de São Cristóvão, a ideia é permitir o aumento da altura das construções, principalmente na Avenida Joaquim Nogueira, onde atualmente é possível edificar apenas um pavimento acima do térreo. O novo Plano Diretor, que vem sendo discutido em audiências públicas desde 2019, ainda precisará passar pelo crivo da Câmara Municipal.

Na Praia do Forte, as intervenções viriam através de um instrumento chamado Operação Urbana Consorciada (OUC), que foi regulamentado pelo Estatuto das Cidades em 2001. Através do modelo, segundo definição do documento,  determinadas áreas do município podem receber intervenções pontuais, sob coordenação do poder público. Essas intervenções envolvem participação da iniciativa privada,  que deverá dar contrapartidas em função dos benefícios concedidos, com a finalidade de viabilizar transformações urbanísticas estruturais, com melhorias sociais e valorização ambiental. 

No caso do Lido, a proposta foi apresentada pela proprietária de uma área de aproximadamente 12 mil metros quadrados. A empresa, uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), deseja o aumento da capacidade de construção no terreno, atualmente limitada a 15% da área, e com teto de três pavimentos. 

A Prefeitura considera interessante a possibilidade de afrouxar as regras, restringindo o objeto da operação ao uso hoteleiro e direcionando os dividendos da outorga para a requalificação da comunidade e do entorno.

Tanto o governo municipal como a representação dos proprietários estimam que os recursos provenientes da outorga poderia variar entre R$ 10 milhões e R$ 15 milhões, dependendo de quanto a mais fosse permitido ocupar no terreno.
 
O secretário de Desenvolvimento da Cidade, Felipe Araújo, lembra que há outro projeto de reforma para o Canto do Forte e Avenida Almirante Barroso (que vai do Forte até o Largo São Benedito, na Passagem), que não contempla o Lido.
 
– Essa verba para o Canto do Forte foi aprovada há alguns anos junto ao Governo Federal e está em fase de contratação. A primeira etapa foi a contratação de serviço de arquitetura e engenharia. O projeto contempla toda a área, do Canto do Forte até o Lido, e a Almirante Barroso. Mas a verba disponível para a execução, em torno de R$ 3 milhões, não dá para fazer tudo. Então, o Lido não está nesta fase. A obra será no trecho do pontal até a Avenida Almirante Barroso – explica.
 
Segundo Felipe Araújo, a proposta de Operação Consorciada para o Lido está sendo levada em consideração.
 
– Surgiu, na revisão do Plano de Diretor, a visualização de vazios urbanos de áreas que estão subutilizadas. Este terreno do parque de diversões é um dos que têm um potencial urbanístico baixo, ou seja, só se pode tirar uma determinada quantidade de metros quadrados. Houve proposta por parte dos representantes dos proprietários de Operação Consorciada. Cabe ao município, se o Plano Diretor permitir, após ser discutido na Câmara Municipal, criar uma mancha urbana de outorga para determinar qual seria a contrapartida financeira da outorga – continua ele, alegando que o modelo poderia facilitar os investimentos que o local precisa.
 
– Temos, nesta área, uma comunidade em crescimento desordenado. Todos estamos cientes disso e é algo difícil de controlar. A área do Lido tem um interesse turístico, paisagístico e patrimonial, assim como o Canto do Forte. Mas a gente sabe também que precisa de dinheiro, muito dinheiro, para tocar um projeto decente ali, que abrigue um futuro museu de arqueologia, o platô do Lido e a reorganização da comunidade, sem tirar as características dela. Ninguém está falando em retirada integral em hipótese alguma. O fato é que a Prefeitura precisa de dinheiro para resolver aquilo, e não tem caixa, e não tem previsão de ter nos próximos anos. Então, seria o caso de apelar para a iniciativa privada – diz o secretário de Desenvolvimento da Cidade.
 
A negociação ocorre sob análise do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que precisa dar sua chancela ao acordo, em virtude de exercer o tombamento federal do Conjunto Paisagístico de Cabo Frio e seus entornos, tendo como principal monumento histórico o Forte São Mateus.
 
De acordo com o chefe do escritório regional do Iphan, Felipe Borel, foram solicitados estudos para dimensionar o impacto do empreendimento no local. Para ele, o modelo de Operação Consorciada pode ser positivo.
 
– Esta proposta chegou até nós pela Prefeitura. Como é algo bastante delicado, encaminhamos para a Superintendência no Rio de Janeiro. Não vai ser algo que o escritório técnico possa lidar diretamente. A Superintendência está a par do andamento, e uma série de conversas já foram feitas. Há um posicionamento favorável de que este este pode ser um mecanismo que ajude a área. Definições mais precisas sobre as limitações que as área passariam a ter, os novos limites, ainda não estão fechados. Alguns estudos foram demandados para a Prefeitura para termos noção mais precisa de como poderia ficar o espaço com essa nova proposta e a contrapartida que seria feita – afirma Felipe Borel.
 
Propostas de empreendimentos na Praia do Forte já foram alvo de polêmicas ao longo do tempo. Houve, até mesmo, a tentativa de retirada da comunidade do Lido, o que não foi à frente. O consultor Thomas Rosa, que tem um escritório de representação e consultoria que atende a empresa, afirma que a proposta é "bem intencionada" e que haveria benefício para os moradores do Lido e para a cadeia produtiva turística da cidade.
 
– É uma ideia construída há muito tempo, mas a vontade, antes, era de retirada da comunidade. Com a possibilidade da Operação Consorciada, os proprietários entendem ser possível e viável o projeto. A gente tem que entender a historia, aquela comunidade toda está lá há muito tempo. Tem que respeitar e entender o que a comunidade quer. A gente conseguiu colocar isso para os empreendedores e eles gostaram muito da ideia. Antes, tinha uma intenção só econômica e imobiliária. Agora, queremos fazer alguma coisa em benefício da comunidade também, não só do empreendimento.
 
Segundo ele, a proposta contempla um modelo multiuso com hotel, residencial de serviços e lojas. Uma parte seria um hotel comum, e outra, um residencial de serviços de hotelaria, em que seria possível adquirir cotas com direito a usos delimitados.
 
– Hoje, os sócios entendem que este modelo seria o mais adequado. A proposta é que tenha ligação com o entorno, que vai ser revitalizado, com parques, praças, e áreas públicas. Nosso objetivo não é só pedir autorização para ter mais área construída, mas, sim, agregar a possibilidade de um empreendimento que possa melhorar o lugar e absorver a mão de obra local.
 
"A tendência é de que São Cristóvão como um todo tenha uma cara muito similar à zona residencial do Braga"
 
Outras ideias que vêm esteira do novo Plano Diretor podem encontrar terreno fértil no bairro de São Cristóvão. Elevando-se a altura das construções, a ideia é criar uma massa contínua com o Braga e a Avenida Teixeira e Sousa.
 
– A Avenida Joaquim Nogueira é a nossa maior aposta do Plano Diretor. Nossos estudos indicam que não só poderia como deveria aumentar o gabarito. É um bairro com ruas de nove metros de largura, um local grande e populoso, mas subutilizado urbanisticamente, que comporta uma densidade populacional muito maior. A tendência é de que São Cristóvão como um todo tenha uma cara muito similar à zona residencial do Braga, com imóveis na faixa de seis ou sete pavimentos, até para formar uma massa contínua e dividir um pouco o potencial de especulação, baixando o preço dos imóveis – declara Felipe Araújo.
 
Nas contas dele, o benefício das outorgas alimentaria a necessidade de melhoras na infraestrutura que chegariam com as mudanças.
 
– O conceito de cidade moderna implica em um modelo mais condensado, em que as pessoas moram mais perto. Isso gera sustentabilidade e um custeio mais adequado. Se tem 100 pessoas para dividir uma conta, como a coleta de lixo, é melhor do que dez. Mas, com a chegada de mais gente, é preciso melhorar a infraestrutura, e isso é possível resolver com essas outorgas. Precisamos começar a pensar na visualização de ativos que a cidade pode oferecer para arrecadar e ter poder de investimento – considera ainda o secretário.
 
Propostas ainda serão debatidas na Câmara
 
Após a realização de audiências públicas para elaboração do Plano Diretor, bem como suas leis complementares, que incluem código de obras, zoneamento, parcelamento de solo, limites do município e abairramento (divisão de bairros), a discussão segue para a Câmara Municipal. Em seguida, o plano vai para sanção do Executivo. O debate na Câmara, pontua o líder da oposição no legislativo, Rafael Peçanha, é uma oportunidade para que a sociedade participe mais uma vez da construção e validação do documento.
 
– Devemos reconhecer que tem sido feito um bom trabalho de divulgação das reuniões de discussão do Plano Diretor. Houve audiências públicas em diversos locais da cidade. Se as pessoas não participaram, isso é outro problema, é uma problema da história da nossa democracia. Em que pese isso, a gente, enquanto Câmara, tem a prerrogativa de discutir e chamar a população para ser ouvida. Mas aí a Câmara vai discutir novamente, já que os vereadores foram convidados para as audiências públicas? Não tem problema. É nossa prerrogativa constitucional. Temos que abrir a Câmara para ouvir as pessoas. Nesse momento, é complicado. Estamos focados na questão do coronavírus. Essas questões têm que ser discutidas para o desenvolvimento da cidade, mas um desenvolvimento sustentável, sem prejudicar de maneira tão grandiosa a questão cultural e ambiental da cidade – pondera.
 
O arquiteto Sérgio Nogueira também aponta para a necessidade de toda a sociedade participar do processo de decisão.
 
– É preciso que seja apresentado o passo a passo, para que não chegue no final e digam que "agora não dá para mudar mais nada". A sociedade precisa ter acesso a uma proposta global e completa para poder discutir, não apenas os pontos específicos.
 
Ele também alerta para a necessidade de arborização como contrapartida para o aumento do gabarito em São Cristóvão.
 
– Vejo possibilidade [de aumento do gabarito], mas sempre tendo essa preocupação com a permeabilidade do solo e com a arborização. Até quatro ou cinco pavimentos, não vejo problema nenhum. Desde que seja acompanhado dessas preocupações urbanísticas. Subir gabarito, simplesmente, seria um desastre.
 
O  plano diretor vigente foi instituído em 2006. O documento deve ser mudado a cada dez anos, conforme determina o Estatuto das Cidades. Ou seja, em 2016 deveria ter sido revisto, o que não aconteceu. Já as leis complementares que regem o Plano Diretor datam de 1979. As que foram feitas em 2006, pela Fundação Getúlio Vargas, foram engavetadas. O vereador Rafael Peçanha chama de "fake" o Plano Diretor de 2006.
 
– É um projeto que cabe em qualquer cidade do mundo. Não serve para nada. Precisamos de um Plano Diretor novo, concreto e específico, ligado às questões de Cabo Frio.