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DIÁLOGO

Bonifácio: "Se Deus quiser, nos próximos cem dias, estaremos com tudo zerado dos salários atrasados"

Prefeito de Cabo Frio faz balanço da gestão municipal da pandemia, além de projetar ações sociais e pagamento de dívidas com servidores para os próximos meses

17 abril 2021 - 08h00Por Rodrigo Branco

Em qualquer governo, a marca de cem dias de gestão costuma ser badalada como um pequeno inventário de ações iniciais para distinguir a nova administração da anterior. Em 2021, contudo, a agenda imposta pela crise sanitária da Covid-19 praticamente tomou todos os esforços e atenções. Em Cabo Frio, não foi diferente.

Nesta entrevista, o prefeito José Bonifácio fez um raio-X da gestão da pandemia em Cabo Frio e antecipou algumas prováveis ações, como o relaxamento das medidas para os barraqueiros nas praias. O político descartou novamente a adoção de ‘lockdown’ e manifestou aposta na compra das doses da vacina russa Sputnik, junto ao Consórcio do Norte e Noroeste Fluminense.

Em relação às finanças, demonstrou preocupação com a arrecadação própria, disse que vai cobrar os inadimplentes na Dívida Ativa e elegeu o pagamento dos salários atrasados do ano passado com prioridade para os próximos meses. Bonifácio também falou das próximas medidas nas áreas de Assistência Social, de Educação e de infraestrutura urbana. Confira a entrevista:

Folha dos Lagos – Qual o principal avanço e o que deixou a desejar nos 100 primeiros dias de governo?

José Bonifácio – Acho que o principal foi, com toda essa crise, a Prefeitura conseguir pagar nesses três meses o que corresponde ao mês trabalhado. Ao longo desse período, já colocamos perto de R$ 100 milhões circulando na cidade, que é o que corresponde aos salários dos funcionários de janeiro, fevereiro e março. Além disso, começamos a pagar o que o município deve ao servidor do ano passado. Praticamente tudo relacionado ao décimo terceiro salário foi quitado. Falta agora quitar o pagamento de dezembro. Apenas a Educação teve o salário de dezembro quitado. Então, do ano passado, pagamos de R$ 20 milhões a R$ 25 milhões. Se você considerar, injetamos nesse período de esfriamento da economia e restrição das atividades mais de R$ 100 milhões. Esse foi o ganho, mas é nossa obrigação pagar os salários em dia. Quero terminar o meu mandato cumprindo esse compromisso. Você pode perguntar “e o décimo terceiro deste ano?” Não tem mágica, tem uma regra, que voltamos a adotar, que é a cada mês separar um doze avos da folha e o deixo aplicado em uma conta específica do décimo terceiro, para quando chegar em dezembro ter o montante. Essa conta já tem R$ 5 milhões e a folha é de mais ou menos R$ 30 milhões. A maior frustração, não sei se é bem essa palavra, é a questão dos buracos. Poderia já estar com todos os lugares recomposto de asfalto, como a Avenida Wilson Mendes que precisa de uma recomposição completa, mas enquanto eu estiver devendo o funcionário o ano passado, não me sinto confortável de contratar uma usina de asfalto. Vamos licitar, para deixar tudo pronto. Quando o DER dispuser dos insumos a gente processa, mas até lá preciso terminar o pagamento do que o município deve do ano passado.

Folha – Quanto falta pagar dessas dívidas com os funcionários do ano passado? Há algumas projeções de quando isso será pago?

Bonifácio – De funcionário, falta pagar em torno de uns R$ 15 milhões. Essa é a dívida prioritária. Tem outras dívidas, não querendo culpar ninguém. Estou citando porque é importante citar. Tem dívida com a Enel, com a Prolagos, com a rede bancária de empréstimo compulsório que foi descontado, mas não foi pago. Tem Dois Arcos [aterro sanitário] que a gente paga R$ 1 milhão para destinar o lixo da cidade; tem outras empresas que prestam serviços. A própria Dois Arcos já tem a carta precatória deles no Tribunal de Justiça. Mas a prioridade é o funcionário. Eu tenho dito para todos eles [credores] para que não me peçam para fazer pagamentos do ano passado antes de zerar o pagamento do servidor.

Folha – Mas tem algum prazo ou planejamento para zerar essa situação?

Bonifácio – Não tem planejamento porque eu não sei quanto será a arrecadação. Janeiro e fevereiro foram dois meses de pagamento de cota única do IPTU, então historicamente a receita é melhor. A partir de março, ela começa a cair. Agora estamos fazendo a cobrança da Dívida Ativa dos maiores devedores. As pessoas estão reclamando que vai cobrar durante a pandemia. Mas é natural, eu não vou dar anistia. Porque, se eu der anistia, eu vou prejudicar o bom pagador. O que paga em dia vai ver o outro ser beneficiado. É lógico que tem gente que não pagou porque não pôde pagar. Mas tem um contingente que está acostumado a esperar mudança de governo, ter uma anistia e pagar uma merreca em relação ao que deveria ser pago. Então não tem anistia, e a gente vai cobrar a Dívida Ativa e ajuizar essa cobrança. Não estou fazendo nenhuma monstruosidade, não estou cometendo nenhuma irregularidade. Pelo contrário, é obrigação do gestor, na medida em que você não cumpre com suas obrigações. A Receita Federal faz isso, os governos estaduais e prefeituras fazem isso. Em Cabo Frio é que, por causa dos royalties, se relaxou em relação à cobrança da receita própria.

Folha – Você declarou que só decretará ‘lockdown’ em caso de ‘situação extrema’, mas há a chance de apertar as atuais restrições, caso seja necessário, mesmo sem fechar tudo?

Bonifácio – Nós vamos afrouxar um pouquinho. Vou ter uma reunião da Comissão Executiva de Combate à Covid, onde devemos amenizar um pouco as atividades nas praias, permitindo algumas coisas que o decreto anterior não permitia. Estamos avaliando a possibilidade de conceder a autorização para que as barracas, não os ambulantes, tenham, no máximo, cinco jogos de mesas e guarda-sóis. E o fechamento da cidade, só numa medida extrema, em caso de todas as outras medidas não derem resultado.

Folha – O maior problema da cidade na pandemia é a falta de insumos, de médicos ou de leitos?

Bonifácio – Hoje o maior problema é o de vagas de UTI. É claro que a questão dos insumos está complicada. Isso acontece até com a iniciativa privada, que não tem tantas regras para compra. O doutor Hélcio [Azevedo, diretor do Hospital Santa Izabel] esteve aqui e disse sobre a dificuldade de comprar. Que às vezes ele compra e não sabe quando vai receber aquilo que ele pediu. Mas o maior problema mesmo são vagas de UTI. Para salvar vidas, em determinado momento da doença, você tem que estar com o paciente numa UTI. E o que tem acontecido é que você procura em todos os lugares, entra no Sistema Estadual de Regulação, entra no sistema particular. E mesmo quem tem plano de saúde, às vezes, precisa de UTI e não tem.

Folha – O governador esteve aqui há mais de três semanas e anunciou vagas de UTI no Hospital da Unilagos e até agora nada aconteceu. Quais os planos para o aumento de leitos? Sobre a Unilagos, qual a satisfação dada pelo Governo do Estado para essa demora?

Bonifácio – Eu fiz contato por mensagem com a subsecretária [estadual] de Saúde e possivelmente ela não viu. Vou insistir. Inicialmente ficou o zumzumzum não oficial de que a direção do Unilagos não teria aceito os valores que o Governo do Estado propunha, que eram R$ 3 mil por leito de UTI e R$ 600 por leito de enfermaria. A saída que eu soube pelo secretário municipal [Felipe Fernandes] era que o Hospital [Regional] de Araruama iria desativar algumas das atividades de prestação de serviços de Saúde para aumentar o número de vagas de UTI. A outra alternativa seria reativar o Hospital de Barra de São João, mas esse é mais difícil, porque o próprio secretário disse que as condições em que o hospital estava não permitiria acelerar para que isso viesse a funcionar. E aqui tem 20 espaços de leitos de UTI mais 20 de enfermaria, o que daria uma folga aparentemente boa. Mas aí você precisaria das equipes, dos medicamentos e tudo o mais. Não sei como é que o Estado ficou. Estrou mandando uma mensagem para ela [subsecretária estadual de Saúde] para ver como é que fica.

Folha – No caso do Hospital de Tamoios, qual a previsão para reabertura?

Bonifácio – A gente não está só trabalhando com o Hospital de Tamoios, não. Estamos ampliando o número de leitos do Hospital Otime Cardoso dos Santos, no Jardim Esperança. Trouxemos oito respiradores lá de Tamoios e dois ficaram lá no Hospital de Tamoios fechado. Tinha o problema no sistema elétrico, já instalamos o transformador. Está andando a obra. Incialmente, a gente quer botar lá para funcionar também um espaço de apoio para Covid. Quanto ao prazo, não quero ser irresponsável de dizer “vamos abrir daqui a pouco” e entrar gente lá e não dar solução para o que elas precisam. Mas estamos trabalhando intensamente nas tendas. Na tenda do Parque Burle, fizemos uma licitação, reduzimos o gasto mensal para R$ 15 mil. Eram mais de R$ 40 mil por mês. Estamos trabalhando nisso da forma que a gente pode e com os recursos que a gente dispõe.

Folha – E qual será a estrutura do Hospital de Tamoios para atender aos pacientes de Covid?

Bonifácio – Não sei. Em princípio, tudo o que for possível abrir lá de leito será para Covid. Debelada a pandemia, a gente dá o perfil que o distrito precisa.

Folha – Como vê as críticas sobre demora na vacinação e pelo não uso de todas as doses como a primeira dose para pretensamente avançar o trabalho?

Bonifácio – A gente não vai usar a segunda dose como primeira. Porque o cidadão só ficará imunizado se receber a segunda dose e vinte dias depois. Eu recebi a minha não tem uma semana, eu ainda não estou imunizado. Eu já tive Covid, mas teve gente que teve a segunda vez. A gente não pode abrir a retaguarda só porque foi vacinado. Eu vou continuar andando de máscara; usando álcool gel; andando pela cidade sem cumprimentar as pessoas com aperto de mão, só dando ‘cotovelada’ [risos, enquanto faz o gesto de cumprimentar com o cotovelo]. Não vamos usar a segunda dose, porque nessa semana mesmo ficou faltando insumos para o Butantan e a Fiocruz. E se usamos a segunda dose e há uma falha no sistema de entrega? A pessoa perde tudo. Vamos continuar reservando a segunda dose.

Folha – Então você espera a vacinação em massa apenas a partir do sucesso das tratativas com o Consórcio de Municípios do Norte e Noroeste Fluminense?

Bonifácio – Nós já temos reservado. A Câmara aprovou R$ 5 milhões e fez uma emenda ampliando para mais R$ 2,5 milhões. Então tem R$ 7,5 milhões para dotação, mas, nesse primeiro momento, o recurso está destinado para essas 100 mil doses. Estamos aí, em negociação. Quem irá comprar, cumprindo todas as normas burocráticas internacionais porque a vacina vem da Rússia [Sputnik V], é o Consórcio do Norte e do Noroeste Fluminense. Cabo Frio e os outros municípios da região estão mandando mensagens para suas Câmaras para que autorizem a fazer parte do consórcio exclusivamente para compra das vacinas. Terminada a pandemia, os municípios não farão mais parte do consórcio. Queremos agradecer à prefeita Fátima [Pacheco], de Quissamã, que é a presidente do consórcio que abriu, de forma solidária, a possibilidade de nós aderirmos.

Folha – Além da crise sanitária e de Saúde pública, a pandemia aumentou o flagelo social. O que a Prefeitura está fazendo ou pretende fazer para amenizar a situação de pobreza?

Bonifácio – Há cada vez mais gente nas ruas, vinda de outras cidades, na esperança de que Cabo Frio ainda pudesse ser o paraíso. São seres humanos, a gente não tem condição de abrigar todos. Não tem condições de remover para algum lugar de forma compulsória. Temos uma legislação em que é preciso respeitar a vontade do cidadão. Tenho recebido muita reclamação de pessoas que ficam indignadas, mas não porque a pessoa fica ao relento não. É indignado porque está vendo um ‘quadro feio’, vamos chamar assim. O sentimento das pessoas não é de solidariedade; é de dizer “escuta aqui, bota isso para debaixo do tapete”. Isso a gente não vai fazer. Precisamos ter uma solução humana, solidária e adequada.

Folha – Ainda na Educação, há alguma previsão de volta às aulas presenciais ou isso está fora de cogitação?

Bonifácio – Não tem previsão ainda. Tudo vai depender do arrefecimento desta pandemia. Mas nós estamos trabalhando para, pelo menos, ter as aulas à distância, de forma remota. Muitos alunos não têm internet. Estamos estudando essa possibilidade de esses alunos se deslocarem para a escola, porque aí seria em número menor e, na escola, ele faria o aprendizado.

Folha – Qual o posicionamento do senhor em relação aos últimos acontecimentos referentes à greve da Educação? Houve pesadas críticas pelo desconto dos salários de quem aderiu...

Bonifácio – O que tem que ficar claro é o seguinte: teve períodos em que a secretaria de Educação parou quatro meses por conta de greve e, durante quatro meses, as crianças ficaram sem estudar. Eles querem fazer greve. Têm todo o direito, mas vão ter o salário descontado. Não posso deixar as minhas crianças um mês, dois meses, sem aula. Nem pensar. Se não for presencial, que seja de forma remota. Vai trabalhar de casa. Fica em casa dando a sua aula, da maneira que a Secretaria de Educação encontrar a saída para que o conhecimento e o saber cheguem a todas as crianças matriculadas na rede municipal. Eles bateram, bateram, bateram, me chamando de ‘Zé caloteiro’, que eu não estava pagando o salário do ano passado. Desse ano, estava tudo em dia. E hoje não devemos mais nada, porque o pessoal da Educação, o município tem uma vantagem. Eu posso usar 70% dos recursos do Fundeb para pagar o pessoal da Educação e apenas 30% de recursos próprios. Então isso facilita demais. Hoje não devemos mais salários aos funcionários da Educação, às outras secretarias sim. Mas vamos quitar. Se Deus quiser, nos próximos cem dias, estaremos com tudo zerado no que diz respeito a salários atrasados.