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Arraial do Cabo: ​A dor e a revolta que vêm dos escombros

Moradores de área construída irregularmente reclamam que não foram avisados de operação

03 julho 2019 - 08h58
Arraial do Cabo: ​A dor e a revolta que vêm dos escombros

RODRIGO CABRAL

A casa em destroços, com  os pertences perdidos ao chão, fez cair também as lágrimas de quem a ergueu, a cozinheira Camila de Sá Lima, 28.

– Construí minha casa com muito suor. Cada tijolo ali tinha uma queimadura minha do trabalho. Não deixaram sequer eu tirar o leite do meu filho.

Mesmo destino tiveram os responsáveis por outras construções em área de preservação ambiental no Parque das Garças, em Figueira, distrito de Arraial do Cabo, dentro do Parque Estadual da Costa do Sol. Eles reclamam que não foram avisados da operação do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), que derrubou as casas na tarde de segunda-feira, e alegam que houve truculência. No momento da ação, parte dos moradores estava em audiência no Fórum de Arraial com a juíza Juliana Gonçalves Figueira Pontes. 

– Recebemos as fotos da demolição de outros vizinhos e saímos correndo, desesperados – diz Camila.

Segundo os moradores, a juíza ofereceu-lhes o seguinte acordo: quem se dispusesse a sair pacificamente da invasão teria dez dias para informar isto ao juízo e, em seguida, mais 60 dias de prazo até que a demolição fosse feita. Nada feito para quem já teve a casa destruída, portanto. 

– Perdi fogão, geladeira, compras do mercado, duas televisões, minhas roupas... Tinha acabado de fazer as compras do mês. Perdi meu chão. Não tinham por que fazer isso. Não avisaram nada. Eles tinham que ter me dado o direito de retirar minhas coisas – desabafou Camila de Sá, aos prantos, dizendo que amigos vão ajudá-la ao tentar recuperar algumas roupas em meio aos escombros.

Camila, que morava no local com o filho de um ano e dois meses, vai passar os próximos dias na casa de uma amiga. 

– Sou trabalhadora. E ainda falaram que ali é reduto de traficante de drogas. Não é verdade. São famílias. Estão denegrindo minha imagem.

Ela relata que o sobrinho, de 14 anos, entrou na casa no momento em que os agentes chegaram.

– Ele me falou: “tia, entrei e deitei”. E os caras encapuzados disseram: “ou tu sai ou vamos demolir contigo”. 

A técnica em nutrição Lidiane Vieira, 35, que morava na invasão com o filho de 15 anos, também perdeu tudo. 

– Acabou meu sonho. Foram dias que passei embaixo de sol para construir a casa, com a ajuda de amigos. Perdi geladeira. O fogão amassou. Não deram a oportunidade pra gente tirar. Deixaram tudo lá revirado. Deixaram tudo destruído: comida e roupa para todo lado – conta ela, que veio de Duque de Caxias e, desempregada, trabalha fazendo bicos com venda de frango assado.

– Vim para morar de aluguel. Mas fiquei desempregada e não tive mais como pagar – conta.

Protesto bloqueia trânsito na RJ-102

Ontem, moradores fizeram protesto em trecho da rodovia RJ-102, que une o Centro de Arraial e os distritos da cidade. Indignados com o que classificaram de ação truculenta, eles atearam fogo a pneus, madeiras e restos de sofás e outros móveis, interditando a pista nos dois sentidos. O trânsito ficou congestionado. O Corpo de Bombeiros foi chamado, e conseguiu debelar as chamas. Apenas depois disso, as vias foram desobstruídas e o trânsito, finalmente, liberado.

No dia 18 do mês passado, um grupo de moradores do distrito de Monte Alto, também em Arraial, fechou as pistas da mesma rodovia, em protesto pelo corte de ligações clandestinas de energia por parte da Enel Distribuidora. Naquela ocasião, também foram feitas barricadas em chamas que deixaram as pistas bloqueadas por cerca de uma hora. O incêndio foi contido pelos Bombeiros e as vias liberadas pela polícia.

Operação ‘Gafanhotos na Restinga’

Nomeada ‘Gafanhotos na Restinga’, a operação do Inea foi realizada com o apoio da chamada Força Tarefa Verde, composta pelo Grupo de Ações Táticas (GAT) do 25º BPM, pela 8ª Unidade de Polícia Ambiental (Upam), pelo Grupo de Operações do Parque Costa do Sol, por agentes do Programa Olho Verde e pela Superintendência de Combate aos Crimes Ambientais (Sicca). 

O chefe do Parque, Marcelo Morel, afirmou que a invasão no local começou no último dia 26, com o apoio de traficantes de drogas. Ainda segundo ele, desde então, 12 pessoas já foram presas por tráfico ou crimes ambientais, entre eles, desmatamento e queimadas.

Na ação, 12 casas, além de colunas e alicerces foram destruídos, algumas delas com antena de TV e horta plantada para caracterizar moradia. 
Outros 40 lotes próximos à praia e na direção de Monte Alto foram desfeitos. Ligações elétricas e a rede hidráulica foram destruídas, assim como grande quantidade de material de construção quem seria usado para novas construções.