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UM LEGADO VIVO

Aplausos, lembranças e lágrimas no velório de José Bonifácio: as homenagens ao Prefeito de Cabo Frio

Zé foi velado no Palácio das Águias, na Rua Érico Coelho, a poucos metros da antiga casa onde nasceu

17 julho 2023 - 14h20Por Rodrigo Cabral

A Rua Érico Coelho, uma das mais antigas de Cabo Frio, tornou-se um rio de homenagens a José Bonifácio Ferreira Novellino nesta manhã de segunda-feira (17). Zé foi velado no Palácio das Águias, construção histórica transformada em centro cultural e entregue à população durante seu governo, e poucos metros ao lado da antiga casa onde nasceu. O corpo chegou às 11h10. Foi recepcionado com dois minutos de aplausos, precedidos e seguidos de lágrimas e palavras emocionadas em homenagem ao prefeito de Cabo Frio por três mandatos (1977 a 1983, 1993 a 1996 e 2021 a 2023).  Na condução da urna, o vereador Davi Souza; o secretário de Mobilidade Urbana, Jefferson Buitrago; o presidente da Câmara, Miguel Alencar; o secretário de Saúde, Janio Mendes; e o chefe de Gabinete, Mirinho Braga.

Em cima do caixão, a bandeira de Cabo Frio e a do Partido Democrático Trabalhista, o inseparável chapéu panamá e uma rosa (símbolo do PDT). A psicóloga Ana Valladão, esposa de Zé, recebeu os cumprimentos de amigos, parentes, políticos e admiradores do prefeito, que formaram fila do lado de fora do Palácio das Águias. Foi um momento, também, para exaltar os feitos de Zé. O prefeito Alair Corrêa, em entrevista à Folha, lembrou que ele e Zé entraram para a política em 1972, quando se elegeram vereadores. Anos depois, disputaram pela primeira vez a Prefeitura.

— Em 1976, eu estava com a eleição ganha praticamente, contra o Joel Rocha, que era o grande líder na ocasião. Era o jovem Alair contra o idoso Joel. Mas Joel então foi obrigado a sair, e entra Bonifácio. Aí perdi meu discurso de jovem. Perdi a eleição por 400 votos naquela ocasião. Eu e Bonifácio sempre brigamos ideologicamente, filosoficamente, mas o objetivo era um só: Cabo Frio.

Quem lembra bem daquela eleição de 1976 é Milton Lima, 89 anos, que fez questão de dar o adeus ao antigo amigo. Ele conta que Zé fez sua campanha de maneira improvisada e, muitas vezes, discursava em cima de caixotes.

— No meu comércio, só tinha foto dele. E então ele foi fazer um comício lá na frente. Discursou em cima desses caixotes. Ele não tinha condição nenhuma de ganhar, mas a campanha começou a crescer. Depois, passamos a ser amigos. Quando fiz 70 anos, ele esteve presente no meu aniversário em um sítio em São Pedro da Aldeia — diz ele, que é pai da atriz, escritora e produtora cultural Silvana Lima.

Milton conta que conheceu Zé bem antes. Na época, tinha 20 anos; e Zé, ainda um menino de dez.

— Ele já falava com todo mundo na época. O pai dele tinha um bar aqui na esquina. A mãe dele, Dona Olivia, sempre ia comprar anil (produto utilizado para lavar roupa) no meu comércio— conta.

Entre os mais jovens, o vereador Davi Souza emocionou-se ao falar sobre o legado deixado por Zé.

—  A gente sente que um pedaço da gente está indo embora. Ao mesmo tempo, sei que Zé deixou um legado para a cidade de Cabo Frio. Deixou um legado para a minha geração. É possível fazer política com honestidade, com ética, com amor a Cabo Frio. A gente acha que está preparado, mas não está preparado. Sempre foi um amigo da nossa família. Aprendi muito nesse tempo que trabalhamos juntos. Me sinto na obrigação de não deixar o legado dele morrer. Estou com o coração apertado, partido, mas sinto que temos que estar unidos. Tenho certeza que a população de Cabo Frio sabe quem foi e quem é José Bonifácio.

O historiador e analística político Luiz Antônio da Guia, o Totonho, recorreu à poesia de Manoel de Barros para falar sobre Bonifácio. 

— Dentro da obra de Manoel de Barros, há uma poesia  sobre "o menino que carregava água na peneira". Acho que José Bonifácio foi isso —  disse, pausando por alguns segundos, sem conseguir conter as lágrimas, completando em seguida: —  Bonifácio foi, durante a vida toda, o menino que carregou água na peneira. 

 

O menino que carregava água na peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.
Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!