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INDIGNAÇÃO E BOLSO VAZIO

A dor de quem trabalha sem receber

Servidores de Cabo Frio voltam a passar dificuldades e até precisar de doações com atrasos de salário

23 janeiro 2020 - 21h11Por Rodrigo Branco e Tomás Baggio

“É uma dor tão profunda, uma tristeza tão grande, que eu não consigo nem falar”. Foi com palavras interrompidas pelo choro que a servidora pública Ana Cristina dos Santos conversou nesta quarta-feira (22) com a reportagem da Folha.

Inspetora de alunos na rede pública de ensino de Cabo Frio, ela sofre com as dívidas provocadas por seguidos atrasos nos salários do funcionalismo. Um desespero que ela não imaginava passar novamente, depois de tudo o que viveu em 2015.

– Em 2015 eu fui despejada de onde eu morava e tive que me mudar (por causa dos atrasos de salário). Minha vida virou de cabeça para baixo. Tive que vender várias coisas, foi horrível. Agora é isso tudo de novo. Neste mês, o dinheiro que eu recebi foi todo para pagar o cheque especial. Paguei o aluguel com o especial e as outras contas estão todas em atraso – lamenta ela.

A situação é tão crítica que, para ter alimentos em casa, ela vem recorrendo às doações que estão sendo recolhidas pelo Sindicato dos Profissionais da Educação (Sepe). Ontem, por exemplo, a equipe do Sepe estava recolhendo alimentos no Mercado Tropical, em São Cristóvão, pedindo aos consumidores que deixassem alguma doação na saída. Depois o Sindicato reúne os alimentos doados, monta as cestas básicas e oferece aos servidores com salários atrasados

Ana Cristina conta sua história. Em 2015, morava no Jardim Caiçara, pagava um aluguel de R$ 1 mil e, além do trabalho como inspetora de alunos, fazia renda extra vendendo pizza. Com o atraso de salários na época, vendeu os equipamentos usados para fazer e armazenar as pizzas. Ficou sem renda extra e acabou sendo despejada. Mudou-se para o Porto do Carro, onde paga um aluguel de R$ 650. Com salário de R$ 1.300, e sem saber, mês após mês, quando vai receber, afundou-se novamente em dívidas desde os últimos meses do ano passado.

– Água, luz, cartão, está tudo atrasado. Estou doente e não tenho dinheiro para comprar os medicamentos. Meu filho de 15 anos teve que trabalhar neste verão durante a madrugada carregando gelo e ganhando R$ 30 por noite para poder ajudar. Um garoto de 15 anos ganhando R$ 30 para trabalhar de madrugada... nem sei explicar a depressão que estou sentindo – continua ela, que é concursada da Prefeitura de Cabo Frio há dez anos (entrou no concurso de 2009).

Por meio de nota, a Prefeitura de Cabo Frio disse que “os contratados da Saúde e da Educação, que receberam o 13º salário, terão o pagamento de dezembro depositado até o início da próxima semana. A Prefeitura esclarece ainda que o décimo terceiro salário dos servidores municipais da Saúde e Comsercaf (estatutários, contratados e comissionados), contratados da Educação, Guarda Civil Municipal e Conselho Tutelar já foram pagos”.

A Prefeitura foi questionada sobre o motivo dos atrasos e sobre a situação dos servidores que estão em dificuldades financeiras por causa dos atrasos de pagamento, mas, sobre estas perguntas, não houve resposta.

Em publicação feita nas redes sociais, o Sepe Lagos disse que “os trabalhadores das escolas municipais precisam do seu apoio, pois a prefeitura continua descumprindo a lei mantendo milhares de servidores sem receber seus salários e direitos”. 

Em meio à nova crise, quem tem alguma alternativa está buscando por ela. É o caso da professora de matemática Sonia Maria Pereira da Silva. Ela foi contratada pela Prefeitura no ano passado, com salário bruto de R$ 3 mil (líquido cerca de R$ 2.600), sem vale transporte ou nenhum outro benefício.

Ela aguarda para saber se irá continuar na rede municipal de ensino neste ano, já que o contrato venceu em dezembro, mas, ao mesmo tempo, está tentando vaga em outras cidades.

– Eu estava em duas escolas no Segundo Distrito, com um contrato de 40 horas semanais. Tinha um gasto alto com transporte, e os contratados não recebem vale transporte. Quando começaram os atrasos, descontrolou tudo. Contas atrasadas, pedidos de empréstimo, um estresse e uma insegurança horríveis. Você nunca sabe quando vai receber – declara ela.

A melhor opção, no momento, seria reduzir a carga horária e buscar espaço em outros lugares.

– Estou fazendo outros processos seletivos e, confesso, se passar em algum deles, seria melhor do que ficar em Cabo Frio. Fiquei dez meses na Prefeitura de Cabo Frio e, em todos eles, houve greve por causa de atraso no salário. Esta situação é insustentável – completa Sonia.

A carestia provocada pela falta de salário ultrapassa os limites de Cabo Frio e atinge servidores que moram em municípios vizinhos, como o inspetor de alunos da Escola Waldemira Thereza de Jesus, no Jardim Excelsior, Renato Francisco Santos Venceslau. Ele vive em Araruama com a companheira e faz contas para conseguir sobreviver, o que só é possível, segundo ele, por causa de um estoque de alimentos que faz em casa, prática que adquiriu ainda nos tempos de atrasos do governo Alair Corrêa, em 2016.

O Natal e as férias do casal não foram as esperadas por causa da falta de dinheiro. O servidor relata que mal sai de casa para não ter que gastar. Para pagar as contas, principalmente as que vencem no começo do ano, o jeito é pedir dinheiro emprestado. Por conta disso, cortes em itens essenciais do orçamento não estão descartados.

– As contas não param de vencer e eu provavelmente vou ter que cancelar o plano de saúde. Quando eu entrei por concurso público, o pagamento caía no dia 25 de cada mês. Hoje cai no dia 15 do mês seguinte. Eu que havia mudado o vencimento do plano para o dia 10, ainda pago com atraso. Só a multa do plano é de R$ 60. Quem é vai pagar, a prefeitura vai me reembolsar?  Se deixar de pagar dois meses, o nome vai para o SPC e o Serasa? Como é que fica com essa Saúde pública que está precária? – indaga.