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A atleta que lutou por respeito

Joyce Vieira ficou conhecida após brigar com homem que estava se masturbando em público

23 abril 2019 - 10h22
A atleta que lutou por respeito

TOMÁS BAGGIO
Foto: Alva Fotografias

Há cinco anos se preparando para o combate, a lutadora de MMA Joyce Vieira não podia imaginar que a primeira vez que ficaria conhecida pelo talento com as artes marciais seria em uma circunstância que estava totalmente fora dos seus planos. Há quase duas semanas, ela, que também é modelo, fazia um ensaio fotográfico na Praia das Dunas, altura do Braga, em Cabo Frio, quando viu uma cena repugnante: um homem se masturbando em público, mesmo com várias pessoas passando pelo local. Foi chamar a atenção dele e acabaram brigando. Em poucas horas, as fotos da “surra” dela no assediador estavam viralizando na internet.

Joyce se sentiu ultrajada com a situação e o sangue esquentou. Ela conta que foi tudo muito rápido, e que se segurou por ser uma atleta.

– A gente estava indo embora depois de fazer as fotos e se deparou com aquele homem gemendo. Ele estava com a bermuda abaixada e se masturbando como se estivesse em casa. Fui falar com ele porque aquilo era um absurdo e ele disse que não ia parar. Começamos a brigar e eu acertei uns dois ou três socos. Dei umas caneladas também e minha canela até ficou roxa. Foi quando um menino entrou na frente. Eu só parei porque sei que, como atleta, não posso brigar na rua. Parei por medo de um processo ou alguma coisa que pudesse atrapalhar minha vida na luta. Se fosse por ele eu não ia querer parar – contou.

Atualmente com 27 anos, Joyce trabalhava como cabeleireira e corretora imobiliária, e também praticava fisiculturismo, quando, cinco anos atrás, decidiu tentar viver o sonho de ser uma lutadora profissional. Desde então passou a vender roupas e atuar como segurança em eventos. A maior parte da rotina é dedicada à especialização nas artes marciais. Atualmente ela é faixa azul de jiu jitsu, faixa azul escura de muay thai e pratica boxe inglês em nível amador. Além disso, como todo atleta que busca ascensão no esporte, corre atrás de patrocínio.

– Decidi parar tudo e treinar para esse sonho que é viver da luta. Eu ia estrear no ano passado mas não consegui os patrocínios que precisava. Estou trabalhando muito para estrear este ano. Meu foco é lutar em grandes eventos e chegar ao UFC – conta a atleta, que atualmente treina artes marciais no CTLA, em São Pedro da Aldeia, e mantém a forma na academia Praia Center, em Cabo Frio.

Decepção por assediador não ter ficado preso

No dia em que passou pela situação lamentável de ter que assistir a um ato obsceno, Joyce foi orientada a seguir diretamente para a Delegacia, a fim de registrar um Boletim de Ocorrência.

– Quando a briga acabou e o homem foi embora, uma mulher veio com a filha falar com a gente que elas tinham passado pela mesma situação. Nós até íamos continuar o ensaio fotográfico e fazer a denúncia depois, mas conversei com algumas amigas do Batalhão (da PM) que treinam comigo e elas me orientaram a ir imediatamente para a delegacia. Fiquei na delegacia até a noite e a bateria do meu celular acabou. Só quando cheguei em casa e coloquei para carregar, lá para umas 23h que eu vi que a postagem feita pela minha amiga estava circulando na internet e estava todo mundo comentando – disse Joyce.

Para ela, a pior sensação em toda essa história foi saber que o assediador chegou a ser localizado pela polícia, mas não ficou preso.

– Pra mim não valeu de nada fazer a denúncia porque ele não ficou preso. Isso queima a cara. Se ele não se lembrava do meu rosto, agora com certeza vai se lembrar. E como não ficou preso pode querer vir atrás. Isso é a Justiça falha que a gente tem no Brasil. Aí depois que a pessoa morre ficam vendo o que vai ser feito. Depois que morreu, acabou, né. Tem que fazer agora - cobra a atleta.

“Também me sindo muito decepcionada”, diz delegada

Procurada pela Folha, a titular da Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de Cabo Frio, delegada Juliana Rattes, disse que, assim como Joyce, também se sente decepcionada pelo fato de a legislação não prever prisão para um caso como esse. Ela explica que, pela lei, não seria possível pedir a prisão preventiva do infrator neste caso.

– Eu também me sinto muito decepcionada. Gostaria que a lei fosse outra. Mas sou limitada pela lei. Gostaria de tomar uma atitude mais enérgica em casos como esse, como mulher, como mãe de menina e como profissional. Mas eu devo aplicar o que diz a lei. Ainda que ele fosse conduzido em situação de flagrante, seria liberado, porque a lei prevê, para esse tipo de crime de ato obsceno, a pena máxima de um ano de prisão. E a lei diz que, em crimes com pena máxima de até dois anos, o auto de prisão em flagrante é substituído por um termo circunstanciado. Então ninguém fica preso nesses casos. É liberado e vai para uma audiência com o juiz. E a prisão preventiva eu só posso pedir quando a pena máxima para o crime é de, pelo menos, quatro anos de prisão. O que pode ser feito é que a população lute para que a lei seja alterada, aumentando a pena para este crime – afirma a delegada.

Ela explica que, se o caso fosse direcionado especificamente à lutadora ou qualquer outra pessoa, poderia ser classificado como importunação sexual. Desta forma poderia caber um pedido de prisão.

– Em alguns casos pode, sim, caber o pedido de prisão. Isso ocorre quando a ofensa é dirigida a uma pessoa específica. Desta forma seria classificado como importunação sexual. Mas, este caso ocorrido em Cabo Frio, com o homem praticando o delito em local público, com as pessoas passando e vendo, é qualificado como ato obsceno, que tem a pena menor – pontou Rattes.

Mesmo assim, para a delegada, deixar de fazer a denúncia nunca é a melhor opção. Segundo ela, em casos como esse, de grande repercussão, o criminoso fica em alerta. Além disso, o delito passará a constar em sua ficha criminal.

– Entendo indignação dela, de outras mulheres e de homens que se sensibilizam com a causa da mulher. Se acontecesse comigo ou familiares, meus parentes ficariam indignados. A resposta (da lei) é pequena e desproporcional ao crime. Deveria ter uma pena mais grave. Acaba, de dato, desestimulando (a denúncia). Mas o que eu posso dizer é que é melhor que ele seja autuado dessa forma, tenha que ir a uma audiência, tenha esse transtorno de ser condenado, do que deixar pra lá. Para quem não é um bandido acostumado a ser punido, que não pensa que isso não é nada demais, para quem nunca foi fichado, isso já é algo muito ruim. Fora que ele ficou estigmatizado em todos os jornais. Ficou visado demais – conclui a delegada.