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PROEZA OCEÂNICA

De Cabo a Cabo: Folha traz bastidores da viagem de remador sul-africano que cruzou o Atlântico

Recordista mundial na travessia com um barco a remo, Zirk Botha se despede do Brasil neste sábado (6)

06 março 2021 - 10h51Por Rodrigo Branco

Visivelmente cansado, mas sorridente, o remador sul-africano Zirk Botha ergueu uma taça cheia de cerveja  e, para a festa dos fotógrafos e das pessoas que o aguardavam em terra firme, disse ‘cheers’, ou ‘saúde’ em tradução literal. O gesto soou simbólico após o feito que o ex-oficial da Marinha de 59 anos acabara de conquistar, mas que ainda parecia não ter a noção exata do seu significado. Ao atracar na marina da subsede de Cabo Frio do Iate Clube do Rio de Janeiro, Botha completou um percurso de mais de 7,2 mil quilômetros [o que equivale a 4 mil milhas náuticas], desde a Cidade do Cabo (AFS), ao sul do continente africano, de onde zarpou em 19 de dezembro do ano passado, até o litoral brasileiro.

A rota foi completada em 71 dias, o que agora lhe vale a condição de recordista mundial para este percurso de travessia do Oceno Atlântico em um barco a remo. O recorde anterior, que estava de posse de dois compatriotas, Braam Malherbe e Wayne Robertson, era de 92 dias. Para ter ideia da proeza de Botha, pela primeira vez na história um remador fez o percurso sem o auxílio de qualquer embarcação de apoio. Isso significa que foram quase dois meses e meio em completo isolamento, dentro de uma pequena e compacta estrutura de 6,5 metros de comprimento e 1,62 metro de boca, onde durante praticamente todo o tempo encarou tormentas e condições climáticas severas.

Depois de todo o perrengue enfrentado, a recepção dos cabo-frienses emocionou Botha que fez questão de empunhar as bandeiras da sua África do Sul natal e também a do Brasil. Apoteótica, a chegada foi acompanhada por embarcações locais, incluindo várias canoas havaianas. A travessia pelo canal, passando pela Ilha dos Papagaios, encantou o estrangeiro, acostumado aos mares do mundo inteiro, mas que fez questão de elogiar as belezas naturais da região. Simpático, o remador sorriu e confirmou quando a reportagem da Folha lhe perguntou se já se considerava cidadão cabo-friense.

– Sim [risos]. Comecei a chorar  [quando chegou a Cabo Frio]. Não esperava tantas pessoas para me receber. Minha família e meu agente não puderam vir por causa da quarentena. Estava me sentindo triste pela expectativa de não ter ninguém para me receber. Mas veio um monte de gente. Foi muito especial  – agradeceu Botha, que passou o período de Natal e Réveillon às voltas com uma tempestade, ondas de quatro a cinco metros de altura e ventos de 34 nós [equivalente a 62 km/h] .

REFRESCO – Remador foi recepcionado no píer do Iate Clube com calor humano, presentes e uma taça de cerveja. "Cheers" [saúde, em tradução literal], brindou. Foto: Rodrigo Branco

–  Alguns dias foram bem difíceis. Mas eu sabia a razão pela qual eu queria fazer isso. Quando eu me sentia cansado, mentalmente e fisicamente, eu lembrava da minha motivação. E usava isso para me sentir melhor – afirmou.

Se não teve o apoio de uma equipe ao lado durante o desafio, o remador contou com a torcida à distância de muita gente, uma vez que o trajeto transatlântico pôde ser acompanhado em tempo real pela internet. Aliás, a viagem patrocinada por uma empresa alemã especializada no uso de energias renováveis teve a marca da tecnologia. Painéis solares foram instalados na embarcação batizada como ‘Ratel’, para a carga de duas baterias de 12 V conectadas em paralelo.

A água do mar era tornada potável por meio de um processo de dessalinização, que produzia até 16 litros de água doce por hora. O barco também era equipado com três bombas de esgoto elétricas e uma bomba de esgoto manual em caso de enchentes. Para comunicação, Botha se usava um rádio de altíssima freqüência equipado com um sistema de posicionamento global, que servia tanto para ser avisado com antecedência de possíveis riscos, como também entrar em contato com navios que estivessem na mesma rota. O remador ainda tinha um telefone via satélite, que podia ser carregado em uma tomada ou porta USB. 

– O mais importante sobre desenvolvimento sustentável, para mim, é sobre ser responsável. Ser responsável é fazer a coisa certa – disse, sobre a mensagem de sustentabilidade ambiental que desejava passar durante sua aventura. 

Não à toa, Botha devorou o hambúrguer com fritas oferecido pelo restaurante do Iate Clube após atender à imprensa, às autoridades e ao público presente à  sua chegada. Pudera, a dieta do ex-militar era composta basicamente de alimentos conservados à vácuo, como legumes e frango especialmente acondicionados e preparados com a ajuda de um sistema bolado por Botha que se assemelha a um fogareiro. O remador dividia o tempo entre a navegação em si, a manutenção do casco e do restante da embarcação, além do próprio descanso. O sul-africano admite que o desgaste físico e mental complicou a sua tarefa.

– Apesar de ter tido condições climáticas quase perfeitas para facilitar uma travessia recorde, foi intenso, com apenas dois dias calmos em toda a travessia. A natureza implacável do clima tem sido física e mentalmente desgastante. Não estava preparado para esse tipo de desafio  – declarou.

Depois de cinco dias no Brasil, onde ficou a maior do tempo em Búzios e teve que se submeter a procedimentos burocráticos, Zirk Botha arruma as malas para deixar o país neste sábado (6), levando na bagagem não apenas um recorde mundial, mas a admiração de muitos cabo-frienses e buzianos que o acompanharam durante o desafio. O embarque para casa será em São Paulo, onde passará por exame de Covid-19. Para transportar o barco, o remador ainda busca um ‘sponsor’ [espécie de patrocinador] para pagar um contêiner, onde o agora histórico ‘Ratel’ será transportado de volta para África do Sul’. 

Recepção de um recordista e mimos recebidos

O comodoro do Iate Clube do Rio de Janeiro em Cabo Frio, Jomar Pereira, tinha motivos de sobra para comemorar o feito de Botha, afinal pela segunda vez o píer do clube sediou a chegada de recordistas mundiais de travessia oceânica, no caso, os também sul-africanos Malherbe e Robertson, em 2017. 

Jomar fez questão de enaltecer a conquista do remador africano e disse que o evento já está se tornando tradição no clube.

SIMPATIA – Apesar de visivelmente cansado, remador estava bem humorado depois de completar a façanha. Foto: Divulgação

– Completar esse trajeto pelo Oceano Atlêntico em 71 dias é espetacular por causa do planejamento que tem que ser feito, todo um processo de alimentação e segurança. O projeto em si é um trabalho de engenharia extraordinário. Chegar no dia programado enfrentando todos os riscos é um fato histórico. Fico superfeliz de poder acolhê-lo – comentou.

Representantes da Prefeitura também esperavam o remador sul-africano, inclusive o secretário de Turismo e Esporte, Flavio Rosa, que entregou a ele presentes alusivos à cidade.

– A importância de um evento desse é extraordinária. Um cara que vem da África do Sul, aposta num objetivo de vida, faz esporte, faz história, e coloca nossa cidade na história e no Turismo náutico internacional. Isso é muito importante para a cidade – celebrou Tiziu, como o secretário também é conhecido.