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Refinaria: espetáculo será apresentado no Usin4 Casa das Artes nos dias 20 e 21 de dezembro

10 dezembro 2025 - 14h36Por Redação
Refinaria: espetáculo será apresentado no Usin4 Casa das Artes nos dias 20 e 21 de dezembro

Adaptação do livro de Rodrigo Cabral, finalista do Prêmio Jabuti 2025, Refinaria põe memórias hipersalinas em cena num espetáculo multiartístico. No palco, o ator Guilherme Guaral passeia entre a música do compositor Junior Carriço e as projeções de vídeo de Dougles Lopes. A direção é de Rodrigo Sena. As próximas apresentações serão nos dias 20 e 21 de dezembro, às 20h, na Usin4 Casa das Artes (Rua Geraldo de Abreu, 04, Cabo Frio). Reservas pelo WhatsApp: (22) 98151-5565 — Tatiana Cabral.

A obra é uma travessia poética pela paisagem da Região dos Lagos e o que permanece quando o tempo altera, move e reorganiza os lugares. Salinas que viram bairro, ruas que mudam mas conservam uma figueira centenária, memórias de infância que resistem à urbanização, ao vento e à construção de uma nova cidade.

— Falei: ‘Rodrigo, vamos fazer uma adaptação teatral?’. Encontrei um monte de possibilidades teatrais e uma vontade de voltar a fazer teatro — conta Guilherme Guaral, que já participou de filmes e séries como Tropa de Elite (2007), Vidas Partidas (2015) e Sob Pressão (2017).

A ideia do espetáculo não é reunir os poemas e recitá-los. É criar uma narrativa nova, capaz de deslocar a poesia para o palco. Como amarrar essa história? “Esse talvez tenha sido o maior desafio”, diz o ator, que, junto com Rodrigo Sena, diretor da montagem, debruçou-se sobre como construir um personagem, um percurso e uma dramaturgia que harmonizassem com o livro, sem se prender a ele.

Depois de discussões, testes e tentativas, encontraram o fio condutor: um escritor que não volta à cidade há mais de vinte anos e que recebe um convite para uma homenagem. Ele quer voltar, mas não quer. Ama o lugar, mas teme reencontrá-lo. A viagem se torna um retorno aos próprios vestígios — infância, adolescência, juventude.

Dessa forma, é oferecido ao público uma verdadeira experiência sensorial e poética. “Eu resumiria Refinaria como um misto de afetos. É sensacional!”, conta a memorialista e escritora Meri Damaceno.  “É uma poesia que está entrelaçada com a paisagem da Região dos Lagos. Quando você assiste a peça, está o tempo inteiro no vento sudoeste, no vento nordeste, na bruma do sal”, diz o arquiteto Ivo Barreto, especialista em patrimônio histórico.

Parte da força do livro está em espelhar como o local onde nascemos, crescemos ou vivemos é importante para nossa formação, ainda que inconscientemente. O espetáculo reverbera o sentimento coletivo de quem ao mesmo tempo reconhece na cidade um território de memória e de mudança.

Há mais de 20 anos atuando no teatro, Sena diz que o primeiro passo foi mergulhar nos poemas de Cabral. Delas foram surgindo o conceito, a estética, o ritmo e a estrutura da encenação. Segundo ele, o audiovisual ocupa papel essencial, mas não como ilustração.

— Não queríamos um vídeo demonstrativo. Queríamos uma construção que se conectasse com a cena, que fizesse uma simbiose.

O fotógrafo e videomaker Douglas Lopes passou a integrar o processo já nos ensaios, observando o ator, a direção, o ritmo e o espaço para criar projeções que captassem “sutilezas do patrimônio histórico e ambiental de Cabo Frio”, como descreve a própria sinopse. Antes, Douglas filmou o clipe de um poema do livro, “Moleques do peito solar”.

— Esse clipe viralizou no Instagram, passando de 100 mil visualizações, e, desde então, o Rodrigo alimentava a ideia de montar um espetáculo com projeções. Topei na hora porque amei o livro, cuja atmosfera é muito o que faço no meu trabalho de audiovisual.

Sena diz que o processo foi longo antes de chegar ao palco. Houve um tempo de maturação até que os ensaios começassem. Depois disso, tudo avançou rápido. No contexto atual, realizar uma obra teatral é também um ato de resistência, diz.

— Depois da pandemia, o teatro foi altamente afetado. Realizar um trabalho artístico é um desafio. Este espetáculo se junta a outros que têm tentado levantar a cena teatral em Cabo Frio — ressalta ele, que também é autor de títulos como “Laços Rubros” e “O Sopro”.

Professor, músico e compositor, Junior Carriço chegou à montagem para produzir a trilha sonora e conta que também se encantou pelo livro.

— O que faz com que toda essa música aconteça é a força poética da produção do Rodrigo — explica o autor de “Recovecos”, livro que reúne 56 letras de suas composições.

Depois de ler a obra, ele diz, todos os envolvidos sentiram o impacto emocional do texto.

Junior decidiu usar material de seu acervo pessoal —canções, ideias, rabiscos anteriores—, reorganizando tudo em função da dramaturgia.

— Usei coisas da minha da minha lavra, para diferentes momentos da peça, sempre a partir do violão.

Em um dos trechos, a música precisou renascer:           

— Talvez uma delas a gente tenha feito a melodia nova para casar com o verso.                                                                                                            

No palco, “Refinaria” vira mais reflexão e confronto, sem ignorar o movimento do próprio livro, que abre caminhos para um mosaico de referências, como a geologia do pré-sal, a cana-de-açúcar de Campos dos Goytacazes, as influências de escritores como José Lins do Rego, Olga Savary e Victorino Carriço, avô de Junior – aliás, uma canção de Victorino, “Voltei ao Baixo Grande”, está na trilha do espetáculo na voz do neto. Outro destaque é "Fluxo de consciência", parceria de Junior com o poeta Igor Ravasco.

Mas a peça não tenta abarcar todos esses temas ao pé da letra. A adaptação nasce das memórias do território e do processo de refinamento — literário, afetivo, geográfico— que acontece tanto no livro quanto na vida real. Porque, como escreve o autor, “todo poeta calango / ejeta-se do corpo / desencarna do verso / e regenera-se na vida”.