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Polícia investiga desabamento do Galpão do Sal na Passagem, em Cabo Frio

Imóvel tinha pedido de demolição contestado no Conselho de Patrimônio; Defesa Civil descarta derrubada proposital, mas 126ª DP ainda fará perícia

01 abril 2020 - 12h42Por Tomás Baggio

Peritos da Polícia Civil irão investigar o desabamento do imóvel conhecido como Galpão do Sal, no bairro histórico da Passagem, em Cabo Frio. Segundo o delegado titular da 126ª DP, Sérgio Caldas, o objetivo é averiguar se o desabamento ocorreu de forma natural, devido à ação do tempo, ou se o galpão foi derrubado propositalmente por intervenção humana.

- Estamos checando se os peritos da Polícia Civil em Cabo Frio têm especialidade técnica para este tipo de perícia. Caso contrário, iremos requisitar peritos do Departamento de Engenharia, na capital. Estou expedindo um Auto de Interdição para quem ninguém mexa no local até a apuração da causa da queda - informou Sérgio Caldas.

O coordenador da Defesa Civil Municipal, Márcio Soren, que esteve no local na manhã desta quarta-feira (1º), descartou de imediato a possibilidade de derrubada proposital. Para ele, os indícios demonstram que a estrutura não tinha mais condições de permanecer em pé. Segundo ele, o segundo galpão irá desabar a qualquer momento.

– Essa possibilidade (demolição proposital) não existe pelo estado da estrutura que caiu. São dois galpões em um ângulo de 90 graus. Um desabou e o outro está indo pelo mesmo caminho. Sem condição nenhuma de se manter. É uma questão de sorte ainda estar em pé. E o paradão que fica para o lado da rua está em risco iminente de queda, o que coloca a vida dos pedestres em perigo – afirma Soren, lembrando que o imóvel já está interditado pela Defesa Civil Municipal desde 2018, e que a interdição permanece valendo.

– Vamos emitir uma ordem imediata de recuperação ou demolição. O proprietário terá que nos fornecer um laudo de engenharia para que possamos avaliar as providências possíveis para o local – completa o coordenador da Defesa Civil de Cabo Frio.

O secretário de Desenvolvimento de Cabo Frio, arquiteto Felipe Araújo, que era representante do proprietário do imóvel antes de assumir cargo no primeiro escalão do governo municipal, desabafou em um grupo de WhatsApp de Associação de Arquitetos e Engenheiros da Região dos Lagos (Asaerla).

"Fico triste com toda a especulação sobre essa história. Fui autor do projeto de demolição há 3 anos e o imbróglio se postergou por esse tempo todo. Ao entrar na prefeitura me descompatibilizei com o processo e não posso duvidar da idoneidade do proprietário, pois se fosse outro e orientado por outro profissional naquela época, já saberíamos o que teria acontecido. É uma prova cabal de que a burocracia custa caro, sorte não ter custado uma vida. Vale ressaltar que há mais de dois anos há um laudo de engenharia com 60 folhas condenando a estrutura", diz a mensagem a qual a Folha teve acesso.

Felipe Araújo falou com a reportagem nesta quarta e disse lamentar que a situação tenha chegado a este ponto.

– Lamento muito que tenha ocorrido tanta especulação, sem ninguém se preocupar em falar a verdade, a não ser o proprietário. Não estou defendendo, mas ele teve boa fé desde o início. Eu dei início a esse processo, nunca menti em relação a isso. Naquele momento eu acreditava que era possível e necessário fazer a demolição. Buscamos o caminho correto, prezando pela ética, diferente de tantos casos de demolições à revelia, na calada da noite, que já vimos na cidade. Isso é mais comum do que fazer o certo. Mas quando você vê pessoas se apropriando politicamente da questão, criando uma história dentro da história, embaraçando tudo... criaram um grande terrorismo e acovardaram as pessoas que tinham que tomar decisões. Desse jeito o caminho certo perde força, fortalece o caminho errado. Me solidarizo com o proprietário, com quem tive uma relação de amizade desde 2013 – declara Felipe Araújo.

O arquiteto e secretário de Desenvolvimento afirma não acreditar na hipótese de uma derrubada proposital, e garante que irá tomar as providências que forem necessárias com independência.

– Se eu não tivesse acesso a todos os documentos que eu tenho daquela época que eu atuava, a primeira coisa que eu iria pensar seria isso. Mas de posse de tudo o que eu tenho, seria leviano da minha parte falar isso. Há dois anos a engenharia, que é técnica, sinaliza que isso vai acontecer. Só não marcou data. Mas estava claro que ia acontecer. O laudo já condenava. De qualquer forma, se foi uma ação pessoal ou não (a demolição), não cabe a mim fazer esse juízo. Isso está na esfera policial, que vai esclarecer. A Prefeitura só pode se pronunciar na esfera administrativa. O que nos cabe, na Secretaria de Desenvolvimento, é pegar o processo apenas após todos os trâmites, incluindo o parecer do Conselho de Patrimônio, para aí então autorizar ou não a demolição – disse ainda.

A reportagem da Folha tentou contato com o secretário municipal de Cultura, Milton Alencar, que tem assento no Conselho de Patrimônio, mas ele não atendeu as ligações. A reportagem também buscou pela diretora do Instituto Municipal do Patrimônio (Imupac), arquiteta Carol Machado, mas o telefone estava desligado. A Folha pediu ainda um posicionamento oficial da Prefeitura de Cabo Frio, via assessoria de imprensa, e aguarda resposta.

Debate sobre relevância histórica

O destino dos galpões de sal esteve em debate no ano passado. No dia 26 de fevereiro, a Câmara Municipal realizou uma audiência pública sobre o assunto. Em mais de quatro horas, favoráveis e contrários à demolição de partes do imóvel na Avenida Almirante Barroso defenderam seus pontos de vista.

A edificação mais preservada do conjunto, chamada de “Casa do Sal”, estava fora do pedido de demolição. A polêmica gira em torno dos galpões, que, segundo aqueles que defendem a preservação, teriam papel importante na história salineira da região, o que o proprietário e seus representantes negam.  

A autorização de demolição de partes do imóvel foi pedida em um processo aberto em junho de 2018 pelo proprietário, Luiz Fernando Xavier da Silveira.

O imóvel foi adquirido em 2016 da empresa Nora Lage S.A., com área total de 7.231,27 m². No local existem oito edificações, com área total construída de 2.387,99 m². A solicitação do proprietário é para que sejam autorizadas demolições em cinco edificações, o que significaria uma supressão de 1.146,69 m² de área construída, que passaria a ficar com 1.241,30 m².

O processo que pede a demolição precisa de um parecer do Conselho Municipal de Patrimônio indicando a autorização ou a negativa. O parecer é consultivo, e a palavra final é da Prefeitura, que pode seguir ou não o parecer. Desde que foi proposto, o processo tem sido alvo de denúncias, e até mesmo uma votação realizada em março de 2017, que aprovou a demolição, acabou sendo invalidada sob acusações de irregularidades.

Entre os argumentos apresentados para pedir a demolição, o arquiteto Manoel Vieira, representante do proprietário, citou um processo de 2011, quando o imóvel ainda pertencia à Nora Lage S.A., que segundo Manoel autorizava a construção de um hotel. A arquiteta Cristina Ventura, que participou do parecer na época, deu outra versão: disse que o processo fazia uma consulta em relação a qualquer intervenção no entorno da “Casa do Sal”, e que nenhuma demolição específica foi autorizada naquele processo.  

Na audiência pública, Manoel Vieira apresentou slides e defendeu que os imóveis para os quais se busca a demolição não teriam valor histórico que justifiquem a preservação.

– O documento que origina essa discussão é um parecer do Conselho de Patrimônio que avalia o valor cultural desse imóvel a partir de uma foto do Wolney (Teixeira) de 1936, em que a gente observa três galpões. Só que esses galpões foram demolidos na década de 1960. então na verdade não tem o que preservar. O que existe é um telheiro com aberturas laterais e uma miscelânea de construções que foram feitas ao longo do tempo, como oficinas, canil, etc. São construções modernas, ou seja, os imóveis que teriam essa importância histórica não existem mais, e isso esgota a possibilidade de um tombamento com os rigores que um tombamento tem que ter – disse Vieira.

O professor de história João Henrique de Oliveira Christóvão se manifestou pela defesa da preservação. Para ele, não importa se o galpão serviu ou não à indústria salineira de alguma forma, mas sim o fato do imóvel pertencer a um conjunto histórico onde se situa o primeiro núcleo portuário e de ocupação da cidade. Na visão de Christóvão, a importância histórica do local não pode ser questionada.

– A área em si tem uma importância histórica e social para a formação da cidade que é extremamente relevante. O que se discute aqui não é apenas o galpão em si, mas todo o entorno e o significado daquilo. O galpão também, mas a gente só pode saber exatamente o papel que ele desempenhou a partir do momento em se tem acesso a ele com pesquisas amplas com arquitetos, historiadores, arqueólogos, para definir e identificar. Agora, independentemente disso, o que está sendo discutido não é apenas o patrimônio material, mas sim o patrimônio imaterial. A cidade nasce naquele ponto e se desenvolve a partir dali. O cais tem uma importância com relação ao sal, à pesca e a toda uma gama de trabalhadores que construíram a cidade. Isso está documentado em diferentes fontes iconográficas, de imprensa, da literatura e da documentação oficial da cidade – defendeu João Christóvão.