FERNANDA CARRIÇO
“Pela madrugada,
Ao raiar do dia,
No vigor da “furiosa”
Banda “Arte e Alegria”,
Dando voltas na cidade,
Com seus fogos a espocar,
Corre a moça à janela,
Pra ver a Banda passar”.
Os versos do saudoso poeta popular José Casimiro seriam atuais caso não fossem os prédios que hoje dão o ar de modernidade a cidade. Mas há 78 anos, o cenário se repete: moças, rapazes, adultos e crianças param para ver a banda passar – no caso, a Banda Santa Helena que, neste 7 de setembro completa mais um ano de fundação. Fato que se torna ainda mais relevante para a cultura cabofriense por estarmos no ano em que a quarta cidade mais antiga do país comemora os seus 400 – ou seja, traduzindo a história em números, a “Furiosa”, apelido dado a Banda, escreve quase um quarto da história de Cabo Frio.
Desde 7 de setembro de 1937, ano em que o país dava passos largos para a implantação do Estado Novo de Getúlio Vargas e com isso a consolidação da Ditadura Militar,a Banda Santa Helena f az parte da história da nossa gente. Além do cenário político inóspito, o local de criação da banda também não parecia favorável: tudo começou na Barbearia do seu Clodomiro Guimarães de Oliveira, com ele o um grupo de amigos músicos fundando o que se tornaria um dos Patrimônios Imateriais da cidade.
– As bandas musicais ainda existentes da cidade são um fator de resistência cultural de relevância e as mesmas tem sido apoiadas integralmente nessa gestão: a XIII de Novembro recebeu um prêmio de destaque e a laboriosa Banda Musical Santa Helena participa pela segunda vez no programa de editais do Proedi, onde será possível apreciamos seus dobrados sustenidos e bemóis centenários no coreto da praça da Matriz, como as mesmas Liras e Jagunços executavam no início da sua formação – declarou o secretário Municipal de Cutura, José Facury.
E a primeira oportunidade de saborear a arte que vem dos atuais 30 integrantes da Banda Santa Helena, é neste feriado da Independência, segunda, às 10h:30 na Praça Porto Rocha.
– Estamos com um cronograma de apresentações em praças da cidade, a próxima é em Outubro, em São Cristóvão. Mas como houve atraso no repasse do Proedi pode ser que algumas datas pré-definidas sejam alteradas. A pré-produção está em andamento – informou o maestro Jessé Menezes, que ingressou na Banda em 1980 como ritmista e depois passou para o trombone.
E tradição é a essência da Banda. O músico Diego Matos, por exemplo, também é outro exemplo de quem entrou e não mais saiu. Começou aos 13 anos e lá se vão 23 anos de amor à Santa Helena.
– Comecei a fazer aula teórica com mestre Grai José Vieira, um ano depois comecei a aula de trompete. Logo em seguida estava desfilando com a Banda santa Helena pela cidade. Ela representa a arte em minha vida, a educação que esses baluartes me deram – com gratidão, declara Diego.
78 anos de muitas histórias para contar
Uma história marca definitivamente a da Banda Santa Helena. Em uma determinada ocasião, eles foram tocar em uma procissão em Iguaba e aconteceu um trágico acidente – um ônibus que ia pro Rio de Janeiro atropelou os músicos durante a apresentação. Alguns ficaram seriamente feridos e isso acabou fazendo com que a banda suspendesse as atividades por alguns meses. E quando voltaram a tocar, em um 7 de setembro, um diretor sugeriu que fossem tocar no cemitério para agradecer a músicos e diretores que um dia deram a sua contribuição a banda. E assim o fazem até hoje.
Um dos túmulos que os músicos reverenciam é o do saudoso Mureb Pereira Mureb. Dono de uma torrefação de café na Rua Bento José Ribeiro (onde hoje funciona o restaurante Paladar), ele abria o estabelecimento à noite para dar lugar aos ensaios da Banda Santa Helena.
– A Banda não tinha sede ainda e meu pai deixava eles ensaiarem lá Era noite de festa, ficava lotado, todo mundo queria ver. Faziam paneladas de comida, tinha bebida e muita música. Ali comecei que comecei a tocar percussão, que comecei minha história com a música lá pelos meus cinco anos – relembra Zarinho Mureb, que ainda ressalta que o pai fazia aniversário também em 7 de setembro e todo ano às seis horas da manhã, a banda passava na casa da família Mureb, tocava parabéns para o pai dela e iam todos juntos, em festa de harmonia, para a homenagem do cemitério.
Com tanta tradição na cultura da cidade, é claro que o que na faltam são histórias na memória dos cabofrienses. Leila Carriço, neta de um dos ex-presidentes da Banda, o desportista Nenzinho Carriço, lembra que em dia de retreta era dia de aprontar.
– A gente era criança e morava na Major Belegard. Tínhamos um pé de tamarindo no quintal e nos enchíamos da fruta e íamos para a praça ver a banda. A gente ficava na frente do músico da tumba comendo tamarindo. Ele ficava desesperado e chamava meu pai: “Tonga, seu filho da mãe, tira essas crianças daqui porque minha boca enche de água com o tamarindo e não consigo tocar” – relembra, às gargalhadas, a ex-menina travessa.
Repertório da Retreta de 7 de setembro
São musicas nacionais e internacionais interpretadas nos mais variados instrumentos que formam a banda. Destaque para os “pout pourris’ de Vinicius de Morais e Milton Nascimento e para a música de Ary Barroso, Dominguinhos, Roberto Carlos e tantos outros nomes da MPB. Um programa que, além de imperdível, certamente vai te marcar. Afinal, marca registrada dos 78 anos da Banda Santa Helena é pontuar docemente a nossa história – assim como faz com a dos 400 anos de Cabo Frio.