O norueguês tornou-se fenômeno mundial com sua série “Minha Luta”, em que remonta sua vida ao longo de seis longos volumes. Vendeu 500.000 livros apenas na Noruega, que tem cerca de 5 milhões de habitantes. Está no Brasil lançando o quarto livro da série: “Uma Temporada no Escuro”, um dos mais vendidos da livraria oficial da Flip. A Folha teve uma breve conversa com Knausgard durante coletiva, na tarde de quinta.
Folha: Como é o processo de reconstruir memórias da infância, a partir dos quarenta anos, e chegar aos fatos exatos? É bastante difícil de lembrar, não?
Knausgard – Eu parti da premissa, ao escrever esses livros, que tudo deveria ter sido verdadeiro, que eu não inventaria nada. Tudo seria através da memória, mas não dos fatos exatos e sim de como eu interpretaria essas memórias. Algumas coisas podem ter sido diferentes, claro. Eu não posso lembrar de tudo que aconteceu em 1976, mas eu lembro de 1976, como eram os carros, as roupas, o que as pessoas faziam. Então eu considero o que eu faço como uma não ficção romanceada.
Folha: E o que esses livros buscam relatar, além da sua vida, é claro?
Knausgard – Meu principal interesse é sobre identidade: nacional, pessoal, sexual, tanto faz. Eu me interesso na imagem que nós fazemos de nós mesmos. Os livros me permitem ir além da narrativa pessoal e construir identidades que estão ligadas a outras coisas, a grupos maiores. Esses dois níveis diferentes estão às vezes de acordo, às vezes em confronto, mas no fim das contas o livro quase sempre amassa a nossa identidade pessoal.
Folha: Você vivia em um país onde a noção de politicamente correto é muito forte, a Suécia. E ao mesmo tempo, você se descreve como uma criança efeminada porque gostava de roupas bonitas e de colher flores para o seu pai. Como um homem adulto que questiona seu papel de homem por estar empurrando um carrinho de bebê, coisas que atribuem a mulheres e homens certos valores pré-determinados e em alguns lugares, como a Suécia, são consideradas sexismo. Acredito que te perguntem muito sobre o limite entre realidade e ficção, mas a minha pergunta é sobre onde ficam os limites que a sociedade tem para as palavras e onde esses limites residem na literatura.
Knausgard – Uma das coisas que mais detesto é a crítica moralista. A literatura para mim é sobre ser livre, é sobre pensar questões tão fundamentais e primárias para o homem, como o modo como se ele vê enquanto homem, de forma livre, sem amarras morais, que podem viver na sociedade, sim, mas na literatura não. Eu me descrevo como uma criança e um adolescente que têm hábitos e gostos considerados femininos no contexto em que cresci: a Noruega rural dos anos 70. Anos depois, já vivendo em uma metrópole sueca, é natural que haja esse questionamento sobre a minha identidade enquanto homem. É como as coisas são. E é sobre isso que escrevo. Não deve haver esse tipo de limites na literatura.