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Cultura

Escritores apontam acertos e equívocos de feiras literárias na Região dos Lagos

14 outubro 2023 - 17h49Por Cristiane Zotich
Escritores apontam acertos e equívocos de feiras literárias na Região dos Lagos

Incentivar a criação de público leitor, valorizar escritores, editores e livreiros locais, fomentar a difusão e venda de livros e proporcionar à comunidade programação literária gratuita e de qualidade. Esses devem ser os objetivos de feiras de livros organizadas pelas Prefeituras. Entretanto, nas cidades da Região dos Lagos, nem tudo tem sido colocado em prática pelo poder público. Na “LiterArraial”, que aconteceu no último fim de semana, autores e livreiros do município foram esquecidos. Em outros eventos, como a Feira Literária de Búzios e a Teixeira e Sousa, em Cabo Frio, as gestões municipais ainda não conseguiram estudar e implementar o modelo de voucher, assim como acontece na Bienal do Livro, o que fomentaria a aquisição de livros por estudantes. Resultado: eventos que deveriam valorizar a história e a cultura local acabam se distanciando dos autores, livreiros, editores locais e até mesmo dos leitores.

Uma professora da região, que pediu para não ser identificada, contou à Folha que, na Feira Literária de Búzios, realizada em setembro, viu muitos livros de baixa qualidade, “tanto de conteúdo como de material”. Relatou, ainda, que os autores presentes foram pouco divulgados pelo próprio evento. Ela disse também que os alunos levados para a feira pouco puderam aproveitar devido. 

–  Havia uma aglomeração de crianças. A maioria simplesmente não entendeu o que estava acontecendo. Infelizmente foi mais um evento para a prefeitura postar nas redes sociais. O mais absurdo foi um concurso de soletração no meio de uma feira que se propõe literária – lamentou a educadora, lembrando exemplos positivos de Maricá e Saquarema, que segundo ela distribuem vouchers para que estudantes comprem livros nas feiras. 
Presidente da Academia Cabo-friense de Letras, Rosana Andreia percebe a diferença entre as feiras literárias da região e as de outros municípios. Ela acredita que isso acontece pela falta de parceria entre as secretarias municipais de Cultura e de Educação.

– Nós temos as Secretarias de Cultura dos municípios, e as Secretarias de Educação, que têm dinheiro para oferecer os vouchers, mas não oferecem. Temos, hoje, mais de 220 escritores catalogados. Precisamos fortalecer nossa literatura local e reconhecer esses escritores. O voucher é um elemento na direção desse reconhecimento, porque você passar dois, três dias da Semana Teixeira e Sousa na praça, em uma barraca que ninguém visita, ninguém vai, ninguém compra seu livro, e você lá, debaixo de sol, isso é desrespeitoso. A verba do voucher é praticamente enviada pelo Ministério da Educação para as secretarias municipais. Mas, como não há uma parceria real e efetiva entre Cultura e Educação, o dinheiro que poderia ser usado para o voucher numa Semana Teixeira e Sousa, por exemplo, não é aplicado – afirma.

Como exemplo positivo a ser seguido por Cabo Frio e Búzios, Rosana citou Arraial do Cabo, que na última semana promoveu a “LiterArraial”, que teve programação aplaudida pelo público, com participações da escritora Conceição Evaristo, do filósofo Eduardo Marinho e do historiador Pierre de Cristo. O evento teve dois palcos, uma tenda de artesanato, uma tenda de livros e mais um espaço para mesas e palestras. O governo municipal cabista concedeu voucher de R$ 100 para as crianças e de R$ 200 para os professores. 

– É pouco, mas já é uma iniciativa – opinou Rosana, criticando a Educação de Cabo Frio que, segundo ela, diz que não tem dinheiro pra isso. 
Mas a feira literária cabista também foi alvo de críticas. Nas redes sociais, o escritor Fernando Melo, autor do livro “Do Mar à Mesa – A pesca e a culinária típica da região do Cabo Frio: Arraial do Cabo, Búzios, Cabo Frio e São Pedro”, disse que os organizadores “foram incapazes de convidar escritores locais e a editora da região que tanto valoriza nossa história e nossa cultura”. Escritor cabista e autor do livro “K-36 - o zeppelin que caiu no Cabo”, Leandro Miranda concordou com o comentário. 

– Lamentável a ausência de autores cabistas que se dedicam a contar nossa história na feira literária de nossa amada cidade! – escreveu.
Autora dos livros infanto-juvenis “Lia, Flor e Sophia, as meninas-poesia” e “Poemas Sortidos” e do livro de textos dramáticos intitulado “Carroça de Textos”, a escritora Silvana Lima diz que há diferenças entre as feiras porque cada uma delas segue princípios e logísticas diferentes, de acordo com os planejamentos, importância e vontade política que cada cidade atribui ao evento. 

– Cabo Frio tem uma vida literária importante, com inúmeros escritores e centenas de livros publicados, mas estes livros precisam chegar ao público. Há um caminho a ser percorrido, por isso é necessário que o trabalho seja para além do evento, com a prática de uma política permanente de incentivo e democratização – refletiu.

Para o dramaturgo José Facury Heluy, que é e membro do Conselho Nacional de Cultura, “a febre das feiras ficou muito por conta do rastro da Flip de Paraty”. Para ele, falta conhecimento na hora da execução.

– As gestões acham que é um mote legal pegar esse rabicho sem entender que a feira de Paraty foi assumida por uma empresa de comunicação de produção cultural fora do país, que investiu muita grana, e mesmo assim captou recursos grandiosos que a fez bem maior. Esse assunto, inclusive, já foi discutido no Conselho, mas falta vontade política dos prefeitos que acabam se acomodando na pequenez do evento. Já que não tem recursos significativos, deveriam buscar alternativas criativas. Por exemplo: o cabo-friense Teixeira e Sousa foi o primeiro romancista, e era um negro em pleno tráfico. Seguindo, Machado de Assis, Paula Matos, Cruz e Sousa, Lima Barreto e outros, que tal um evento literário de projeção da literatura e da cultura afro-brasileira? – sugeriu.