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AFETO NAS VEIAS

Escritora Aline Moschen lança livro 'Poemas de Sangue', pela Sophia Editora

Obra surgiu de vivências pessoais e familiares da autora, como processo de luto pela perda do avô

08 agosto 2021 - 13h16Por Rodrigo Branco

É o sangue que transporta oxigênio a todos os órgãos, carregando também nossas informações genéticas. Isso a biologia explica. Na linguagem poética, contudo, a imagem ganha sentido alegórico ao reforçar os laços ancestrais e de afeto.

Baseado nas suas experiências pessoais e familiares, a antropóloga e escritora Aline Moschen lança pela Sophia Editora o livro ‘Poemas de Sangue’. Nesta entrevista, Aline relata o processo criativo da obra, nascida de um projeto contemplado pelo Governo do Estado para publicação de audiobook, além da criação do selo ‘Mulheres de Sal’, para fomentar o lançamento de autoras da Região dos Lagos no mercado editorial.

Para debater o livro, a Sophia Editora promove uma live em seu Instagram nesta quarta-feira (11), às 20h, com a presença da atriz, escritora, intelectual e ativista LGBTQIA+ Agatha Íris e da professora de Teatro da Universidade Federal de Alagoas Lara Couto, que escreveu o posfácio da obra

Folha dos Lagos – Como surgiu a ideia de fazer esse livro? De quem é o sangue a que você se refere no título?

Aline Moschen – Nesse livro eu falo do sangue como território ancestral. É assim que eu penso. Então tem algumas expressões nos poemas do livro em que eu me refiro ao sangue como mapa. Tem um pouco a ver com a minha formação, eu sou antropóloga. Então eu lido com essas questões de parentesco nos meus estudos e, nesse livro em específico, eu estou tratando de um processo de luto. Na verdade, é uma ressignificação do processo de luto do meu avô, que foi uma pessoa fundamental na minha vida. Por isso, o título ‘Poemas de Sangue’ por conta desse elo metafísico que fica depois da morte.

Folha – Em que contexto esse livro foi produzido? O isolamento da pandemia influenciou nessa produção? 

Aline – Em julho do ano passado, a Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro abriu um edital para cultura digital e eu pensei em produzir algum tipo de conteúdo que conversasse com as plataformas digitais. Inicialmente, eu tinha pensado em inovar com poemas declamados em áudio no Spotify. Fiz uma proposta de um audiobook para a Secec, que foi aprovado e foram lançados 15 poemas que compõem esse livro. Depois, o audiobook acabou se popularizando; recebi o convite da Sophia Editora para publicar o livro e escrevi mais 15 poemas. Mas era nesse contexto de pandemia e isolamento social, pensando em como me comunicar com as pessoas sem poder sair de casa. E também como elaborar um rito de passagem, que é esse do luto sem poder encontrar outras pessoas. Então foi a forma que eu encontrei para fazer uma homenagem e poder me comunicar com os outros também.

Folha – Quais os possíveis sentidos que a gente pode dar à ‘imagem sangue’?

Aline – Eu quis deslocar um pouco essa ideia de corpo feminino no livro. É uma questão dentro de alguns movimentos que eu participo, movimentos feministas. Por vezes, o sangue feminino é sempre associado à menstruação, ao sagrado feminino. Eu quis fazer uma proposta de deslocamento disso, dessa ideia desse conceito de corpo feminino e de o que o corpo feminino está condicionado a essa prerrogativa. Eu quis trazer o sangue como uma potência de vida que habita em todos nós e de ligação familiar, de parentesco e de afeto.

Folha – Quais as suas inspirações para escrever essa obra?

Aline – Eu me inspiro muito na obra da [escritora portuguesa] Matilde Campilho. Foi a primeira poetisa que eu vi trabalhar com poesias em áudio. Sei que não é uma coisa tão recente, mas ela tem um trabalho forte nisso em plataformas digitais. Então, tem um ritmo que é impresso nesse tipo de poema. Então tem bastante da influência dela, principalmente de um livro chamado ‘Jóquei’, que me inspirou a escrever ‘Poemas de Sangue’. E também tem uma parte acadêmica da ideia de corpo que me inspira, que eu diria que é do [filósofo francês] Henri Bergson, que é um teórico que eu estudo e, por mais que não pareça óbvio, ele está presente nesse texto.

Folha – Como você pensa a diferença como a sua obra impacta o público, seja na forma escrita ou na forma falada, pelo audiobook?

Aline – Acho que são sensações diferentes. O áudio acaba sendo mais acessível por ser uma plataforma que a pessoa consegue acessar do próprio celular, então é mais popular. Eu divulguei em grupos de pessoas com problema visual, que não podiam ler, enfim, era uma maneira de também alcançar essas pessoas. E o livro impresso tem mais aquela coisa de guardar, ter aquela obra com você e carregar pra algum lugar. São sensações diferentes que se tem com o objeto do livro.  

Folha – Além do lançamento deste livro, você está envolvida com o Selo Literário Mulheres de Sal. Como é esse trabalho de empoderamento feminino por meio da literatura?

Aline – O selo Mulheres de Sal surge depois de um ciclo de formação em literatura para mulheres da Região dos Lagos. Eu coordenava esse projeto e percebi que existe uma grande demanda de mulheres na Região dos Lagos que escrevem, mas nunca publicaram suas obras e não sabem por onde começar. Então eu a Sophia Editora criamos essa parceria que já foi iniciada na primeira edição do projeto, com a publicação de uma antologia. A nossa ideia é transformar numa prática permanente da editora ter chamadas abertas para escritoras locais, para que a gente possa incentivar a publicação de mulheres. Essa é a ideia, de mudar o quadro que existe aqui, que não tem tantos autores divulgados no geral e, menos ainda, mulheres. Então a nossa ideia é dar visibilidade para isso.

Folha – E quantas autoras esse projeto já abraçou?

Aline – Na antologia participaram mais de 60 escritoras. No selo, tem algumas obras que já foram pré-selecionadas antes das chamadas públicas. Eram escritoras que já estavam em diálogo com a Sophia, e acabaram acolhidas dento do selo e também participantes das oficinas que, por conta própria, recorreram a Sophia, e foram acolhidas desta maneira. Então tem umas três escritoras, além de mim, para serem publicadas este ano. 

Folha – Qual a importância de dar voz a esses autores locais para que sua arte chegue ao público?

Aline – Acho que ainda é um movimento muito recente, ele é recém-nascido, e precisa de muito incentivo e, principalmente, que o público em geral entenda a literatura como movimento. Não existe essa ideia de uma carreira solo na escrita, embora o senso comum acredite que sim. Mas a gente trabalha com formação de público, trabalha com redes de apoio e com a ideia de que um trabalho artístico e literário sempre vai influenciar o outro e é assim que se criam movimentos artísticos, dentro de um determinado contexto histórico, de um contexto territorial. E esse é um trabalho que a gente está começando a também levar essa consciência aos escritores locais, a ideia de se articular, de se organizar enquanto movimento, de apoiar o trabalho do outro, de se colocar como autor e reivindicar esse espaço como autor.