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Em 29 de julho de 1912 nascia o poeta Victorino Carriço

Hoje, o autor do hino de Cabo Frio completaria 107 anos

29 julho 2019 - 13h33
Em 29 de julho de 1912 nascia o poeta Victorino Carriço

 

“A vida é onda encrespada, que a gente vive a nadar...nada, nada, nada, nada, até o nada chegar”. Os versos simples e que nos fazem refletir dizem muito sobre o autor. O poeta Victorino Carriço (1912-2003), com seu jeito humilde de caminhar pela vida, até o último dos dias em que viveu distribuiu trovas e versos para quem passava perto dele. Mesmo acamado, na cama, Santinho (apelido de infância) não se desapegou da poesia, companheira de uma vida que durou quase 91 anos. O verso que abre este parágrafo foi um dos que acompanhou até o último suspiro.

Victorino Carriço, velado no Charitas e enterrado sob forte comoção da sociedade, foi um homem que marcou o tempo em que viveu. Versátil, passou por funções tão diversas que qualquer descrente duvidaria de sua biografia: poeta político, escritor, gerente de banco, executivo, delegado de polícia, árbitro de futebol, compositor. Um trovador da vida, que deixou um imenso legado na Região dos Lagos. Autor dos livros Mar e Amar, Se Voltares e Vidas Mortas, Carriço também foi autor dos hinos de Cabo Frio, Arraial do Cabo e São Pedro da Aldeia.

Nascido no Baixo Grande, embaixo da ponte que levou o seu nome até o início dos anos 2000, Victorino Carriço passou a infância entre São Pedro e Cabo Frio, onde estudou no Colégio Sagrado Coração de Jesus e, aos oito anos, deu os primeiros passos na literatura ao compor o hino do colégio.

Pai de cinco filhos, ao lado de Adalgiza Barros Carriço, a  Zizi, compôs família e escolheu Arraial do Cabo para viver – cidade onde também marcou história na casa da Praia dos Anjos, hoje conhecida como ‘Casa da Poesia’.

- Um poeta , um homem que acreditava na igualdade entre as pessoas. Cujo tesouro era a lua ,as espumas das ondas, tão sinuosas quanto as melodias que soube compor com maestria. Sempre fazia questão de cumprimentar qualquer criança que passasse por seu caminho. Fazia um verso por dia e o recitava  ao longo desse mesmo caminho pra quem por ele fosse interpelado, brindando doçura e suavidade . Sabia que essa era a sua contribuição. Carriço era o poeta do corpo a corpo – relembra Junior Carriço, músico neto do poeta.

Como bem definiu Junior, Carriço era o ‘poeta do corpo a corpo’. Diariamente saía pelas ruas de Arraial e Cabo Frio para distribuir balas e poesia.

- Na época em que não existia a gratuidade do idoso nos ônibus, Santinho andava de graça de Salineira. Era meu amigo. Fiz questão que ele pudesse andar de graça nos ônibus – contou certa vez Francisco Gavinhos, um dos proprietários da Auto Viação Salineira.

 

 

Mar e Amar (Victorino Carriço)

Havia numa terra bem distante,

Uma casinha a beira mar e nela:

Morava um pescador e sua amante;

Segundo: tinham um grau de parentela.

 

Feliz, despreocupado, esse casal;

Vivia na maior felicidade.

Até os passarinhos no varal;

Saudavam o belo par no fim da tarde.

O moço, pescador, bem cedo ainda,

Na velha canoinha ia ao trabalho.

Se acaso demorava, a moça linda:

Corria, olhando o mar La do atalho.

 

E quando lá ao longe um pano branco,

Rumava para a praia tão veloz;

Contrita, ajoelhava no barranco;

Oh! DEUS: agradecemos tudo a vós.

 

Corria para a praia, um beijo nele;

E o moço também dava um beijo nela

E ela se orgulhava tanto dele

E ele se orgulhava tanto dela.

 

Às vezes ela dizia: que demora!

E ele respondia: mas voltei.

O mar é muito forte, a qualquer hora;

Não sei se lá da pesca voltarei.

 

Mas eu não acredito, te és forte,

E sabes manobrar a canoinha.

Agouro, não me fales mais em morte;

Sabia que razões o moço tinha.

 

 Num dia de verão e mar bonanço,

Presságio de calor e de mormaço.

Saiu o pescador, tudo tão manso...

Azul estava o céu; vento escasso.

 

De fato fez calor naquele dia;

E dia de calor traz tempestade.

A tarde quase sempre fica fria;

As nuvens tapam o sol sem piedade.

 

E veio a tempestade tenebrosa:

O céu tornou-se preto, esquisito.

A chuva vem correndo de medrosa:

Do eco do verão La do infinito

 

A moça, coitadinha, tão chorosa...

Pensava só mar, no companheiro.

Sentia-se sozinha desditosa;

Pra ela, ele valia o mundo inteiro.

 

A noite ela passou nessa agonia;

Cansada, não podia mais chorar.

E quando ela notou, já era dia;

Correu, foi ao atalho e olhou o mar.

 

O dia estava calmo, mar tranqüilo;

Cansou de procurar a embarcação.

Boiando estava o vulto, olhou aquilo.

Sentiu que lhe parava o coração.

O vulto foi chegando... foi chegando...

Um velho pescador entrou no mar.

A moça ajoelhada, estava orando;

Sabia: mas queria se enganar.

 

E quando o pescador voltou cansado,

O povo estava ali compadecido.

A jovem não viu mais o corpo amado:

Seu corpo também tinha falecido.

 

O povo, só dizia: que coitados.

O pranto foi sincero no local.

Os dois num caixão, foram enterrados.

Disseram que o luto foi geral.

 

Disseram (quero crer) e há quem creia;

Que em noites de luar alguém já viu:

Dois vultos conversando na areia,

Um velho pescador me garantiu.

 

Já velha, muito velha, ainda existe,

A casa onde viveu esse casal.

Um velho cabaceiro a tudo assiste.

Jardim já não existe, nem varal.

 

 Se passa um viageiro pela estrada,

E olha aquela casa tão sem cor,

Não sabe que na casa desbotada,

Reinou felicidade e um grande amor.