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E por falar em saudade...

A reboque da polêmica das balas Juquinha, cabofrienses falam do que sentem falta na cidade

20 junho 2015 - 16h23
E por falar em saudade...

Rodrigo Branco

Saudade é um sentimento tão peculiar, que é palavra encontrada apenas na língua portuguesa. Seja um livro, música, lugar ou pessoa, cada um tem referências íntimas e intransferíveis que guarda em algum cantinho da memória e são ativadas de tempos em tempos, dependendo do estímulo. No entanto, algumas marcas se fixam de tal maneira no inconsciente coletivo que provocam polêmica ou consternação, ao menor sinal de que possam ser extintas, caso das tradicionais balas Juquinha, cuja fabricação chegou a ficar ameaçada há pouco tempo, por causa da venda da fórmula do produto e da mudança de proprietário.

Na região, como em todo lugar, muita coisa mudou. Em que pese manter alguns aspectos que remontam os tempos da pujante indústria do sal e de antigo vilarejo de pescadores; com cavalos amarrados, onde hoje trafegam carros e caminhões. Tempos mais amenos e inocentes, sem dúvida, quando o asséptico ‘olho na tela’ de celulares e computadores não substituía o tradicional papo ‘olho no olho’.

Época em que o hoje respeitado consultor empresarial Ricardo Azevedo era apenas o menino Cacá, que entre as décadas de 60 e 70, enquanto o regime militar apertava repressão na capital, frequentava as sessões dominicais do recém-fechado Cine Recreio, logo após as missas das 10h e começava a operar as carrapetas nas festas da boate Lareira, que funcionava no clube Tamoyo, onde iniciou uma bissexta carreira de disc-jóquei. Embora reminiscências como os filmes de cowboy do Roy Rogers e as antigas peladas de casados e solteiros tenham lugar de destaque na memória afetiva de Cacá, ele não se considera uma pessoa nostálgica.

– Não sou saudosista, nem me prendo ao passado. Mas me prendo às coisas que fiz e aos lugares que frequentei. Tenho saudades do meu tempo de garoto. Morava no Rio, para me tratar de um problema de saúde nas pernas, e vinha todo final de semana para Cabo Frio. Como não podia dançar, comecei a trabalhar como DJ. Sempre fui muito ligado a esse negócio de música – relata o consultor.

De fato, independentemente do gênero musical, notas e acordes imediatamente evocam um turbilhão de emoções, algumas delas perdidas há muito tempo, embora a maioria esteja à flor da pele, apenas aguardando um estímulo. Ainda que ele seja à base de riffs e solos distorcidos de guitarra, como no caso do professor de História e apresentador de TV, Chicão, menos conhecido como José Francisco de Moura, 52. Ele admite que sente falta da filial do mítico e carioca Circo Voador, que funcionava na Praia do Forte entre 1994 e 1995, e dos shows de rock no Teatro Municipal, de 2004 a 2007. Para Chicão, a situação hoje está muito diferente.

– O cenário musical da cidade empobreceu muito, porque simplesmente não temos mais lugar para festivais e shows. O fechamento do Teatro para shows e o fim de bares que tocam som foi muito ruim para a cultura jovem – lamenta o historiador, que publica frequentemente em seu blog, fotos e recortes de jornal dos chamados ‘áureos tempos’.

Quem vê a aparência delicada da jornalista Keetherine Giovanessa, 37, não imagina que nela habita uma ruidosa alma roqueira. ‘Habitueé’ da vigorosa cena underground de duas décadas atrás, a fã de Nirvana, Guns n’Roses e Red Hot Chili Peppers faz coro com Chicão quanto à preferência musical e ao fato de se sentir órfã de opções de peso na cidade.

– Tenho saudade do General Lee, um bar que ficava no Canal. Adorava o som daquele lugar. Pena que não temos mais lugares assim. Hoje estamos meio abandonados (risos) – disse.

Mais de oitenta décadas de Cabo Frio fazem do escritor Célio Mendes, 85, um verdadeiro especialista quando o assunto é traçar um perfil do período em que a cidade era uma potência da indústria salineira. Se o dinheiro circulava farto, dada a prosperidade econômica da atividade, a infraestrutura era a mais precária possível. Em muitos lugares não havia energia elétrica e o chão das ruas era de terra batida. Nada que não proporcionasse ao literato uma juventude inesquecível, em grande parte, desfrutada nos ranchos carnavalescos que havia na região, como a Sociedade Musical Santa Helena.

– Lembro-me de muitas coisas, como os bailes nas casas de família e da banda de música no coreto da Praça Porto Rocha, onde havia alto-falantes que tocavam músicas. A Praia do Forte se chamava Praia da Barra e era tida como perigosa, por causa do mar bravio. As pessoas iam mais à lagoa, mergulhar no Canal do Itajuru. Também joguei muita bola de gude e bola de meia no meio da rua. Coisas assim deixam marcas na gente – rememora, saudoso, Célio, casado desde 1952 com Edilma Ferreira, 86, na que é considerada a primeira cerimônia realizada no Convento Nossa Senhora dos Anjos, no Largo de Santo Antônio.