Um dos mais antigos e tradicionais blocos de rua de Cabo Frio, o Parókia está comemorando 54 anos de fundação provando que, além de entender de samba e marchinhas, também está aberto às mudanças do mundo moderno: pela primeira vez em sua longa história tem uma presidência 100% feminina: a presidente é Fernanda Carriço, e a vice é Beatriz Trindade. No domingo (11) toma as ruas Jorge Lóssio, Francisco Mendes, Barbosa e Avenida Antônio Feliciano de Almeida a partir das 17h.
– Além de mim e da Bia, também temos a Marcella Santana na diretoria, temos as mulheres da bateria, temos a Nádia (esposa do Jessé) e outras mulheres ocupam cada vez mais espaços até então masculinos. É a ordem natural, e com o samba não pode ser diferente. E outra coisa: o lugar da mulher é onde ela quiser e, no caso do samba, tenho certeza de que a união feminina e masculina é de sucesso. O samba é mais forte que qualquer diferença, e é por ele que estamos aqui lutando. Não tem recompensa maior do que ver o povo ali na (rua) Jorge Lóssio, feliz, explodindo em amor pelo Parókia. Fizemos dois ensaios épicos e agora nos preparamos para botar o bloco na rua: isso não tem preço - explicou a nova presidente, que acredita que essa inovação na presidência vai inspirar outras mulheres para o futuro. “Já temos outros movimentos no Carnaval só de mulheres, então, acho que todas juntas somos exemplo para as próximas gerações” – avaliou.
Para falar da história de amor de Fernanda com o Parókia, é preciso falar sobre a história dela com o carnaval. Cabista de nascimento, a jornalista contou à Folha que tudo começou ainda durante a adolescência, em Arraial do Cabo, quando fundou, junto com amigos, o bloco Geração Fanta Uva.
– Foi um sucesso e dali em diante comecei a estar em todos os blocos possíveis. Depois trabalhei no Turismo, cuidando do Carnaval de 2011, e não parei mais porque realmente sou apaixonada por carnaval.
Em 2011 ela se mudou para Cabo Frio, mas o carnaval continuou fazendo parte da vida dela: além de ter fundado (2013) e ser presidente do bloco Amigos do Luso (que esquenta o sábado de carnaval), Fernanda também conheceu o mestre Jessé.
– Foi ele quem me apresentou ao Parókia. Foi amor à primeira vista, e então comecei a ajudar divulgando, arrumando banheiro químico para ensaios… O Jessé precisava de ajuda, ele dava a vida pelo bloco, e me ensinou a importância do Parókia. Mas foi só em 2018 que realmente entrei com a nova diretoria e não saí mais. Até que ano passado, após o carnaval, fui eleita presidente – contou ela, que também é neta do saudoso poeta Victorino Carriço.
Para Fernanda, ser a primeira presidente do bloco em 54 anos de história “é uma honra sem fim”, mas também uma responsabilidade que lhe tira o sono.
– Por ser mulher, por ser uma novidade pra mim, por ser o Parókia o bloco mais tradicional da cidade, sinto que a minha responsabilidade em honrar isso é a maior do mundo, e farei tudo para não decepcionar ninguém. E o mais legal é que não encontrei resistência de ninguém. Pelo contrário, fui abraçada com muito carinho por todos. A parceria com os músicos, por exemplo, o mestre Reginaldo Mendonça, o Arthur Corrêa, o Airton, o Baby, o Yuri Vasconcellos, todos me apoiaram e estão sendo fundamentais. Sem eles, sem essa família do carnaval, eu não faria nada. Somos uma força juntos. Costumo dizer que sozinho ninguém faz nada.
Outro ponto defendido por Fernanda é o olhar diferenciado da mulher para várias questões. À Folha ela lembrou que “onde a mulher mete a mão, leva força e ternura, união, garra”. Como exemplo ela citou Zarinho Mureb: “costumo dizer que ela é a rainha do carnaval, uma potência, um exemplo. Mas temos ainda na cultura muitas mulheres fundamentais como Meri Damaceno, Luciana Branco, Ermelinda Ferreira, Taz Mureb... O time é lindo, potente e tenho muito orgulho dessa mulherada porreta. Me espelho em exemplos assim”.
O “problema” é que além da diversão, ser presidente de um bloco tão antigo e tão tradicional também tem seus “perrengues”. Para Fernanda Carriço, seus maiores desafios para manter o legado do Parókia são enfrentar a falta de dinheiro para colocar o carnaval parokiano na rua, e também conseguir conciliar vida profissional com a organização do bloco.
– Eu só penso uma coisa quando falamos em legado: o Parókia é Patrimônio Cultural Imaterial de Cabo Frio e a minha maior luta será sempre para que esta agremiação tenha o seu devido valor, sua força e potência reconhecidas. O nosso bloco é lindo, amado, e precisa estar presente na nossa cultura de hoje e de amanhã. E nesse caminho eu sou só uma ponte. Temos integrantes, como o Felipe Senos, por exemplo, que são fundamentais. A Débora, filha de um dos fundadores (o Binho), também arregaçou as mangas. Os amigos de outros blocos, como o Pepê Azevedo, também ajudaram. A rede de apoio é imensa: Discaralha, Bloco Cê é Filho de Quem?, os Mureb, enfim, estamos todos juntos e misturados para fazer o carnaval de rua de Cabo Frio.
Embora se assuma uma pessoa de tradição, que não abre mão de algumas coisas, Fernanda assume que também possui muitas ideias para inovar o Parókia, e envolver ainda mais a comunidade na agremiação.
– Aprendi que quem construiu precisa ser ouvido, respeitado. A velha guarda é tudo de mais precioso que temos e faço questão de estar com eles. Mas também estou ouvindo todo mundo, agregando, buscando unir todo o povo que faz carnaval de rua porque somos nós, pessoas comuns, que fazemos essa festa e temos blocos maravilhosos na cidade. Além do mais, a marca Parókia é uma potência, haja visto os empresários locais que nos abraçaram e estão ajudando tudo isso acontecer. Mas precisamos sempre melhorar, e essa é a intenção. Um dos projetos é voltar a fazer eventos durante o ano para fortalecer cada vez mais a família parokiana e os músicos da cidade. Tem ainda novos elementos que chegam, trazem mais cor, mais vida. Então, é sim uma equação que precisa de jogo de cintura pra não deixar morrer o que é tradição, mas não matar o novo. Vamos tentando, e acho que estamos em um bom caminho - avaliou.