O Ministério Público Federal (MPF) arquivou a representação feita por um morador de Araruama que questionava o fato de 'alguns municípios' da região não adotarem um suposto 'tratamento precoce' para pacientes infectados com o novo coronavírus. O pedido, contudo, não faz referência a qualquer município em específico. O assunto foi tema de uma reportagem especial da Folha publicada na última semana. São Pedro da Aldeia anunciou há algumas semanas a entrega de cinco mil 'Kits Covid' [coquetel composto por substâncias como hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectina e azitromicina].
De acordo com a Procuradoria da República de São Pedro da Aldeia, a negativa de levar adiante o questionamento ocorreu pela falta de comprovação de eficácia por parte da comunidade científica das substâncias no combate à doença. Mais do que isso, órgão atentou para o risco para a saúde do uso indiscriminado das medicações.
Citando links de reportagens e de entidades acadêmicas, o MPF alegou que a "Organização Mundial de Saúde (OMS) e a esmagadora maioria dos países e das associações médicas especializadas no assunto já se manifestaram expressamente pela não utilização desses medicamentos em virtude da falta de comprovação de sua eficácia" e "em alguns casos houve, inclusive, a demonstração de ineficácia".
Desta forma, o procurador da República Leandro Mitidieri Figueiredo disse que não cabe ao Ministério Público Federal reivindicar a utilização de tratamento médico cuja eficácia contra a Covid-19 não é, minimamente, embasada pela ciência. O procurador, inclusive, fez referência a um boletim da Associação Brasileira de Medicina (AMB), do último dia 23 de março, que não recomenda o uso dos medicamentos.
"Note-se que o famigerado "tratamento precoce" ganhou espaço nesse atual contexto de desinformação e, lamentavelmente, ocupou parte do debate público que deveria ser destinado à divulgação de medidas realmente eficazes contra a COVID-19, notadamente a aplicação de vacinas, o uso de máscaras e o distanciamento social, o que se mostra ainda mais grave nesse cenário em que o Brasil alcança recordes diários de óbitos causados pela doença. Assim, não tem cabimento abertura de apuração em relação à não adoção do tratamento precoce. Ao contrário, no âmbito do procedimento sobre vacinação e outras questões relativas ao COVID-19 na Região dos Lagos, em curso nesta Procuradoria, deverá ser apuradas as questões que envolvam a União/Ministério da Saúde em eventuais oferecimento ou incentivo ao tratamento precoce nos municípios da Região dos Lagos", diz o texto que justifica o arquivamento.
Apesar de sinalizar para uma possível investigação sobre um suposto envolvimento do Ministério da Saúde na distribuição de medicamentos sem eficácia comprovada contra Covid, o procorador disse que não há nesse sentido no momento.
– Ainda não recebemos denúncia de uso de verba federal para tratamento sem comprovação científica. Se houver, deveremos apurar – disse Mitidieri Figueiredo.