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Coluna

Paradoxo do vinho e da água

21 abril 2023 - 06h00

O primeiro milagre de Jesus, relatado no evangelho de João na Bíblia, foi o da transformação da água em vinho durante uma festa de casamento. Este milagre é controvertido, dada a circunstância de ter acontecido num ambiente festivo. Quase ao final da festa faltou vinho e, segundo o registro sacro, Jesus foi requisitado por sua mãe para ajudar na solução. Foi quando transformou a água de um pote no mais saboroso dos vinhos.

Uma história acontecida numa aldeia localizada nos Alpes Italianos relata uma situação contrária. Conta-se que uma vez por ano ocorria uma festa para comemorar a produção de vinhos, resultado das excelentes colheitas de uvas, principal ocupação dos aldeões. Rezava a tradição que, nesse dia, todos os produtores deveriam trazer um garrafão com o seu melhor vinho e despejá-lo em um grande tonel localizado na praça central, onde acontecia a festa. Era o momento mais esperado, pois poderia ser degustado o mais excelente vinho, o melhor dos melhores. Aconteceu que em determinado ano um dos aldeões, já cansado de ter que levar o melhor da sua produção, pensou: “Por que devo levar o meu melhor vinho? Se eu colocar água no garrafão, não vai ser notado no meio de dezenas de outros, e não vai fazer falta”. E assim fez. Chegado o dia da tão esperada degustação, foi aberta a torneira para encher a primeira caneca e, para surpresa de todos, só saiu água. O que tinha acontecido? Todos pensaram do mesmo modo, achando que sua parte colocada como água não seria percebida e não faria diferença.

Guardadas as proporções, isso acontece em todas as situações que envolvem coletividade quando os participantes permanecem no anonimato. Em épocas de eleições é muito comum eleitores jurarem votos a seus candidatos, o que na maioria das vezes não cumprem, escondidos pelo sigilo. Há casos em que o candidato recebe um único voto, o seu próprio, o que coloca seus parentes e amigos expostos. 

Em tempos de avançada tecnologia, esconder-se atrás de perfis “fakes” tem sido uma prática cada vez mais usual, iludindo a muitos. Arnaldo Jabor (1940 – 2022), jornalista e escritor brasileiro, disse certa vez: “Vivemos no poço escuro da web; ou buscamos a exposição total para ser celebridade ou usamos esse anonimato irresponsável com o nome dos outros”.   

Certa vez vi uma placa em uma empresa que dizia: “Não falte ao trabalho para que o seu patrão não descubra que você não faz falta”. Interessante que essa tem sido a realidade em todos os ambientes, corporativos, políticos, sociais e religiosos. Cada pessoa exerce um papel e tem sua importância em qualquer setor, porém ninguém é insubstituível, assim como todos são importantes. Mas não podemos nos esquecer de um ditado que diz: “Rei morto, rei posto”. Ou seja, há sempre alguém para ocupar nosso lugar.

Uma conhecida fábula fala a respeito de dois leões que fugiram do zoológico. Um foi para a floresta e o outro para a cidade. Dois meses depois, o que foi para a floresta retornou magro e debilitado. O outro, que fugiu para a cidade, foi capturado oito meses depois, gordo e saudável. Perguntado a razão de estar tão bem, explicou que quando chegou à cidade, refugiou-se numa repartição pública. A cada semana devorava um chefe de departamento, um superintendente, um diretor, e assim ia vivendo, sem que ninguém percebesse. Até que um dia devorou a funcionária do cafezinho. Foi seu erro! A ausência dela foi logo sentida, e assim ele foi descoberto e capturado.

No mundo, nem sempre o mais visível é percebido.