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Coluna

O pior cego é o que não quer ver

04 novembro 2021 - 11h10

O fato aconteceu em 1647 na cidade de Nimes, na França. Na universidade local, o doutor e religioso Vicent de Paul D’Argent (1581 – 1660) realizou o primeiro transplante de córnea em um camponês de nome Angel. Foi um sucesso para a medicina da época, menos para Angel, que logo que passou a enxergar, ficou horrorizado com o mundo que viu. Argumentou que o mundo que ele imaginava era muito melhor. Pediu, então, ao cirurgião que arrancasse seus olhos. Evidente que ele se negou. O caso foi parar no tribunal de Paris e no Vaticano. Angel ganhou a causa e entrou para a história como o cego que não quis ver.

Esta expressão “o cego que não quer ver” ganhou o mundo e se transformou num ditado popular para representar situações de intencional ignorância diante de aspectos ou fatos de absoluta relevância. 

Paradoxalmente ao episódio relatado, o maior desejo de todo cego é ver. A Bíblia, ao relatar o encontro de Jesus com um cego, que demonstrava profunda fé, diz que ele proferiu uma pergunta sobre o que queria que fosse feito. A resposta imediata do cego foi: “que eu veja, Senhor!”. Isto é o óbvio, o que todos responderiam.

Na atualidade estamos diante de cegos que não querem ver a realidade dos fatos que estão acontecendo. Não consigo entender como as autoridades que teriam obrigação de corrigir os rumos da nossa economia não enxergam o abismo que temos pela frente. Todos já perceberam que a inflação está se “assanhando” novamente. Em nome de um paternalismo comprometido com o capital, estão sendo tomadas medidas, ou deixadas de ser tomadas em outros casos, que estão funcionando com o mesmo efeito de se tentar apagar fogo com gasolina.  Uma política monetária vem sendo implantada, tendo como instrumento de execução a elevação da taxa Selic, hoje cotada em 6,25% ao ano, provocando, como consequência, o aumento da taxa de juros bancários, além do aumento da dívida pública bruta em R$ 31,8 bilhões para cada ponto percentual a mais. Tal medida estaria correta se houvesse excesso de consumo, pois altas taxas de juros inibem o crédito e seguram o consumidor. Mas não é o caso do Brasil no momento, muito pelo contrário, nunca vimos tantas empresas fechando, tanta gente desempregada, muitos pendurados numa “esmola” chamada de “Auxílio Emergencial”, que não passa de mero paliativo.

A verdade é que o grande vilão do momento não é o aumento do consumo, mas a condução da política econômica em relação aos chamados “preços administrados”, que influenciam diretamente os custos das empresas, o que as obrigam a repassar para os preços dos seus produtos os aumentos imputados. Produtos ou serviços básicos, como energia elétrica, água, minérios e combustíveis, que estão sujeitos a uma política de “preços administrados”, vêm sofrendo reajustes incrivelmente elevados, o que impacta diretamente nos custos das empresas, que sem alternativa repassam para os consumidores finais.

Estamos diante de um fenômeno econômico denominado “espiral inflacionária”, quando cada agente procura aumentar o seu preço em razão do outro ter aumentado. Por exemplo, o transportador aumenta o preço do frete porque a Petrobras aumentou o preço do diesel. Por sua vez o comerciante aumenta o preço do produto porque o preço do frete aumentou. O pior é que para inverter o fluxo dessa espiral demanda muito tempo. A velocidade do aumento dos preços é inversamente proporcional à sua redução. 

Será que as autoridades da área econômica não estão vendo o que está acontecendo? Claro que estão! Mas se veem pressionadas por outro componente que é o alinhamento da política econômica interna com a política econômica externa. 
 Se medidas corretivas não forem tomadas de imediato, vislumbra-se um horizonte sombrio para nossa população. Esse filme já foi visto no passado, e quem acaba sempre sofrendo as consequências é o trabalhador. Períodos de inflação elevada são muito bons para banqueiros e empresários, estes nunca perdem. 

Nicolau Maquiavel (1469 – 1527) bem sintetizou em uma frase o atual momento que vivemos: “Nunca se deve deixar prosseguir uma crise para escapar a uma guerra, mesmo porque dela não se foge, mas apenas se adia para desvantagem própria