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Coluna

O mal do século

12 março 2021 - 21h09

Tem algumas semanas que não consigo sentar na frente do computador para escrever. Provavelmente ainda não me abri a esse ponto, mas como várias outras pessoas, sofro do mal do século, vulgo ‘depressão misturada constantemente com crises de ansiedade’. Uma guerra constante entre me acalmar dizendo que faço tudo ao meu alcance e está tudo bem, e ceder a uma autossabotagem que ronda minha cabeça como uma cobra apertando sua presa. Repito como um mantra: sou uma boa mãe, uma boa pessoa, uma boa esposa; se cheguei num lugar confortável isso é mérito meu. Porém o buraco negro dentro de mim vai sugando todas as coisas que um dia já fiz de bom. Como uma borracha apagando momentos da vida em que fui o melhor de mim e conquistei com esforço o que já vivi. Me vejo absorta num oceano de lama onde nada foi o suficiente, nada foi o bastante. Me afogo. Tento com todas as forças não alimentar ainda mais, uso todas as minhas energias para mover cada pedaço de terra a minha volta, e me erguer a superfície.

O problema é que chega uma hora que o corpo cansa, a mente mingua, e a lama começa a parecer um lugar confortável, quente, escuro e plácido. Começa a parecer que pertenço aquele lugar, que ali estou segura. Penso que se cheguei aqui é porque me arrastei conscientemente por cada centímetro. Cada escolha, cada gesto, cada palavra foi combustível. Como tijolos colocados numa mochila invisível nas costas. Me afogo. Congelo. Me apago.

Quando tudo parece estar desabando a minha volta, olho para essa mochila tentando entender o porque de tantos tijolos, como pude acumular tantas culpas, tanto desespero? Já não recordo com clareza onde os arrumei, ou como. Reviso cada um, porém, nada. A raiva vai tomando conta e quando percebo, me devastei. Me odeio, me revolto, congelo, me apago. Onde dentro dessa mochila guardei as asas para voar? Em que lugar guardei a força que eu jurava que tinha dentro de mim? O que preciso fazer pra para enxergar?

Algumas pessoas acham que o processo de se autoconhecer é algo lindo, cheio de yoga, terapias como as de um filme onde a pessoa vai te dar o mapa para todas as luzes de todos os túneis. Em dois meses você vai se livrar de todos os seus demônios. Não. Nem de longe. Autoconhecimento dói. É uma batalha sangrenta com traumas, perdas, sentimentos que você mal lembrava que existiam, mas que ainda te tiram o ar. Mas acima de tudo é olhar pra aquela mochila, conseguir empilhar tijolo por tijolo, pra talvez enfim subir e se apoiar, mesmo que seja para colocar a cabeça pra fora e sentir o sol.

Todo mundo tem o seu sol. Demorei muito pra entender isso. Mas o sol pode ser tantas coisas. O sorriso do meu filho por exemplo, vale cada segundo. Encontrar com a amiga que eu amo no nosso lugar preferido pra tomar café com torradas e discutir sobre o que faríamos se tivéssemos uma lâmpada mágica. Olhar para a minha mãe e poder entender tudo o que ela passou pois agora também sou mãe, não sou perfeita. Tomar um banho quente num dia frio. Devorar um livro muito bom até a última página, ou só abrir ele no meio para sentir o cheiro das folhas. Dançar na chuva. Receber uma mensagem que estava ansiosa para ler. Ouvir sua música preferida no volume mais alto. Ouvir o barulho do mar.  

Existem várias formas de dizer que a luz existe.  Porém em algum momento vou afundar de novo. Não sei quanto tempo vai durar, mas eu sei que vai acontecer. Mas dessa vez também sei que existe um caminho de volta. Também sei que independentemente do quão fundo eu vá, de quantos tijolos possam existir. De uma forma ou de outra, vou refazer o caminho para viver o sol mais uma vez.