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Coluna

Estatizar x privatizar

09 setembro 2021 - 17h46

“To be, or not to be, that is the question” (ser, ou não ser, eis a questão) é uma famosa expressão criada por William Shakespeare, poeta e dramaturgo inglês (1564-1616), para o seu personagem Hamlet, citada no início do 3º ato de uma de suas tragédias mais conhecidas (Hamlet, Príncipe da Dinamarca). Nesse momento, Hamlet toma conhecimento de que seu pai, o rei, havia sido assassinado  pelo próprio irmão que se apoderara da coroa e da mulher do pai. O personagem foi chamado por Jean-Louis Barrault, ator e escritor francês (1910-1994), de “o herói da inexcedível hesitação”. Essa expressão, “ser ou não ser”, se incorporou à nossa forma de pontuar alguma situação de grande hesitação e dúvida, tão comum nos dias atuais, quando precisamos tomar uma decisão.

Ao nos depararmos com a questão “estatizar ou privatizar”, estamos diante de uma tragédia Shakespeariana. Ao estatizar, o Estado assume a função da iniciativa privada diretamente ou através de empresas públicas, levado por “imperativo e relevante interesse coletivo” (Constituição Federal de 1988 Art. 173 caput). O problema é que nesse momento, por não possuir uma “vocação empresarial”, o Estado acaba negligenciando na execução de suas tarefas. Situação fácil de constatar ao analisarmos o desempenho ou o destino de dezenas de empresas que apresentaram sistematicamente prejuízos. As que não faliram, acabaram sendo vendidas para a iniciativa privada, algumas por preço simbólico ou pagas com moeda podre.

Segundo dados divulgados pelo Ministério da Economia, através da Secretaria de Desestatização, o Brasil possui atualmente 46 empresas estatais e 152 subsidiárias. Além dessas, há 218 empresas coligadas – aquelas em que as companhias de controle direto da União ou suas subsidiárias exercem influência significativa, mas sem ter o controle – e 208 empresas com simples participação, modalidade nas quais as empresas de controle direto ou suas subsidiárias não interferem diretamente na sua gestão. 

Ainda segundo dados divulgados pelo Ministério da Economia, a União gastou R$ 190 bilhões nessas empresas nos últimos dez anos. Foram R$ 160 bilhões para cobrir custos das estatais dependentes da União e R$ 30 bilhões para ajudar as não dependentes.  Agora, imagina se esses recursos fossem canalizados para outras áreas efetivamente de competência do Estado, como saúde, educação e ações sociais. 

Existem ainda as empresas que atuam no mercado como privadas, mas que são detentoras de concessões, como as de distribuição de energia elétrica, administração de rodovias, transportes de passageiros, entre outras, substituindo o Estado no que seria de sua responsabilidade. As atividades dessas empresas são fiscalizadas pelas agências reguladoras e sua existência deve-se ao não interesse ou incapacidade do Governo em poder prestar esses serviços.

Efetivamente temos que concordar que é uma decisão bastante difícil. O Estado por sua finalidade não deve intervir na área privada, por outro lado, ele deve proteger a sociedade da gula de alguns empresários por lucros excessivos. As vezes em que governos entraram na seara da iniciativa privada, redundou em resultados catastróficos. Lembro que, em 1985, o então governador Brizola encampou dezesseis empresas de ônibus do Estado do Rio de Janeiro, sob a alegação de proteção do direito dos usuários, na verdade a razão foi outra. Por falta de competência técnica e administrativa na área, a consequência foi que a maioria delas entrou em pouco tempo num processo de deterioração, não restando alternativa que não fosse a de devolver o negócio aos antigos donos.

Ao longo dos anos foram criadas muitas empresas públicas ou de economia mista (aquelas em que há participação privada com o governo detendo mais de 50% das ações), como o Banco do Brasil, Companhia Siderúrgica Nacional, Companhia Vale do Rio Doce, Companhia Nacional de Álcalis, Fábrica Nacional de Motores, Usiminas, Petrobrás, Cosipa, Embratel, entre outras. A maioria dessas empresas foi utilizada politicamente como “cabide de emprego”, dirigidas muitas vezes por pessoas profissionalmente não qualificadas para a função.

Em 1985 foi criado o “Programa de Privatizações”, através do Dec. Lei nº 91.991, com o objetivo de transferir para a iniciativa privada atividades econômicas exploradas pelo setor público, visando concorrer para a diminuição do déficit público. Posteriormente, através da Medida Provisória nº 26, foi criado o “Programa Nacional de Desestatização”, ainda vigente.

O fato é que a “inexcedível hesitação” persiste. Se privatizar estamos entregando para a iniciativa privada atividades muitas vezes essenciais ou estratégicas, nas quais os empresários buscam os lucros maximizados através da eficiência produtiva ou onerando os preços dos produtos fabricados e serviços prestados. Se estatizar, estaremos sujeitos às gestões nem sempre eficientes, pois, nas palavras de Milton Friedeman (1912-2006), “ninguém gasta o dinheiro dos outros (público) com o mesmo cuidado com que gasta o próprio”.