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Coluna

Default

10 julho 2022 - 09h59

Certo homem estava impaciente, nervoso, em função de um compromisso de pagamento financeiro cujo vencimento se aproximava. Não tinha o dinheiro e nem perspectiva de obtê-lo até a data aprazada. Não dormia direito, e sua irritabilidade era evidente, o que afetava seus familiares e amigos. Sua esposa, uma sábia mulher, disse: “vou resolver esse assunto”. Pegou o telefone e discou para o credor. “Senhor fulano, venho comunicar em nome do meu marido que no dia tal ele não vai poder pagar o que te deve”. A seguir, procurou o marido e disse para ele: “Pode ficar tranquilo, liguei para seu credor e agora quem vai ficar irritado e não vai conseguir dormir é ele”.

Esse relato dito em forma de piada nos ensina o que é um “default”. É resumido pela clássica frase de origem popular que diz: “Devo, não nego, pago quando puder”. Tecnicamente podemos defini-lo como “incumprimento” ou, em certas situações, como “calote” ou, ainda, “moratória”, o que ocorre normalmente quando o devedor não consegue honrar com seus compromissos, tanto por falta de condições financeiras ou iniciativa visando atender interesses específicos. Porém o “default” não abrange somente a falta de pagamento, mas qualquer mudança nas condições do empréstimo sem a anuência do credor, como por exemplo, prazos, taxas de juros ou garantias. O maior calote privado registrado na história foi o dado pela empresa americana Lehman Brothers Holding Inc., com sede em Nova York, que em função da crise internacional de 2008 deixou de pagar a seus credores e investidores cerca de 600 bilhões de dólares.

Entretanto a realidade mostra que o calote sempre esteve presente na história da humanidade. No ano de 377 a.C. a Grécia já transitava por esse caminho, quando dez de suas “polis” – cidades gregas – decidiram não cumprir com suas obrigações financeiras. Aliás, a Grécia é detentora do título do maior “default” praticado entre os países do mundo, no valor de 138 bilhões de dólares. A Bíblia também faz menção na presença de devedores. No evangelho de Mateus, capítulo 18, verso 25, está registrado: “E, não tendo ele com o que pagar, o seu senhor mandou que ele e sua mulher e seus filhos fossem vendidos, com tudo quanto tinha, para que a dívida se lhe pagasse”. Naquela época a lei contra os devedores era bastante dura.

O país que mais praticou “default” foi a Espanha. Desde 1800 declarou por 14 vezes. O Brasil também já esteve nesta situação, quando no final dos anos 80 o presidente José Sarney suspendeu o pagamento da dívida externa brasileira, tendo revogado a medida um ano depois. A dívida interna e externa do Brasil, segundo dados de 2021 da Secretaria do Tesouro Nacional, alcança o montante de 5,613 trilhões de reais. Mas isso não significa que estamos em “default”, pois estão sendo pagas normalmente.

O não pagamento de dívidas por parte de países implica em sanções aplicadas pelos credores e seus parceiros, como, por exemplo, boicote a importações de produtos e serviços e isolamento no cenário econômico internacional. Para diminuir riscos foi criado um indicador denominado de “Risco País”, que é um instrumento para medir o grau de confiança que os investidores têm na economia de uma nação, notadamente quanto às instabilidades econômicas, políticas e financeiras.

No cenário nacional vemos como maior fonte de inadimplência os cartões de crédito, dada à facilidade de ser obtido. De acordo com o “Mapa de Inadimplência” divulgado pelo Serasa em abril de 2022, 66 milhões de brasileiros estavam endividados, sendo que desse total 28,14 % (18,5 milhões) com cartão de crédito. Outras áreas com elevado índice de devedores são as de financiamentos de veículos e bens em geral, além de tributos, principalmente IPTU.

Recentemente vi no YouTube um vídeo em que um “especialista” ensinava como não pagar determinadas dívidas, especialmente junto aos bancos e empresas de cartão de crédito. É claro que não faço apologia ao calote, muito pelo contrário, se contrairmos dívidas, essas devem ser pagas. Se não tivermos recursos, temos que negociar.

Entretanto a falta de pagamento de compromissos que mais nos causa indignação é a perpetrada pelo poder público, principalmente prefeituras. Transitando nesse cenário, certa vez questionei a razão de os preços cobrados pelos fornecedores da Prefeitura serem mais elevados do que aqueles praticados no mercado, mesmo tendo havido licitação com ampla participação de empresas concorrentes. A resposta foi que isso acontecia pelo risco de não receber o pagamento. Injustificável, claro, mas era dessa forma que funcionava apesar da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei nº 8666/93) preconizar que os pagamentos devem seguir uma hierarquia por fonte de recursos, não se admitindo pagar fora da ordem. Outras dívidas públicas não pagas, como desapropriações, direitos trabalhistas, indenizações, dentre outras, podem se transformar em precatórios cujos pagamentos se estendem por anos, em alguns casos, décadas.

Em todas as situações a falta de pagamento ou sua suspensão (moratória), causa danos a toda sociedade. O fluxo de capital é impactado, os juros se elevam, e o crédito para novos tomadores é reduzido, entre outras consequências.

(*) Clésio Guimarães é empresário, professor, administrador de empresas e representante do CRA-Conselho Regional de Administração.