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Coluna

A Lenda de Prometeu

02 julho 2022 - 06h49

A mitologia grega é rica em ensinamentos que podem ser utilizados como metáfora às diversas situações dos dias atuais. Prometeu é uma delas. Segundo a lenda grega, Prometeu e o seu irmão Epimeteu eram titãs que tiveram a responsabilidade de criar os mortais sobre a face da terra, tanto animais quanto seres humanos. A missão de Epimeteu, cujo significado do nome é “aquele que vê depois”, era da criação, e a de Prometeu, cujo nome significa “aquele que vê antes”, de supervisionar a obra do irmão. Assim, Epimeteu pôs mãos à obra e criou os animais, concedendo-lhes variados talentos, como força, coragem, velocidade, presas, garras, asas e agilidade. Chegando a vez dos seres humanos, criados a partir do barro, não havia mais habilidades para capacitá-los. Preocupado, conversou com seu irmão explicando-lhe a situação. Prometeu, que tinha um bom coração, compadeceu-se da humanidade e, sorrateiramente, roubou o fogo dos deuses e o deu aos homens e mulheres mortais, fato que lhes deu vantagem e superioridade em relação aos animais. Ter o fogo significava ter o dom do conhecimento, além do domínio de transformação da natureza.

Quando Zeus, deus dos deuses, descobriu o roubo, ficou terrivelmente irado e impingiu a Prometeu um terrível castigo. Foi acorrentado no topo do Monte Cáucaso por Hefesto, deus da metalurgia. Durante o dia uma enorme águia surgia e comia seu fígado. À noite, o órgão se regenerava e, no dia seguinte, o pássaro voltava e o devorava novamente, uma vez que ele era imortal. Somente muitas gerações após é que ele foi libertado pelo herói Héracles (Hércules).

O dom do conhecimento, representado pelo fogo, dado aos mortais, servia tanto para o bem quanto para o mal, e esse poder que os humanos passaram a ter despertou a fúria dos deuses, especialmente de Zeus, responsável por destinar a Prometeu o castigo que recebeu.

Na atualidade, nos regimes democráticos, o povo concede aos seus representantes poderes para em seu nome exercerem a governança do país em todos os seus aspectos. O artigo 1º da Constituição Federal de 1988 estabelece que: “Parágrafo Único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Utilizando a lenda como metáfora, Prometeu representa o povo, que outorga poderes a representantes que se posicionam como deuses e em contrapartida impõem castigos diuturnos à população. Exagero? Creio que não. Basta ver a carga tributária que pesa sobre a população, notadamente sobre os que recebem salários menores. A forma como vem sendo praticada a política de preços dos combustíveis é outra prova disso. Não importa os acordos internacionais que foram estabelecidos pelo governo, importa mais perceber o sofrimento que recai sobre a população, que tudo tem que suportar sem chance de defesa. Poderia ser argumentado que quem paga o preço dos combustíveis são os proprietários de veículos, mas esses preços repercutem sobre os fretes e custos de produção, que acabam desabando nos preços finais dos produtos. Por semelhante modo, a política de preços da energia elétrica é sufocante, atingindo a todos, sempre em favor das concessionárias. Assim como as de água e gás, que também são detentoras de concessões públicas. Nenhuma empresa absorve aumentos de custos sacrificando seu lucro. A primeira medida que toma é transferir os aumentos para os preços dos seus produtos que serão pagos pelos consumidores.

Seria hilário se não fosse verdade, mas a Constituição Federal no art. 2º estabelece que “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - Construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - Garantir o desenvolvimento nacional; III - Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - Promover o bem de todos”. Estamos longe dessas letras, pois não é o que se constata. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em novembro de 2020, o Brasil tinha mais de 13 milhões de pessoas na extrema pobreza, aqueles que, de acordo com o Banco Mundial, vivem com até R$ 151,00 por mês, e quase 52 milhões na pobreza, com renda de até R$ 436,00 por mês. Diante desse quadro somos levados a concordar com Karl Max (1818 – 1883), sociólogo e economista alemão, que disse: “O governo do estado moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda classe burguesa”.

O castigo imposto a Prometeu foi um dos mais cruéis e dolorosos que uma pessoa poderia sofrer, pois o fígado é um dos órgãos do corpo humano mais sensível à dor. Em uma luta de boxe, por exemplo, atingir o fígado constitui um golpe ilegal, pois implica em impor nocaute ao adversário. É o que acontece com o povo, pois por ter outorgado poderes aos dirigentes políticos, vem sendo castigado desde sempre por essa praga que assola o Brasil e que criou raízes profundas.

Prometeu e Epimeteu representam duas polaridades. Eles são o símbolo da dualidade entre aquele que prevê ou que age com sensatez, discernimento e previdência, e aquele que não reflete antes de tomar atitudes, sendo impetuoso e ágil, figuras tão reproduzidas na modernidade. Ariano Suassuna (1927 – 2014), escritor e poeta nordestino, disse certa vez que: “O que é muito difícil é você vencer a injustiça secular que dilacera o Brasil em dois países distintos: o país dos privilegiados e o país dos despossuídos”. ]

(*) Clésio Guimarães é empresário, professor, administrador de empresas e representante do CRA-Conselho Regional de Administração.