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Coluna

A falência das profissões

20 janeiro 2023 - 11h51

Foi amplamente noticiado pela imprensa um polêmico projeto de lei, de n.º 3081/22, proposto pelo deputado federal não reeleito Tiago Mitraud (Novo-MG), que tem como escopo extinguir a necessidade de diploma para 106 profissões, entre as quais engenheiro e médico-veterinário, incluindo o exame para advogado da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Certamente que este projeto não prosperará, mas é algo que não pode ser ignorado, pois a semente foi lançada.

A extinção de profissões tem sido um processo natural em razão da evolução do mundo e do desenvolvimento da tecnologia. Ao puxarmos a linha do tempo, começando com a descoberta do fogo, invenção da roda, escrita, imprensa, rádio, telefone, televisão, internet, passando pelas grandes navegações e a Revolução Industrial, podemos perfeitamente identificar dezenas de profissões que foram criadas e extintas por absoluta obsolescência dos processos que foram substituídos. Os fazedores de fogo, através do atrito de dois objetos sólidos, não existem mais; os antigos jornais, como o Acta Diurna (59 a.C.) do Império Romano, esculpido em pedras ou placas de metais, desapareceram; os datilógrafos foram substituídos pelos digitadores; a fotografia em película, substituída pela forma digital; cartas e telegramas substituídos pelo e-mail e Whatsapp, e muitos outros exemplos de técnicas desaparecidas que levaram consigo os profissionais que as utilizavam. Na atualidade, várias profissões estão correndo risco de desaparecer, dada a facilidade de acesso tecnológico aos diversos setores de interesse humano, como bancos, intermediações imobiliárias, despachantes, repartições públicas, entre outras.

Há de se reconhecer, entretanto, que essa tentativa de desqualificar algumas profissões tem origem na perda de qualidade do ensino superior oferecido, aviltado nos últimos tempos pela crescente comercialização do saber. Cada vez mais as universidades substituem a oferta de disciplinas presenciais pela EAD (educação a distância); a substituição do termo “aluno” ou “discípulo” por “cliente” bem evidencia a classe de relacionamento existente entre as instituições. Se considerarmos que no segmento ensino fundamental, ofertado pelos entes públicos, as verbas recebidas pelas prefeituras por transferência do governo federal têm como base o número de matriculados, podemos perceber que o grande esforço será por manter os alunos nas listas de presenças, em detrimento da qualidade do ensino. Por isso as aprovações automáticas, que enviam ao ensino superior pessoas não tão bem preparadas, que por suas vezes não terão muito interesse em fazer o que não foi feito.

Quando lecionava em uma universidade, certa vez fui chamado pelo coordenador do curso onde atuava, e, com muito tato, ele me disse: “Professor, não seja tão rigoroso com os seus alunos, afinal são nossos clientes”. O que na verdade ele queria me dizer é que se eu continuasse a ser exigente, como sempre fora, a universidade poderia perder alunos “clientes”.

A escola forma e normatiza, mas quem seleciona é o mercado de trabalho. E esse mercado é inexorável, não aceita meios-termos, não aceita o quase. Sarah Westphal, escritora catarinense, autora do livro “Quase”, tem uma frase muito oportuna que diz: “Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando, porque embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu”.

Um antigo ditado diz que “quem sabe um pouco de tudo não sabe muito de nada”. A comercialização do ensino esfriou a paixão pelo saber, consequentemente afetando o aprendizado, o que tem levado muitas pessoas a buscar o diploma e a certificação apenas para prestarem concurso ou ingressarem em uma empresa, o que já começa a não ser mais o essencial. As rápidas mudanças que vêm ocorrendo no mundo têm impactado no mercado de trabalho e na vida dos profissionais. A conceituada revista Forbes publicou recentemente uma matéria sobre o “Futuro do trabalho”, mostrando as diversas tendências que irão moldar o comportamento profissional em um futuro bem próximo, como a linearidade na carreira em função da aceleração digital, onde a criatividade e inovação serão fundamentais. Certamente que isso redundará em alteração no perfil de diversas profissões, levando mesmo ao desaparecimento de muitas delas. Paulo Freire (1921 – 1997), educador e filósofo brasileiro, é o autor de uma frase que merece ser pensada: “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”. E com outra frase ele completa: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”.