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Coluna

3 em 1

19 abril 2021 - 14h18

1 – Síndrome do Impostor
Eu imagino que algumas pessoas devem detestar o que escrevo aqui toda semana, ou que sequer leiam. Na verdade, isso só me faz insistir ainda mais em bater na mesma tecla. Até porque, saber que muita gente não se interessa pelo assunto, ou discorda dele completamente, é só combustível para que eu continue. Falar sobre o machismo que vivemos diariamente me causa duzentas e noventa e nove emoções ao mesmo tempo, toda vez que sento pra escrever é a mesma coisa. Uma delas é que me sinto falando de uma posição muito privilegiada, me questiono muito em como eu poderia usar este espaço para dar voz a pessoas que não tem a mesma oportunidade e sofrem muito mais com o patriarcado que eu. Muitas vezes uso exemplos de mulheres negras que simplesmente não se encaixam no feminismo branco, pois a luta delas ainda está atrasada em relação a nossa, pelo ‘simples’ fato de termos nascido brancas e não precisarmos lutar além de tudo contra o racismo, e na maioria das vezes também contra um abismo social ainda muito crítico no país. Racismo esse que não importa quantos amigos negros você possa ter, o quanto da sua árvore genealógica vem de raízes pretas, se sua pele é branca, você não vai entender. Uma série brasileira que me tocou muito em relação a esse assunto foi “Coisa Mais Linda” da Netflix. Se não assistiram ainda, recomendo. E isso me puxa para a segunda fase desse texto.


2- A culpa é da mulher
Esses dias, debatendo certos assuntos com amigos próximos sobre relacionamentos abusivos (que foi o tema da coluna anterior), percebi que é muito difícil para as pessoas entender como uma mulher não consegue sair da situação. Ou até mesmo na cabeça de muitos: Por que ela escolhe estar naquela situação? O que é preciso para que ela tome a decisão de mudar? Se vocês leram a coluna anterior, muito do que eu disse explica esse sentimento da mulher de as vezes sequer perceber. Mas e quando elas percebem? Por que mesmo assim ‘escolhem’ se manter numa posição muitas vezes degradantes? A maioria de nós vivemos relacionamentos que de alguma forma nos é abusivo, justamente pelo machismo estrutural, e muitas de nós reproduzimos isso sem nem perceber. Defendemos o homem, em sua ‘natureza’ com a maior naturalidade do mundo, por que fomos ensinadas assim. Já que citei uma série, citarei outra, também na Netflix, chamada ‘Bom Dia Verônica’, também brasileira, fortíssima e necessário estômago forte. De novo, se puderem, assistam.
Os motivos podem ser inúmeros e somados e multiplicados e desesperadores. Pode ser medo por apanhar constantemente e ver seus filhos apanhando. Medo por saber que o marido é violento a ponto de colocar a sua vida e de seus filhos em risco. Medo de enfrentar o mundo sozinha. Mundo esse que a faz acreditar que não vai encontrar coisa melhor. Mundo esse que na maioria das vezes duvida e ironiza dessa dor e desse relato quando finalmente ela consegue ir a público ou à polícia. Medo de uma justiça falha. A instabilidade financeira, a falta de suporte da família. Eu poderia ficar aqui listando muitas coisas que levam mulheres a se calar e continuar vivendo um relacionamento abusivo. Mas vou falar um pouco também dos homens.


3- Não afeta um lado só
Que por sua vez, também numa grande maioria, não enxerga ou prefere não enxergar que também sofre com seus rótulos. Penso muito nisso quando olho pro meu filho. Quero muito que ele saiba que está tudo bem chorar e demonstrar seus sentimentos, que isso não o fará mais frágil ou ‘mulherzinha’ ou ‘viadinho’. Que ele saiba se posicionar no grupo de amigos. Se defender caso ele goste de rosa ou de balé ou qualquer coisa que seja ‘pré-determinado’ feminino. Como por exemplo se ele quiser ter cabelos longos e passar por algum tipo de bullying na escola. Quero que ele saiba que ele não tem a obrigação de ser uma fortaleza o tempo inteiro ou de prover sozinho uma família. E que caso ele tenha uma família, ele seja o que um pai de verdade deve ser, e não o pai que ‘ajuda’ ou faz o mínimo. Mostrar pra ele de alguma forma que mulheres não são seres inferiores, menos merecedoras, objetos de posse. Ou que podem ser contabilizadas numa lista, ou envolvidas em disputas de egos. Que vamos muito mais do que pedaços de carne a serem consumidos. Que merecemos tanta admiração, respeito, amor e honra quanto qualquer homem do universo. Se eu conseguir passar tudo isso pra ele, vou me sentir extremamente vitoriosa. Mas sei que o mundo lá fora é cruel. E diante de tudo que estamos vivendo, nem sei que tipo de mundo estou deixando pra ele. Mas estou tentando, e se você está lendo até aqui, primeiramente, obrigada, pode ser que de alguma forma eu esteja fazendo minha parte, mesmo que aos poucos, se te prendi até aqui, se te fiz sentir ou questionar algo, já sinto que estou no caminho certo.