Desde a notícia de que a proposta de um novo Plano de Cargos, Carreira e Remuneração (PCCR) foi enviado pelo governo municipal para a Câmara, os olhos se voltaram para o Legislativo. Os vereadores têm recebido a pressão de professores e de outras categorias da administração municipal para que não votem o projeto do Executivo na surdina e sem alterações no texto.
Para defender o projeto, o prefeito chegou a postar um vídeo nas redes sociais afirmando que o PCCR “levou o município a uma crise permanente, causando atraso no pagamento dos salários e greves constantes”. Mas, em reunião com representantes de vários sindicatos na tarde desta terça-feira (14), ele teria garantido que nunca fez um estudo de impacto financeiro para comprovar tal afirmação.
– Em todas as reuniões que sempre tivemos com o líder do governo na Câmara, ele afirmou que havia um estudo de impacto financeiro que comprovava que o PCCR era nocivo à saúde financeira da Prefeitura. Mas o prefeito foi taxativo: disse que nunca fez o estudo, nem vai fazer, e que esta é uma decisão política – denunciou Augusto Rosa, um dos coordenadores do Sepe Lagos.
A Folha pediu resposta à Prefeitura, que enviou o posicionamento do prefeito José Bonifácio.
"A crise financeira em Cabo Frio vem de três administrações anteriores, por impossibilidade financeira e orçamentária da Prefeitura. Após a implantação do Plano de Cargos e Salários, esses governos deixaram de recolher as contribuições Previdenciárias do INSS e do Ibascaf, gerando uma dívida imensa para os cofres públicos municipais. Desde então os servidores só recebiam seus salários com atraso. Se os novos concursados forem nomeados com as regras estabelecidas no Plano em vigor, Cabo Frio vai à falência. O desempenho das três administrações anteriores comprova a necessidade de alteração nas regras vigentes. Por mais respeito que eu tenha pelos servidores e seus familiares, a cidade tem compromissos a cumprir com o restante da população. Precisamos aplicar recursos em muitas outras área. Ressalto que o Plano que enviei para a Câmara Municipal vai reger a vida funcional somente dos concursados de 2021 e os futuros. Mentem os que dizem que servidores atuais perderão direitos, disse o prefeito, por meio de nota.
Sem solução, uma audiência pública foi realizada no plenário da Câmara, na noite da última quarta-feira (15), mas contou com a presença de apenas três dos 17 vereadores: Roberto de Jesus (que convocou a audiência), Luis Geraldo e Douglas Felizardo. Também participaram Marilene Moreira, da Associação dos Aposentados, Pensionistas e Ativos do Ibascaf; Denize Alvarenga, coordenadora-geral do Sindicato dos Profissionais da Educação (Sepe Lagos); Fábio Claudino, presidente do Sindicato dos Servidores de Cabo Frio (Sindicaf); Flávio Ferreira, presidente do Sindicato dos Fiscais Municipais da Prefeitura de Cabo Frio; e Gelcimar Almeida, presidente do Sindicato dos Profissionais da Saúde de Cabo Frio (SindSaúde), além de servidores que ocuparam a assistência e representantes do departamento jurídico da Câmara. O prefeito José Bonifácio foi convidado, mas não compareceu nem enviou justificativa para a ausência.
Durante o encontro, transmitido ao vivo pelo Facebook da Câmara, não faltaram críticas ao novo projeto e ao prefeito, que chegou a chamar de mentirosos quem diz que o novo plano vai alterar as regras para os servidores efetivos já empossados.
“Na verdade ele terá impacto apenas para os concursados de 2020, que serão convocados, e outros futuros”, garantiu Bonifácio, que também acabou sendo chamado de mentiroso em vários momentos da audiência.
– Mentiroso é ele. Quando ele diz que essas alterações que enviou para a Câmara não afetarão a educação nem os servidores já efetivos, ele mente, porque essa alteração mexe com a lei 11, e educação depende da lei 11 para uma série de coisas – denunciou Denize Alvarenga.
O presidente do Sindcaf chegou a comparar o novo projeto do prefeito à PEC 32, uma Proposta de Emenda à Constituição apresentada em 2020 pelo governo federal ao Congresso Nacional e que mudava regras para futuros servidores, alterando a organização da administração pública, restringindo a estabilidade no serviço público a carreiras típicas de estado. Ela foi aprovada em 2021 com algumas alterações.
ATAQUE A CARGOS COMISSIONADOS
Já o presidente do Sindicato dos Fiscais denunciou que enquanto o prefeito quer cortar direitos e reduzir salários de servidores, o Portal da Transparência revela a existência de famílias inteiras nomeadas em cargos de altos salários.
Um levantamento feito pelo vereador Roberto de Jesus revela que atualmente a Prefeitura tem 19 procuradores comissionados, cada um com salário de R$ 6.137,00, além de 24 assessores jurídicos e quatro subprocuradores também comissionados. Os dados, segundo ele, mostram ainda que existem nos quadros de efetivos do governo municipal de Cabo Frio vagas para procuradores concursados que não estão preenchidas, e cujos salários são de R$ 3.764,00. Outro estudo feito pelo gabinete do vereador mostra que em 2021 o governo José Bonifácio gastou R$ 55 milhões para pagar funcionários comissionados; R$ 99 milhões para pagar servidores de processos seletivos, enquanto o custo com os concursados de 2020 será de cerca de R$ 29 milhões/ano.
– Isso deixa muito claro que a convocação dos concursados não é o problema. O problema é o excesso de comissionados, são os fantasmas, os cargos de processo seletivo que deveriam ser ocupados por concursados – destacou, lembrando que o projeto do prefeito ainda extingue vários cargos que tiveram candidatos aprovados no concurso de 2020, como cuidadores e coveiros:
– Se a Câmara aprovar esse plano, essas pessoas que foram aprovadas para esses cargos não serão convocadas – reforçou Jesus.
Entretanto, o presidente da Casa, Miguel Alencar, disse que ainda haverá muita discussão até que o projeto seja colocado em pauta. Uma reunião com os sindicatos deve acontecer na próxima semana, mas ainda sem data. “Não tenho a menor pressa nisso”, afirmou.
Questionado sobre o argumento do governo de que não é possível homologar o concurso público de 2020, sem a alteração no PCCR, Miguel disse que não há impedimento legal para que isso aconteça e defendeu o diálogo do governo com os servidores.