A Prefeitura de Arraial do Cabo faz mistério sobre a data e os detalhes da nova edição da 'LiterArraial', mas a Folha apurou, de forma extraoficial, que o evento será retomado este ano e que, em vez de feira, passará a ser chamado de festival literário. A proposta seria dar uma repaginada no formato, mantendo o nome LiterArraial, mas ampliando a programação e o conceito do evento, que deverá contar com mais atividades culturais e artísticas.
A notícia da reedição do evento foi recebida com expectativa e desconfiança pelos escritores da cidade. A primeira edição, realizada em 2023, recebeu críticas por não ter dado maior espaço aos autores locais.
A escritora Rosana Andreia, que também preside a Academia Cabo-friense de Letras, espera que o festival finalmente contemple os autores da cidade:
— Como escritora cabista, espero que a próxima LiterArraial prestigie os autores locais e abra um espaço para que esses possam mostrar à sociedade cabista as suas produções — afirma.
Para ela, as feiras literárias são mais que eventos culturais:
— Quem escreve a história e a memória de um povo, quem registra, são os escritores, através da escrita. São, em sua maioria, professores, pesquisadores, artistas que quando produzem cultura abraçam a própria história e a memória dos locais onde habitam.
Rosana também chama atenção para o fato de o Rio de Janeiro ser, este ano, a Capital Mundial do Livro pela Unesco:
— Acho que todo o movimento literário de feiras e eventos específicos precisa honrar e dar visibilidade significativa a esse título — defende.
Já o historiador Leandro Miranda, autor de K-36 – o zeppelin que caiu no Cabo e Histórias do Arraial e a Fábrica da Baleia, demonstra ceticismo em relação à nova edição:
— Minha expectativa não é muito boa com relação à LiterArraial, uma vez que na primeira edição não fui convidado, mesmo tendo dois importantes livros lançados sobre a história de Arraial do Cabo e um trabalho de pesquisa histórico com reconhecimento nacional e internacional — lamenta.
Ele reforça a importância da presença local:
— A participação de escritores locais é muito importante para mostrar nossa obra para aqueles que ainda não a conhecem. Outro ponto importante é a troca de experiências entre os escritores locais que forem participar. Já o público, em sua grande maioria jovens leitores da rede pública de ensino, terá a possibilidade de ver que autores locais um dia foram alunos assim como eles.
O professor Luiz Fernando de Melo Bretas, autor de Do Mar à Mesa – a pesca e a culinária típica da região do Cabo Frio, compartilha da crítica:
— Eu não espero nada. Só gostaria que, ao contrário da primeira, dessem mais importância aos escritores e editoras locais. Acho isso fundamental para incentivar os alunos das escolas municipais mostrando que pesquisar e escrever sobre o local é importante e tem valor — pontua.
Ele completa:
— Acredito que eventos como esse servem de incentivo para os alunos e demais moradores. Nossa região é repleta de belezas, história e cultura. É preciso valorizar o local antes do global. Precisamos nos conhecer e registrar nossa história antes que ela se perca com o passar do tempo. Penso que uma feira literária sirva não apenas para incentivar a leitura, mas também para incentivar o surgimento de novos escritores. Nesse sentido, nada melhor que valorizar a produção local e incentivar que outras pessoas sigam esse mesmo caminho a partir de exemplos de pessoas da própria comunidade.
Já o professor e escritor Igor Ravasco demonstra entusiasmo, sem perder de vista o papel dos autores da cidade:
— As minhas expectativas para a reedição da LiterArraial são grandes. A primeira, em 2023, foi um sucesso, e foi uma pena a segunda edição não ter acontecido. Um evento que reúne literatura, música, bons debates, mostra um Arraial do Cabo que, como diz o Titãs, “não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte” — observa.
Ele também destaca a importância simbólica da feira neste ano, em que a Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências completa 20 anos:
— A participação do escritor local é importante para desmistificar que escrever é para alguns poucos iniciados. A escrita é um exercício ao qual todos também somos convidados, assim como a leitura. (…) A LiterArraial este ano é a possibilidade de se comemorar os 20 anos da ACLAC, mostrando ao grande público a arte de tantos cabistas — conclui.
Enquanto aguardam os detalhes da programação, escritores e leitores seguem na expectativa de que o evento possa, enfim, valorizar a literatura local, fomentar novos leitores e promover a memória da cidade através da escrita.