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PAPA DA INCLUSÃO

Jovem autista de São Pedro da Aldeia se despede emocionado do Papa Francisco

Davi Mendonça, destaque em matéria no site oficial do Vaticano, diz que o pontífice foi exemplo de acolhimento, respeito e amor ao próximo

29 abril 2025 - 10h15Por Redação
Jovem autista de São Pedro da Aldeia se despede emocionado do Papa Francisco

A notícia da morte do Papa Francisco, na última segunda-feira (21), comoveu milhões de pessoas em todo o mundo. Mas para o jovem Davi Mendonça Cardoso, de São Pedro da Aldeia, a perda teve um significado ainda mais profundo: foi como se fosse a partida de um familiar ou amigo. Aos 21 anos, Davi é autista, escritor e ativista contra o capacitismo. Em setembro de 2021 ele teve a história contada em uma reportagem publicada no portal oficial do Vaticano. Agora, diante da despedida do Pontífice, ele não conteve a emoção.

– Fiquei muito comovido com a morte do Papa, pois não esperava que ele partisse agora. Quando acordei, a primeira notícia que a minha mãe me deu foi a do falecimento do Papa Francisco. Demorei a tomar o café da manhã porque fiquei processando a morte daquele que foi, na minha opinião, o líder mais importante de todo o século XXI. Posso dizer que fiquei de luto - contou.

O sentimento de Davi pode ser explicado por sua história com a fé, a religiosidade e a Igreja Católica. Isso se revela desde a infância, quando ele tinha o sonho de um dia ser padre.

– Fui criado dentro da Igreja Católica. Meu pai é um homem de fé, e minha mãe era integrante da Pastoral da Comunicação. Cresci vendo o trabalho dela no jornal e site paroquiais e na rádio católica da cidade. Gostava tanto do ambiente que, quando pequeno, brincava de ser padre. Quando alguém me perguntava o que eu queria ser quando crescer, eu respondia: "padre!". Cheguei a brincar de ser padre e de rezar a missa. A minha vocação, porém, ficou para a área de TI (Tecnologia da Informação) e Jornalismo - relembrou, rindo.

À Folha, Davi contou ainda que cresceu participando das festividades de Santo Antônio. Durante muito tempo também recebeu, em casa, a imagem peregrina de Nossa Senhora de Schoenstatt. Por toda a vivência que possui no catolicismo, revelou que a morte de Francisco também lhe faz pensar sobre o futuro da Igreja Católica. Isso porque, segundo ele, Jorge Mario Bergoglio (nome de batismo do Papa) “foi um líder que sempre defendeu a inclusão, o respeito, o amor, a tolerância, a diversidade, a justiça social, o acolhimento aos mais pobres, entre tantos ensinamentos tão importantes para uma civilização de paz e respeito”.

– Promoveu avanços com as suas reformas na Igreja e, com isso, acabou despertando a ira e o incômodo do setor mais conservador católico. Temo que todo esse avanço retroceda dependendo de quem for o novo pontífice - alertou. O funeral de Francisco está marcado para este sábado (25). Até o fechamento desta edição, o Vaticano ainda não havia liberado mais detalhes sobre o conclave (processo de eleição de um novo Papa). No entanto, pelas regras atuais, a escolha deve acontecer entre 15 e 20 dias após a morte do pontífice, mas pode ser antecipada se todos os cardeais com direito a voto já estiverem no Vaticano.

Quando fala de Francisco, Davi não esconde a emoção, principalmente por conta dos posicionamentos do líder religioso com relação à inclusão e igualdade.

– O Papa representava para mim uma liderança que viveu da maneira mais próxima de como Cristo viveria se estivesse entre nós. Em um discurso, Francisco disse que "a Igreja é a casa de todos, o coração do cristão é a casa de todos". E um líder que incentiva uma visão de mundo de respeito e inclusão, sem discriminar nem colocar as minorias como dignas de pena, representa a visão de tratar a todos com o mesmo respeito, dignidade, amor, carinho e acolhimento, como qualquer ser humano, por também sermos irmãos, filhos de Deus.

A reportagem que destacou a história de Davi no site do Vatican News teve como tema as "Lições de vida de um jovem autista". Nela, Davi e sua mãe, a jornalista Simone Mendonça, falaram sobre os desafios e conquistas na luta contra o capacitismo, inclusive dentro das escolas. A matéria mostrava não só o autismo de Davi, mas seu amor pela literatura, filosofia, sua experiência como jovem aprendiz e o período em que morou em Portugal.

– Foi uma surpresa e uma oportunidade única, muito especial. Fiquei feliz e satisfeito porque, durante muito tempo, o Vaticano não deu visibilidade às pessoas com deficiência por compartilharem de uma visão capacitista (discriminação contra pessoas com deficiência, inspirada numa visão de que elas são menos capazes, piores ou insignificantes se comparadas às pessoas sem deficiência). E a matéria desmistificou o autismo, contando um pouco da história da minha vida, mostrando a minha relação com a fé, como ela me ajudou a superar o preconceito presente na sociedade com os autistas. Para mim, foi ganhar uma representatividade, mostrando que a nossa condição não nos impede de ter fé, nem de exercê-la, e de romper com uma visão de que o autismo é um problema que está em nós e que, por isso, todos deviam sentir pena de mim. Na verdade, o problema não está na deficiência, mas na sociedade. Jesus curou o cego, fez andar o deficiente físico, tocou nos leprosos. Ele sempre atendia aos necessitados e levava esperança aos que eram excluídos pela sociedade - comentou Davi.

Francisco não apenas falava sobre inclusão: ele a praticava. À Folha, o jovem morador de São Pedro disse se lembrar de uma audiência em que um menino autista subiu ao palco e foi recebido com carinho pelo Papa.

– O Papa realmente se importava com a inclusão e com pessoas como eu. Um dos vídeos que vi no Instagram, de um dos grandes momentos do Papa Francisco, foi quando um garoto autista sendo acolhido pelo Pontífice. Durante uma audiência, um menino com autismo se aproximou dele durante a cerimônia e apertou as suas mãos enquanto saltava empolgado. Um dos cardeais que estava sentado perto do Papa percebeu a vontade do menino de ficar por ali e cedeu o seu lugar. O garoto circulou livremente pelo altar e tentou tocar no solidéu, o barrete redondo usado pelo Santo Padre na cabeça. Depois de muitas tentativas, o menino foi presenteado com um acessório idêntico. O Papa falou que o menino tinha "limitações médicas" e afirmou que a atitude da criança era uma lição porque tinha vindo do coração - revelou Davi.

Ele também lembrou que, em 2020, Francisco havia reafirmado que todas as pessoas com deficiência (PCDs) têm o direito de receber os sacramentos, incluindo batismo, eucaristia e crisma, enfatizando ainda que as celebrações devem ser acessíveis, proporcionando a participação de todos os fiéis.

– O Papa introduziu também o termo "capacidades diferentes" para destacar as contribuições únicas que as PCDs podem oferecer à civilização e à Igreja, ressaltando a importância de uma mudança na mentalidade coletiva para reconhecer e valorizar tais talentos. Ainda defendeu que a inclusão vai além da eliminação de barreiras físicas e insistiu na formação de agentes pastorais para lidar com a deficiência de maneira inclusiva, mudando atitudes e pensamentos excludentes. Francisco apoiou e fortaleceu também a campanha "#IamChurch" promovida pelo Discatério para Leigos, a Família e a Vida, que visa dar voz às pessoas com deficiência que desempenham papéis ativos e significativos dentro da Igreja. Uma vez, pediu também: "Rezemos para que as pessoas com deficiência estejam no centro da atenção da sociedade" - relembrou.

Para Davi, não há dúvidas de que o maior legado do Papa está no modo como tratava a diversidade humana: com amor e igualdade. Ele lembra, com carinho e admiração, sobre como Francisco falava sobre respeito e diversidade, sem discriminação, julgamento, e com acolhimento.

– Uma vez ele disse: "Todos são filhos de Deus, amo todos, o julgamento do que é certo e errado eu deixo para Deus". Outra vez ele almoçou com moradores de rua e transexuais. Ou seja, a consideração e o acolhimento aos marginalizados, e o respeito às mulheres (que ele sempre afirmou não ser um ser humano de segunda categoria), foi um comportamento que, na minha opinião, notabilizou o seu papado. O inconsciente coletivo construído com uma imagem masculina da Igreja também foi rebatido por Francisco, que afirmou que a Igreja é mulher e por isso devemos desmasculinizá-la.

Assim como milhares de fiéis em todo o mundo, Davi também não pôde se despedir do Papa Francisco. Mas, caso tivesse essa oportunidade, ele sabe, exatamente, o que gostaria de ter dito ao pontífice:

– Obrigado! Obrigado por tudo o que pregou, defendeu e acolheu para ajudar a Igreja a se tornar uma casa-mãe, acolhedora de todos os que nela se abrigam pela fé, sem discriminar nem julgar as pessoas por elas serem quem são. Agradeço, também, por ajudar a dar voz e oportunidade para tornar a Igreja um local de acessibilidade, inclusão e respeito. Por ouvir as pessoas com deficiência e pedir para sermos centro da atenção da sociedade. Por permitir que possamos desempenhar funções atuantes e relevantes trabalhando para a nossa Igreja. Muito obrigado por, também, não se esquecer que Deus é amor, e por isso não ter desistido de tentar a construção de um mundo melhor. Por tudo isso, te agradecemos e desejo que vá em paz, Santo Padre.

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