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DIÁLOGO

"Investimento público na área de Cultura é fundamental", afirma Leonardo Giordano

Secretário das Culturas de Niterói defende que setor tenha tenha mesma atenção que Saúde e Educação e costura pauta única estadual 

05 março 2022 - 11h19Por Rodrigo Branco

O setor de Cultura é um dos mais sacrificados, desde o começo da pandemia. Em Niterói, para impedir a desintegração do setor, foram lançados editais de fomento e outras políticas públicas que garantissem a subsistência dos trabalhadores nesse período. No município da Região Metropolitana, quem está à frente do processo é o secretário das Culturas, Leonardo Giordano, que esteve em Cabo Frio no fim de fevereiro para um encontro com lideranças do setor na região. 

Na pauta, além da troca de experiências,  a busca pela construção de uma pauta única do segmento para que os candidatos a governador e presidente assumam como compromisso em um eventual mandato. Nesse papo com a Folha, Giordano fala da experiência da gestão em Niterói e da importância que a Cultura tem para a sociedade.

– A Cultura é um direito e a gente precisa afirmar isso, mesmo agora em 2022, porque muitas vezes ela é tratada como um subtema, como uma questão menor – avalia. 

Folha dos Lagos – Como Niterói tem enfrentado a pandemia na área cultural? 

Leonardo Giordano – Nós fizemos muitos investimentos que já acontecem desde a gestão do ex-prefeito Rodrigo Neves e que continuam na gestão do atual prefeito Axel Grael. Eu poderia enumerar alguns deles. Todos os microempreendedores individuais da área cultural em Niterói receberam auxílio emergencial ao longo de toda a pandemia. Todas as artesãs e artesãos cadastrados regularmente, que tiveram suas atividades interrompidas receberam auxílios do governo. Fizemos um total de quase R$ 15 milhões disponíveis em editais públicos de fomento ao setor cultural. Por exemplo, Niterói comprou a produção cultural local em um edital e contemplou 340 artistas. Niterói fez um outro edital que contemplou mais 200 pessoas, para premiar as ideias criativas. Tivemos 120 premiados em coletivos culturais e ações territoriais em um edital que pretendia ver essa questão da cultura e do território. Disponibilizamos para as empresas produtoras, as empresas mais robustas, R$ 3 milhões na Lei de Incentivo à Cultura local.  A gente fez R$ 15 milhões em editais públicos, sem contar os auxílios. Sem contar, por exemplo, que em outro programa da Prefeitura tivemos a cidade pagando a cada funcionário, desde que a empresa se comprometesse a não demitir. Isso também atingiu as empresas da Cultura na cidade. E a gente construiu um conjunto de ações que tentaram defender a nossa cidade desse momento difícil realizando investimento público. Acho que essa é a senha. A cidade de Niterói fez uma política de frontal investimento público, no momento que o setor estava se retraindo, que a pandemia tirou empregos, abalou a cadeia produtiva da Cultura e quem mais sofreu, certamente, foram as pequenas produções, os pequenos coletivos, as trabalhadoras e trabalhadores que dependem da realização cultural como seu rendimento. Então essa política ampla e democrática, com esses editais com amplo investimento, esses auxílios diretos e essas ações gerais da Prefeitura defenderam um pouco a gente para fazer essa travessia. 

Folha – O setor cultural, e a sociedade com um todo, foram muito impactados com a pandemia. Você entende que é o papel do poder público induzir essa retomada? 

Giordano – Eu acho que a gente precisou fazer ações emergenciais na pandemia e se você pegar o histórico de investimentos de Niterói, a gente começa a contemplar muita gente, muito rápido, com valores de auxílio de socorro e evolui, já para o fim do ano, para editais de retomada econômica, editais mais potentes, com mais recursos disponíveis. A gente está financiando de maneira direta em um desses editais, que o Fomentão, e o maior edital que a gente já fez pra múltiplas linguagens da cidade pagando projetos de até R$ 70 mil. Nós fizemos linhas que permitiam projetos de até R$ 500 mil no edital de Lei de Incentivo à Cultura. Uma evolução também desse trabalho não é só o socorro emergencial; ele aconteceu, ele foi forte, o mais rápido que a gente podia prover, mas também pensar a cadeira produtiva da cultura. Pensar essa organização, a geração de emprego, a sustentabilidade e isso a gente conseguiu também fazendo editais estruturantes na etapa seguinte, preparando o futuro. Então nesse momento da pandemia, também que foi um momento muito duro e, ao mesmo tempo, precisa como em todos os períodos, da proximidade do poder público, de muito investimento, porque é isso que o governo faz em outras áreas. O governo não pensa duas vezes antes de dar um incentivo fiscal para uma indústria, para atraí-la para sua cidade, ninguém pensa duas vezes antes de melhorar as leis e diminuir a burocracia, pra que as pessoas abram negócios. Então o investimento público na área de cultura é fundamental. Se a gente pegar o recorte brasileiro, vai ver que tem 5,5 milhões de brasileiras e brasileiros que são vinculados diretamente à área da cultura. Em Niterói, a gente fez o apoio a microempreendedores individuais e a gente fez para todos eles, mas quando abriu a lista viu que 12% do total tinha CNAEs, registros vinculados à Cultura da nossa cidade. Então o peso da economia da cultura é muito grande, a cadeia produtiva desse setor é muito relevante e ele é fundamental para reafirmar a cultura como direito. Esse é o centro do que a gente tem dito na secretaria, mas ao mesmo tempo também pra ativar a economia e a geração de emprego de todos os outros setores da economia local. 

Folha – Como trazer essas experiências para a realidade da Baixada Litorânea? 

Giordano – A gente está propondo o programa Caravana da Cultura, mas ela é uma caravana para a gente aprender, mas também para repassar as experiências que a gente tem lá. É uma caravana de troca. Então a gente veio aqui também para aprender com as experiências locais. A ideia é que a gente possa correr o estado do Rio de Janeiro, trocando metodologias, ações, mecanismos de governo, formas de fazer que melhorem a parte administrativa e gestão cultural tanto lá em Niterói como nas cidades visitadas. Aqui na Baixada Litorânea, a ideia é que a gente encontre todos os gestores de todas as cidades que envolvem a Baixada Litorânea a que a gente construa com eles um termo de cooperação técnica, troca de conhecimentos, experiências, metodologias, a gente fazer consultorias junto com esses municípios. E ao final disso, fazer uma articulação em defesa das políticas culturais com todas essas cidades. A nossa proposta é que a nossa caravana, que está começando aqui na Baixada Litorânea, aconteça em todo o estado do Rio de Janeiro e, ao final, volte a visitar a Baixada Litorânea, trazendo todos esses municípios para a gente formular um Programa Estadual de Cultura para ser entregue a todos os candidatos a governador do estado, para que todos eles assinem e se comprometam e aos candidatos à Presidência da República. Então esse é um debate que a gente quer construir pensando em como devem ser melhoradas as políticas estaduais na área da Cultura. Questões decisivas que a gente esta enfrentando nas políticas nacionais, a gente tem a lei Aldir Blanc 2, a gente tem a Lei Paulo Gustavo e ao mesmo tempo defender o Programa Estadual de Cultura, onde a gente pode pautar temas como a descentralização dos investimentos atuais para que eles cheguem de fato às prefeituras, consolidar um calendário estadual dos editais para que possa ser nítido pra todas as cidades quando eles vão acontecer e usar essas experiências da cidade para que a gente possa consolidar um documento estadual que seja forte que cobre ações decididas e reestruturantes na área da Cultura. Há esses dois movimentos. O termo de cooperação técnica entre governos, onde a gente pode melhorar muitos aspectos da governança, muita coisa boa, a diminuição da burocracia para os editais, as prestações de conta, a gente dividir a tecnologia da Lei de Incentivo à Cultura e, por outro lado, as nossas reivindicações. O que a Baixada Litorânea, junto com Niterói e as outras cidades que devem ser envolvidas devem reivindicar dos futuros governantes do estado do Rio de Janeiro para que a gente não viva apenas do que vão prometer esses governantes. Que a gente faça uma carta de propostas e peça a todos eles, de todos os partidos, que se comprometam com a Cultura. Esse é um pouco do sentido na nossa vinda aqui também. 

Folha – Quais os principais problemas que você identifica no setor cultural, de maneira geral? 

Giordano – Eu penso que as políticas federais na área da cultura foram completamente desarticuladas, infelizmente. A melhor notícia que a cultura teve no difícil período da pandemia foi a lei Aldir Blanc, que é uma vitória da própria organização da Cultura com o Congresso Nacional, muito mais que uma proposta do Governo Federal. Ela não é uma proposta do Governo Federal, ela sai de baixo para cima. E é nisso que eu acredito. Acho que a Cultura vai ter, cada mais força, na medida em que a gente organizar esse setor e ele tiver potência para reclamar as suas questões. A questão dos investimentos é decisiva, mas eu acho que eles podem chegar conforme a gente se organize e defina com nitidez que a Cultura é um direito. Esse é um debate que ainda está para ser ganho. Muita gente defende que tem que escolher entre investimentos na Cultura e investimentos na Saúde, na Educação, na moradia, no emprego. E, na verdade, isso não faz nenhum sentido, porque todas as nações que se desenvolveram e foram fortes e outros temas, tiveram amplo investimento na área da Cultura. Então a Cultura é um direito e a gente precisa afirmar isso, mesmo agora em 2022, porque ela é tratada muitas vezes como um subtema, como uma questão menor. E Cultura é geração de emprego, estruturação das nossas cidades. É o acesso à nossa identidade, à nossa memória, a proteção dos valores locais, das tradições, as expressões artísticas, das criatividades. Então, defender a Cultura é defender tudo isso e é inteligente, porque a gente está melhorando toda a sociedade em todos os demais temas. O que falta na Cultura é cobrar que os investimentos aconteçam e garantir que ela seja entendida como um direito, que não pode ser sacado pelos governantes e que é de toda a população. 

Folha – Qual o papel pode ter o Orçamento Participativo nesse processo de controle social na Cultura? 

Giordano – É muito importante que nos debates culturais, os artistas participem e eles têm um papel decisivo. Mas é importante que toda a população participe. Por isso as áreas comunitárias e periféricas, os territórios que muitas vezes não veem chegar os investimentos culturais precisam ser chamados para discutir Cultura. O orçamento participativo da Cultura é uma experiência que a gente está fazendo em Niterói para que o bairro discuta a política cultural, para que a gente possa tratar dela com as pessoas que não necessariamente são artistas ou estão organizadas no fazer cultural. Tratar com essas também, mas chamar a população como um todo para discutir que a Cultura é um direito para poder fazer que a gente possa avançar nesses investimentos. Então é um exemplo que liga a ideia da organização popular com a ideia de a gente poder oferecer uma política cultural que tenha lastro na vontade do próprio povo. 

Folha – Como massificar a experiência da ida do público aos espaços culturais? 

Giordano – Acho que a gente precisa atacar isso em diversas frentes. É importante que o acesso aos equipamentos culturais tenham preços  ada vez mais baixos. Em Niterói, a gente está praticando gratuidades nos equipamentos culturais para todo mundo que é da cidade. É importante também que a gente melhore a capacidade de deslocamento; em Niterói a gente está comprando um ônibus pra fazer isso. Mas é muito importante que os centros culturais, teatros e museus, sejam descentralizados também. E que eles sejam construídos nas regiões periféricas. O que a gente vê acontecer na maioria das cidades é se repetem a construção de centros culturais nas áreas que têm maior IDH. É descentralizar os investimentos culturais, chamar o povo para participar. E perguntar para a população onde ele quer os investimentos nas suas áreas.