Um projeto audacioso, para implantação de um novo campo de produção de petróleo e gás, está deixando em alerta ambientalistas, pescadores, líderes comunitários e representantes de comunidades tradicionais da Região dos Lagos. Chamado de “Projeto Raia”, ele é considerado uma das maiores iniciativas de gás natural em desenvolvimento no Brasil. Localizado no pré-sal da Bacia de Campos, a aproximadamente 175 km do município de Armação dos Búzios (onde a lâmina d’água varia de 2.550 a 2.860 metros), o projeto tem previsão de entrar em operação a partir de 2028.
O Projeto Raia visa explorar reservas que podem chegar a mais de 1 bilhão de barris de petróleo equivalente, sendo a maior parte desse volume composta por gás natural. A produção será realizada por uma unidade flutuante de produção e armazenamento de gás, com capacidade para processar até 16 milhões de metros cúbicos de gás por dia. A estrutura será capaz de escoar até 14 milhões de metros cúbicos diariamente para o mercado nacional. O empreendimento é comandado por um consórcio formado pelas empresas Equinor (35%), Repsol Sinopec Brasil (35%) e Petrobras (30%).
Com um investimento estimado em cerca de US$ 9 bilhões, o projeto promete atender perto de 30% da demanda de gás natural do Brasil, contribuindo para reforçar a segurança energética do país. Além disso, estima-se que a iniciativa gere até 50 mil empregos diretos e indiretos ao longo de sua implementação e operação, o que pode trazer impactos significativos para a economia da região e do Brasil como um todo.
Além da estrutura flutuante de produção e armazenamento, o Projeto Raia contará com um complexo sistema de infraestrutura marítima e terrestre. No mar, estão previstos poços de produção, gasodutos submarinos para escoamento do gás, além da própria plataforma de armazenamento. Em terra, o gás será escoado até a praia de Lagomar, em Macaé, onde será direcionado para unidades industriais na cidade. Também estão previstos voos regulares para transporte de equipes técnicas, com embarque e desembarque realizados no Aeroporto Internacional de Cabo Frio.
Apesar dos potenciais benefícios econômicos, a possibilidade de riscos ambientais vem provocando preocupações em diferentes segmentos da sociedade. Duas audiências públicas sobre o projeto foram realizadas recentemente: uma em Búzios, no dia 7 de abril, e outra em Macaé, no dia 10.
Durante a audiência em Búzios, o secretário de Ambiente e Urbanismo do município, Evanildo Nascimento, destacou a necessidade de medidas preventivas. Segundo ele, a Conferência Municipal de Meio Ambiente de 2024 apontou como prioridade a criação de uma brigada especializada, com apoio da Petrobras e das empresas responsáveis pela exploração, além da implantação de um Centro de Defesa Ambiental (CDA).
– Somos totalmente dependentes do nosso mar territorial por causa das atividades turísticas. Qualquer tipo de acidente na exploração de petróleo e gás pode nos atingir de forma irreversível - afirmou Evanildo, citando como exemplo o acidente com a plataforma Deepwater Horizon, operada pela BP, que explodiu no Golfo do México em 2010. Na ocasião, houve derramamento de petróleo que causou enorme impacto ambiental e econômico na região, afetando ecossistemas marinhos, aves, atividades pesqueiras e o turismo por anos.
A fala do secretário ecoou entre representantes de comunidades locais. Alexandre Marques, da Colônia de Pescadores Z4 de Cabo Frio, questionou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) sobre a ausência de ações compensatórias voltadas para os pescadores de Cabo Frio, Arraial do Cabo e Búzios.
– Quais os impactos das ondas sonoras causadas pelos tubos enterrados? O quanto um pescador será prejudicado por uma onda sonora de um tubo que foi enterrado? - indagou.
Lucinéia dos Santos, representante do quilombo de Baía Formosa, expressou preocupação com os efeitos prolongados do projeto:
— Já estamos sendo impactados, e existe um medo real sobre como será esse projeto. Um vazamento pode afetar por 30 anos a fauna marinha, as aves e a própria população. Estamos falando de algo que começa em 2028 e vai seguir até 2058 - lembrou.
Representando o gabinete do deputado estadual Flávio Serafini (Psol), Lucas Muller também manifestou inquietação quanto à escala do projeto:
– O Projeto Raia vai suprir um quarto da demanda nacional, podendo abastecer todo o estado de São Paulo. Há preocupação com a comunidade pesqueira, o turismo e a economia baseada nas praias. O Instituto Tiê Sangue analisou o EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental) e identificou diversas fragilidades técnicas e metodológicas. Houve, por exemplo, generalização dos impactos ambientais. Não queremos que nossa região se torne uma nova Mariana, Brumadinho ou Golfo do México - comentou.
Em Macaé, representantes da comunidade pesqueira também apontaram falhas no estudo ambiental e lembraram que, em empreendimentos anteriores, muitas promessas de compensações e condicionantes ambientais não foram cumpridas. Por lá, ha temor de que o Projeto Raia transforme o norte fluminense em uma “zona de sacrifício”, onde comunidades tradicionais, povos de terreiro, quilombolas e outros grupos vulneráveis fiquem expostos a riscos e violações ambientais.
Outro ponto de atenção mencionado foi o histórico da Equinor. A empresa, uma das líderes do consórcio, já foi responsabilizada por incidentes ambientais relevantes no Mar do Norte. Em dezembro de 2024, por exemplo, um vazamento de aproximadamente 75 metros cúbicos de óleo da plataforma Njord A, operada pela Equinor, atingiu a costa norueguesa, exigindo uma operação de limpeza ao longo de partes do litoral. Em outro incidente, em abril de 2021, cerca de 17,5 metros cúbicos de óleo vazaram da plataforma Gullfaks C durante a retomada da produção do campo de Tordis. A investigação apontou falhas operacionais e deficiências nos sistemas de segurança, levando a autoridade norueguesa a emitir uma ordem formal para que a Equinor corrigisse as não conformidades identificadas.
Diante dessas preocupações, tanto em Búzios quanto em Macaé, foram solicitadas novas audiências públicas. Movimentos sociais também anunciaram que apresentarão representações aos Ministérios Públicos Estadual e Federal, questionando as inconsistências técnicas do EIA/RIMA e pedindo maior rigor na análise do licenciamento ambiental do empreendimento.