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AUDIÊNCIA PÚBLICA

Deputado mira Prolagos e quer revisão de contrato por crise na laguna; empresa lista investimentos

Debate na Alerj foi marcado por falas conflitantes e ausência dos principais órgãos fiscalizadores

17 maio 2025 - 09h20Por Cristiane Zotich

O deputado estadual Yuri Moura (Psol) disse à Folha que vai criar um grupo de trabalho para revisar os contratos da concessionária Prolagos. O objetivo, segundo ele, é entender a raiz do problema de poluição e degradação da Laguna de Araruama, que está causando prejuízo, principalmente, aos pescadores. A declaração foi feita após uma audiência pública convocada pela Comissão de Assuntos Municipais e Desenvolvimento Regional da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Yuri comandou os trabalhos, cujo foco foi discutir os impactos ambientais e sociais provocados pela degradação da laguna. Com a revisão do contrato, o deputado disse que espera “identificar responsabilidades, cobrar mais transparência e exigir a execução de medidas efetivas para conter a degradação do ecossistema”.

– Vamos cobrar os contratos para chegar à raiz de quem é responsável pelo quê, para parar esse jogo de terceirização de responsabilidades – afirmou o parlamentar.

Durante os trabalhos, o deputado do Psol destacou a importância da Laguna de Araruama ao lembrar que a Região dos Lagos possui 11 municípios, sendo metade deles banhados pelo maior corpo lagunar hipersalino do mundo. Ao todo, foram mais de quatro horas de debates, que contaram com a presença de Bernardo Carmo (presidente do Movimento de Preservação da Lagoa / MPL); Fábio Cerinquela (arqueólogo), Sinval Andrade (diretor-presidente da Prolagos) e representantes da Agenersa, além de pescadores e outros representantes da sociedade civil.

Embora também tenham sido convocados, o secretário estadual do Meio Ambiente, Bernardo Rossi; o presidente do Inea, Renato Jordão; o presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica Lagos São João, Jailton Dias Nogueira Júnior (atual secretário de Meio Ambiente de Cabo Frio); e o prefeito de Iguaba Grande, Fabinho, que atualmente preside o Consórcio Intermunicipal Lagos São João, não compareceram à audiência, assim como representantes das prefeituras de São Pedro da Aldeia, Saquarema e Arraial do Cabo. A ausência dessas autoridades, responsáveis diretos por políticas públicas e pela fiscalização ambiental, foi duramente criticada por parlamentares e membros da sociedade civil presentes.

– Uma calamidade ambiental do tamanho do que está acontecendo com a Laguna de Araruama não se fecha em uma audiência, ainda que tenha durado mais de quatro horas, afora as fiscalizações in loco que realizamos e outras reuniões que participamos. Pretendemos abrir novos espaços como esse, com ampla participação da sociedade civil local, reconvocando os principais órgãos e empresas envolvidas no problema, não aceitando dos outros que sejam negligentes ao convite, seja o secretário de Meio Ambiente, presidente do Inea, ou o Comitê de Bacias responsável - explicou Yuri.

O presidente do Movimento de Preservação da Lagoa (MPL), Bernardo Carmo, aproveitou a audiência pública para explicar os impactos negativos das dragagens na laguna. De acordo com ele, é necessária a criação de políticas públicas eficazes para recuperar o local.

– A dragagem, sem um controle ambiental, pode afetar a fauna e mudar toda a hidrodinâmica de um corpo lagunar. Então, é extremamente importante fazer um estudo do impacto ambiental para qualquer dragagem que se vá executar dentro da Laguna de Araruama ou em qualquer outro ambiente - pontuou. Ele afirmou também que “o lançamento de efluentes domésticos ou industriais, o aterro das margens, a degradação da vegetação no entorno da laguna e as construções nas margens afetam diretamente a qualidade da água e a vida marinha”.

Já o arqueólogo Fábio Cerinquela destacou que a laguna representa um patrimônio histórico e cultural do Estado do Rio de Janeiro, e que atualmente 20 espécies estão em extinção.

– A Laguna de Araruama é um patrimônio paisagístico, sociocultural e arqueológico e tem aproximadamente de cinco a sete mil anos. Tem as histórias dos sítios arqueológicos de tradição tupi e a entrada desse povo na região do litoral. Com os empreendimentos sem licenciamento ambiental, a gente está vendo algumas espécies serem extintas como, por exemplo, o mico-leão, a borboleta-da-praia e os peixes das nuvens - explicou.

Na audiência, o deputado estadual Flávio Serafini (Psol) foi representado pelo assessor Lucas Muller, que mora em Cabo Frio e acompanha de perto a situação. Lucas afirmou que o problema da Laguna de Araruama não está apenas na poluição causada pela Prolagos, e lembrou das mais de 40 denúncias que o gabinete do deputado fez (desde 2017) ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e Ministério Público Federal (MPF)

– Constatamos que há um conluio entre prefeituras da Região dos Lagos e Governo do Estado, através do Inea e Secretaria de Meio Ambiente Estadual, e empreendimentos para as autorizações ambientais ao redor da laguna. Isso tem despertado uma voraz especulação imobiliária, sem estudos técnicos ambientais consistentes com causas drásticas como “privatizações” dessa área marginal, maior poluição - já que a concessionária Prolagos não cumpre o seu papel - e destruição cada vez maior do seu habitat hipersalino e marginal. A Laguna de Araruama está entrando em colapso, está morrendo - afirmou.

Morador de Cabo Frio, o pescador Eli da Costa relatou, na audiência, que a falta de preservação da água afeta diretamente a vida da população local. “Estamos passando fome, a laguna está muito poluída e com muita lama. Não consigo trazer alimento para casa. Precisamos responsabilizar as autoridades sobre essa questão”, comentou.

Júnior Tainha, pescador de São Pedro da Aldeia, aproveitou o tempo de fala para criticar a Prolagos. Segundo ele, a concessionária (responsável pela coleta e tratamento de esgoto em parte das cidades da Região dos Lagos) teria solicitado que os pescadores retirassem as algas da laguna, mas sem dar nenhum suporte para isso. “Tivemos casos de pescadores com micoses e que amputaram um dedo. Não temos de onde tirar nosso sustento, estamos sendo humilhados. Queremos qualidade de vida para a nossa família”, reivindicou.

Em resposta a todos os questionamentos que foram feitos, o presidente da Prolagos, Sinval Andrade, disse que já concluiu a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de São Pedro da Aldeia e que está em andamento as ETEs de Cabo Frio, Jardim Esperança e Arraial do Cabo. Também contou que vem sendo feita a substituição da linha de recalque de esgoto em Arraial do Cabo e a ampliação do sistema de abastecimento de água em Monte Alto (segundo distrito cabista). Garantiu ainda que os pescadores que estão retirando as algas da laguna usam Equipamento de Proteção Individual (EPIs).

– A Estação de Tratamento de Esgoto de São Pedro está concluída e será entregue este mês. A Prolagos está investindo R$ 450 milhões em todas essas obras e cumprindo o que está no contrato. Além disso, a coleta por parte dos pescadores foi uma ideia da própria associação de moradores. Nós damos equipamentos EPIs para eles utilizarem. Isso foi uma medida paliativa para a preservação da laguna - disse Sinval. Já o gerente da Câmara Técnica de Saneamento da Agenersa, Robson Cardinelli, pontuou que o órgão fiscaliza os contratos. “Nós fazemos uma fiscalização anual nas estações de tratamento e, atualmente, temos 36 funcionários da Câmara que atuam especificamente nessa região”, afirmou.

Apesar de algumas declarações conflitantes entre pescadores, Prolagos e Agenersa, Yuri disse à Folha que o resultado foi positivo, e que os trabalhos continuam:

– Conseguimos dar voz para toda uma comunidade que luta por essa causa há anos, e via no distanciamento entre sociedade civil e órgãos responsáveis uma barreira para impactar positivamente na questão da Laguna. Tivemos a exposição não só de quem pensa de longe a laguna, sob a lógica da ganância, mas de quem vive dela. A audiência também se soma a uma série de outras iniciativas que têm dado muita repercussão para o caso, seja na mídia, seja nas redes, e essa exposição também força as empresas e o poder público a se mexer. Para nós, está muito claro que a situação da laguna é crítica, ela já não tem mais a mesma configuração de anos atrás tanto na salinidade, que faz dela única no mundo, de biodiversidade, balneabilidade. Os pescadores contam que a produção tem uma queda brutal e isso contribui para a desigualdade da região. Vamos marcar em cima para reverter esse cenário - afirmou.