Integrantes do Movimento de Mulheres Olga Benário, em Cabo Frio, intensificaram as ações de resistência para impedir a reintegração de posse da Casa de Referência Inês Etienne Romeu. A ação, que estava marcada para o último dia 18, não chegou a acontecer, mas segundo informações, o risco de despejo permanece e pode ser executado a qualquer momento. Para evitar que isso aconteça, membros do grupo seguem em vigília permanente, mantendo a casa aberta e funcionando 24 horas. Uma plenária de apoio também foi marcada para a última terça-feira (22), às 18h30.
O imóvel, localizado no bairro Itajuru, foi ocupado pelo movimento de mulheres em novembro de 2023 em meio a uma queda de braço com o antigo governo municipal. Abandonado por mais de uma década, foi totalmente reformado pelo grupo com ajuda de doações. Desde então, oferece (de forma gratuita) orientação jurídica e psicológica, oficinas de autonomia financeira, cozinha comunitária e até uma horta coletiva como forma de acolher mulheres em situação de violência.
No início deste ano, no entanto, a prefeitura notificou o grupo extrajudicialmente pedindo para que desocupasse o local. O prazo venceu em 4 de fevereiro, mas a ocupação continuou. À Folha, o governo municipal disse, na época, que a casa foi desapropriada com base no Decreto Municipal nº 6.596, de 19 de julho de 2021, “que declarou sua utilidade pública para fins de preservação e conservação ambiental”. Informou também que “a desapropriação ocorreu com urgência, uma vez que são necessárias obras essenciais para a conservação do espaço”, e garantiu que o pedido de desocupação “tem como objetivo garantir a proteção da área e sua adequada utilização pela população”. A justificativa não foi aceita pelas integrantes do movimento, que desde a semana passada passaram a fazer manifestações públicas com o objetivo de tentar impedir a reintegração de posse.
Dois dias antes do prazo para reintegração de posse, o movimento de mulheres ocupou o prédio da Prefeitura de Cabo Frio, e criticou o fato de o despejo ter sido marcado para o feriado da sexta-feira santa.
– Estamos aqui exigindo um posicionamento sobre o despejo covarde da ocupação de mulheres Inês Etienne Romeu. A prefeitura prepara uma grande festa para a cidade, mas para as mulheres é repressão com força policial. Ocupamos a prefeitura porque o prefeito se negou a nos atender. E só depois da mobilização fomos procuradas pela procuradora e pela secretária da mulher. Vamos participar de uma reunião, e se não houver um posicionamento positivo, vamos ocupar a Câmara e continuaremos resistindo - explicou Chantal Campello, uma das líderes no grupo.
Sem a resposta positiva que espera, o movimento iniciou, no dia 18, uma vigília em defesa da Casa de Referência Inês Etienne Romeu. Durante a ação, Chantal denunciou que Cabo Frio é a cidade com o maior número de casos de violência contra a mulher na Região dos Lagos, registrando diversos casos de feminicídio por ano. O mais recente é o assassinato de Karolina Sales, de 23 anos. Ela foi morta a facadas dentro de casa, no bairro Vila Nova, na manhã do último dia 16. O crime aconteceu na frente do filho dela, um bebê de apenas oito meses. O principal suspeito é o companheiro de Karolina: ele teria sido flagrado por câmeras de segurança deixando o local do crime, e fugindo a pé logo após o ataque. Desde então, está foragido.
Após este caso, o grupo postou um comunicado nas redes sociais. No texto, o movimento diz que “em meio a esse cenário alarmante, a Casa de Referência da Mulher Inês Etienne Romeu tem sido extremamente importante para mulheres vítimas de violência, oferecendo apoio psicológico, jurídico e social. No entanto, o prefeito Serginho quer acabar com a única casa de referência para mulheres da cidade, alegando que o imóvel deve ser desapropriado para fins de preservação ambiental. Essa decisão coloca em risco um espaço vital que já acolheu diversas mulheres em situação de vulnerabilidade. Não podemos permitir que o espaço seja fechado. Em uma cidade onde a violência contra a mulher é uma realidade diária, é fundamental fortalecer, e não desmantelar, iniciativas que oferecem suporte e proteção. Exigimos respeito pela vida das mulheres”.
– Na sessão da câmara os vereadores gastaram seu tempo de tribuna para falarem sobre como estão sensibilizados com o abalo do prefeito sobre a incursão da Polícia Federal na casa dele, e não falaram absolutamente nada sobre o feminicídio da cidade, nem da situação da ocupação das mulheres. Em nenhum momento a Prefeitura de Cabo Frio se posicionou contra mais esse feminicídio. Continuaremos ocupando as ruas, ocupando imóveis públicos que não cumprem nenhuma função social. Continuaremos ocupando a Prefeitura, e não nos intimidaremos com essa meia dúzia de homens brancos, engravatados, que querem ver a gente morta - declarou Chantal.
A Casa Inês Etienne Romeu é o único espaço de Cabo Frio com atendimento gratuito e contínuo para mulheres em situação de violência. O nome do espaço é uma homenagem à única sobrevivente da Casa da Morte, um centro de tortura da ditadura militar brasileira.