Neste sábado (28) a praia do Forte e a ponte Feliciano Sodré, em Cabo Frio, estarão mais coloridas. Os dois pontos centrais do município serão palco de ações promovidas pelo Grupo Iguais e pelo Instituto Iguais, e que vão marcar o Dia Internacional do Orgulho LGBTI+.
– Vamos ocupar espaços simbólicos da cidade com nossas bandeiras e nossa história, em um gesto de memória, resistência e afirmação da nossa existência - afirmou Rodolpho Campbell, presidente do único grupo de apoio à causa LGBTI+ da cidade.
Na programação estão previstos o levantamento da bandeira do arco-íris às 9h, na Praia do Forte, em frente ao Hotel Malibu, e às 11h na ponte Feliciano Sodré. Já a tradicional pintura da faixa de pedestre na orla, que acontecia há seis anos, desta vez foi cancelada. Segundo Rodolpho, a iniciativa, que “sempre buscou trazer visibilidade e celebrar a diversidade nesta data tão importante para o movimento”, não foi autorizada pela Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana. A decisão teria se baseado nas regulamentações do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), órgão responsável por regulamentar o trânsito no Brasil.
Mais do que levantar bandeiras, a data também serve para avaliar avanços e retrocessos para a comunidade LGBTI+, principalmente em um momento onde o Brasil se firma, pelo 16º ano consecutivo, como o país que mais mata pessoas trans e travestis. Em entrevista à Folha, Rodolpho fez uma análise das políticas públicas voltadas ao segmento. Ele também falou sobre a importância da parada LGBTI+ na luta pela garantia de direitos e identidade cultural, e garantiu, sobre a tentativa do governo municipal de Cabo Frio se apropriar do evento, e sobre uma divisão no movimento, inclusive com ataques públicos.
Folha – Esse ano o Dia Internacional do Orgulho LGBTI+ completa 56 anos. Quais foram os avanços e os retrocessos nesse período em termos de políticas públicas nacionais, estaduais e municipais?
Rodolpho – Dentro dos avanços a nível nacional, a gente pode citar a questão do casamento civil, da alteração de nome e gênero no registro civil sem a cirurgia para travestis e transexuais, e a questão da utilização do nome social no SUS e também dentro do ambiente escolar. E em retrocessos, a gente viveu muitos deles no período do governo Bolsonaro, com enfraquecimento de recursos e de políticas públicas dentro da área do Ministério de Direitos Humanos, que teve sua posse por uma secretária fundamentalista. Dentro do Rio de Janeiro, a gente tem o avanço nas políticas públicas através dos Centros de Cidadania, que têm sido implantados em diversas cidades do Estado. Mas, por outro lado, continuamos com a pressão dos conservadores impedindo que a política LGBTI+ avance no aspecto da educação, e até mesmo no campo da segurança pública, visto que há anos atrás conseguia-se fazer capacitação para parte da segurança pública e hoje a gente não consegue. A nível municipal, conseguimos avançar em diversas perspectivas de políticas públicas e criamos a Superintendência de Políticas Públicas LGBTI+. O ambulatório para a saúde da população de travestis e transexuais do nosso município, e legislações, como a regulamentação através do Conselho Municipal de Educação para uso do nome social no município, de travestis e transexuais na chamada, a questão do Dia Municipal de Combate à LGBTI+fobia que foi municipalizado através de lei, a inclusão da Parada do LGBTI+ no calendário de eventos através de lei, além de uma legislação também específica que pune atos discriminatórios no município.
Folha – O Brasil lidera, pelo 16º ano consecutivo, os índices globais de assassinatos contra pessoas trans e travestis. Como presidente do Grupo Iguais, como você avalia isso? O que falta, em termos de políticas públicas, para revertermos essa situação?
Rodolpho – Essa questão da violência realmente é alarmante, e o que eu sempre coloco em fóruns, audiências públicas e eventos que participo, a nível nacional, estadual e até municipal, é que faltam investimentos em dados sobre a violência contra a população LGBTI+, políticas de proteção específicas e campanhas contra a transfobia. Falta capacitar também os nossos agentes de segurança pública, uma sistematização maior, porque esse dado já é alarmante, mas ele pode ser ainda muito pior por conta de casos que são subnotificados. E falta também investimento em educação inclusiva e uma punição efetiva, para as pessoas, no rigor da lei, porque hoje os crimes de LGBTIfobia se equiparam à questão do racismo. Eu acho que esses pontos devem nortear a política de segurança pública e de educação inclusiva, para que a gente possa avançar e esses dados diminuírem, ou que a gente consiga dar uma pronta resposta.
Folha – Qual é a importância da parada LGBTI+ nesse contexto?
Rodolpho – As paradas do Orgulho LGBTI+ são manifestações que se tornaram, ao longo dos anos, manifestações culturais que dão visibilidade, mostram o orgulho da população LGBTI+ que clama por seus direitos, e mostra à sociedade a sua cultura, o quanto ainda se precisa mudar e avançar em prol de políticas públicas para a nossa população. Eu acho que é a maior manifestação de massa da nossa população, que vai às ruas, mostra capilaridade e força dentro da sociedade através da cultura, através do orgulho. A gente quer direitos e nós temos direitos como cidadãos, visto que representamos uma boa parcela da nossa sociedade. Então, é uma manifestação importantíssima, que clama por direitos, e que obteve avanços em todos os lugares do nosso Brasil, seja em políticas públicas, seja em legislação ou seja até em questão de punição a pessoas LGBTIfóbicas.
Folha – Pela primeira vez na história, uma parada LGBTI+ na Região dos Lagos terá sua realização retirada de uma ONG para ser promovida exclusivamente pelo governo. O que isso representa para a causa?
Rodolpho – Pela primeira vez na história do Brasil, e de maneira descarada, a Prefeitura tenta retirar do movimento social uma manifestação pública para tomar para si e tentar organizar. Já houve tentativas em outros municípios para tentar tomar de assalto a manifestação pública da população LGBTI+, do movimento social, e o poder público utilizar essa manifestação para politização e como instrumento para atingir, alcançar, ou até mesmo prejudicar a população LGBTI+. Mas nenhum desses outros lugares teve êxito. E, assim, a gente espera que aqui também seja. Já estamos com isso bem encaminhado junto à Defensoria Pública, ao terceiro núcleo de Tutela Coletiva da Defensoria Pública. E vamos realizar a 20ª edição da Parada do Orgulho LGBTI+ de Cabo Frio. Ela vai acontecer no dia 12 de outubro, na Praia do Forte, concentração a partir da 1h da tarde e término às 23h59. A Prefeitura pode realizar algum tipo de evento institucional em alusão à população LGBTI+, mas a manifestação pública é organizada pelo povo e não por agentes ou servidores públicos. Isso é uma discussão que já está sendo levada para o âmbito judicial, e vamos brigar para levarmos para as ruas o verdadeiro grito e a verdadeira manifestação pública da população LGBTI+.
Folha – Nos últimos anos também temos visto uma divisão no movimento LGBTI+ em Cabo Frio, inclusive com ataques públicos. Como lidar com isso sem enfraquecer a luta pelo respeito e pela garantia de direitos?
Rodolpho – Não há divisão do movimento LGBTI+ de Cabo Frio. Há mais de 12 anos somos a única entidade que existe na cidade, que atua em prol da comunidade LGBTI+ de forma estatutária, e com ações feitas. Infelizmente, o que está acontecendo é fruto de uma manobra política e de retaliação por questões pessoais. A gente lamenta muito porque são pessoas que não representam o movimento, que há muitos anos não atuam e não fazem nada. Não são reconhecidas pelo movimento a nível nacional, a nível estadual e nem a nível municipal. Inclusive, temos feito desafios ao poder público municipal de abrir plebiscito, de convocar toda a população LGBTI+ para ser ouvida com relação a todos esses impropérios que acontecem, e essa politização que tem sido feita para poder tentar, de todas as formas, deturpar e macular a imagem da nossa instituição que atua há 18 anos no município. Lá atrás, quando existiu o grupo Cabo Free, que o Cláudio Lemos estava vivo, havia algumas divergências no campo ideológico e de trabalho, mas eram muito mais centradas e discutidas de forma muito coerente, sem esse alarde, essa briga que tem sido imputada por algumas pessoas que estão dentro do poder público, e outras que estão por fora porque são empresários, estão no ramo da comunicação, e não podem ocupar cargo público, mas que estão o tempo todo pregando que há briga, que há divisão. No movimento não há essa briga, não há essa divisão. O movimento está consolidado. É só olhar as redes sociais da nossa instituição, o nosso site de trabalho, e ver o engajamento, a atenção e a participação da nossa população em apoio a todas as nossas atividades e a tudo que tem acontecido.