Uma arquiteta nascida em Cabo Frio – e recém-formada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – acaba de ter um projeto premiado em um concurso promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ). Laura Trindade Nunes foi a vencedora do “Arquitetos do Amanhã” com o projeto “Rota da Canoa”, um trabalho que propõe intervenções urbanísticas ligadas à atividade pesqueira e ao turismo de base comunitária em diferentes pontos da cidade, a partir da valorização da história, da cultura e dos saberes tradicionais locais.
O concurso Arquitetos do Amanhã reuniu cerca de 100 trabalhos homologados, divididos em três categorias: edificações, interiores e design; urbanismo; e cultura e tecnologia. A seleção contou com avaliação de bancas especializadas em cada área. O projeto desenvolvido por Laura foi um dos premiados no último dia 13, na categoria Urbanismo, ao lado de outros dois trabalhos, todos elaborados por alunos da UFRJ.
– Ser premiada no concurso Arquitetos e Arquitetas do Amanhã sempre foi um sonho desde quando entrei na faculdade. Tive que sintetizar o meu trabalho final de graduação em uma folha A1, enviar e torcer. Nem acreditei quando chamaram meu nome – contou Laura em conversa com a Folha.
O projeto “Rota da Canoa”, segundo Laura, se estabelece como um trajeto de quatro pontos à beira da Lagoa de Araruama, que pode ser feito pelos pescadores (em seus barquinhos) e com os visitantes, para contar sua história.
– O início da Rota se configura como um grande deck com espaço para memorial expositivo, sanitários, bilheteria, piscina natural, redário, atracação das canoas e áreas de convivência. Os outros três pontos são instalações flutuantes que funcionam como marcos na cidade e convidam o usuário a completar seus espaços. São propostas soluções replicáveis, flexíveis e vernaculares para a fácil adequação aos diferentes tipos de geografias da Rota, reforçar a tradição pesqueira através da arquitetura e respeitar a paisagem existente na cidade - contou a arquiteta, revelando que o projeto nasceu em uma conversa que ela teve com os pescadores durante um processo de pesquisa. Na verdade, a ideia da Rota partiu deles, e é um desejo antigo. Eu apenas dei um nome, escolhi os pontos de intervenção a partir do que eles me contaram e do que pesquisei, e desenvolvi arquiteturas que articulam essa ideia – explicou.

À Folha, Laura contou que o projeto tem quatro áreas de intervenção: Praia do Siqueira, Praia das Palmeiras, Canal do Itajurú e bairro da Passagem. A escolha dos locais, segundo ela, considerou a relevância histórica para os pescadores, funcionando como forma de resistência cultural.
– O projeto dialoga com a atividade pesqueira ao partir diretamente dos saberes, das rotinas e das narrativas dos pescadores, sem tentar substituir ou descaracterizar essa prática. Ao mesmo tempo, ele se conecta ao turismo local ao propor uma experiência baseada no Turismo de Base Comunitária, que aproxima moradores e visitantes da história real de Cabo Frio, criando uma relação mais consciente com o território, com o mar, e com quem vive dele. Por isso acredito que a “Rota da Canoa” pode gerar impactos sociais, culturais e econômicos importantes. Socialmente, fortalece o reconhecimento e a valorização dos pescadores e das comunidades tradicionais. Culturalmente, contribui para a preservação da memória, dos saberes e das práticas da pesca artesanal. E, economicamente, pode criar novas formas de geração de renda para os pescadores a partir do Turismo de Base Comunitária – revelou Laura.

A arquiteta lembrou que desde que começou a pensar no tema do Trabalho Final de Graduação, já sabia que queria trabalhar com a questão da pesca em Cabo Frio. Um dos motivos está ligado à percepção de que a identidade histórica e cultural da cidade vai muito além da imagem associada apenas às praias, como ela própria destacou.
– Sempre me incomodou o fato de Cabo Frio ser associada apenas às belas praias. Elas existem, claro, mas a cidade também carrega uma história muito rica, construída por pessoas que habitam esse território até hoje, e que merecem e precisam ser escutadas, e pouca gente sabe disso. A maioria dos turistas conhece apenas as praias, mas não entra em contato com a história da nossa cidade, que tem origem e identidade diretamente ligadas aos pescadores e aos povos originários – avaliou.
Para Laura, a arquitetura e o urbanismo podem atuar como ferramentas de preservação das identidades locais sem impedir o desenvolvimento das cidades, desde que os projetos partam da escuta do território e das comunidades. Segundo ela, compreender a cultura, os modos de vida e a história dos lugares é fundamental para orientar intervenções mais sensíveis, que respeitem quem sempre ocupou esses espaços. “Preservar não é congelar o lugar, mas orientar o desenvolvimento de forma sensível, respeitando quem sempre esteve lá”, afirmou.
A relação de Laura Trindade Nunes com a arquitetura começou ainda na infância, mesmo antes de ela ter consciência da profissão. Em casa, ela conta que as brincadeiras envolviam a construção de cidades e casas com bloquinhos, além de experiências em jogos e trabalhos escolares que estimulavam a criatividade. A decisão de seguir carreira, no entanto, veio durante o ensino médio, quando buscava um curso que reunisse diferentes áreas do conhecimento.
– Não sabia muito bem o que queria, e sabia que arquitetura era um curso multidisciplinar, então apostei nisso. Hoje, posso dizer que me encontrei – contou.

Projeto se estabelece como um trajeto de quatro pontos à beira da Lagoa de Araruama - Crédito: Divulgação


