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Ambientalistas afirmam que licenciamento do Cabo Frio Water Park não passou por conselhos

Assunto será tema de reunião do Conselho do Parque Estadual da Costa do Sol, que foi transferida para quarta-feira (29)

27 maio 2024 - 13h10Por Cristiane Zotich

Foi transferida de terça (28) para quarta (29) a reunião dos membros do Conselho do Parque Estadual da Costa do Sol (PECS). O encontro, que será online, vai discutir diversos assuntos ligados à construção do megaempreendimento Nova Cabo Frio Water Park, previsto para ser construído entre a Ilha do Japonês, Praia Brava e Praia das Conchas, em Cabo Frio. Segundo Estudo de Impactivo de Vizinhança do projeto, a área está dentro da APA do Pau Brasil, sendo sua maior parte na Zona de Ocupação Controlada (ZOC); outra parcela está em Zona de Conservação da Vida Silvestre (ZCVS), com restrições de ocupação segundo o Plano de Manejo da APA do Pau Brasil. Um dos temas da discussão será o fato de o licenciamento do projeto não ter sido apresentado nem debatido em conselhos. A informação foi confirmada à Folha pela ambientalista Anna Roberta Medhi, do Centro de Estudos e Conservação da Natureza (ONG CECNA).

– Os conselhos sequer sabem do que se trata (o empreendimento) porque não vimos o projeto. O licenciamento não passou nem pelo Conselho do PECS, nem pelo da Área de Proteção Ambiental do Pau-Brasil (APABR). Tenho cadeira nesses conselhos, sou integrante do Movimento SOS Dunas do Peró e da ONG CECNA, e soube dele após ter sido noticiado que a Câmara de Cabo Frio realizará audiência pública sobre a construção de um mega parque aquático – disse ela, referindo-se à notícia, publicada originalmente pela Folha dos Lagos, que desencadeou os debates sobre o empreendimento. 

– Solicitei à gestão do PECS e ao Inea uma reunião de esclarecimento com essa pauta para os conselheiros porque esse parque não pode ser construído naquele local  – completou Anna.

O empresário Fernando Gomes Fonseca, sócio do empreendimento, revelou que um dos projetos que compõem o Nova Cabo Frio Water ainda depende de uma série de estudos e autorização do Ibama e da União, e que a conclusão dessa primeira fase deve levar em torno de dois anos. Sobre o espaço de aventuras, o empresário informou que já teve a parte arquitetônica aprovada pelo Inea. Mas nem todas as atrações foram liberadas pelo órgão. Um documento assinado pela Gerência de Unidades de Conservação do Inea em julho de 2023, ao qual a Folha teve acesso, revela que os projetos de implantação do arvorismo e de uma tirolesa ligando o mirante da Praia das Conchas ao Morro do Vigia receberam oposição do órgão.

Além da questão do licenciamento, Anna Mehdi também contou ter tomado ciência de denúncias feitas ao Ministério Público Estadual e Federal por cidadãos e membros do movimento ambiental, através da ONG Cabo Frio Solidária. Entre os motivos estariam “obras de intervenção na área próxima à Ilha do Japonês, com supressão de vegetação (inclusive de mangue),  cercamento com tapumes e grande movimentação de caminhões do INEA retirando areia do fundo do mar na Ilha do Japonês, segundo fotos e vídeos de moradores”.

Outra conselheira do PECS, Denise Spiller, representante da Associação de Moradores da Lagoa de Jacarepiá, em Saquarema, esclarece que “há anos o conselho vem sendo cerceado de se manifestar sobre processos de licenciamento de empreendimentos de médio e grande impacto porque o Inea não nos apresenta”. 

– Só temos acesso quando as mídias sociais divulgam. Soubemos esta semana, quando vimos o vídeo do empresário no Instagram. É obrigatório que o Conselho do PECS e da APA do Pau Brasil se manifestem, segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). Além do mais, o PECS tem o Plano de Manejo e os Planos Setoriais, que preveem uma série de ações essenciais e estratégicas para a Unidade, para as quais as medidas compensatórias e mitigatórias estabelecidas dentro da licença ambiental em empreendimentos na zona de amortecimento deveriam ser direcionadas, e o conselho tem a prerrogativa de participar neste processo – contou Denise.

A conselheira Carolina Mazieri também fez um alerta para a necessidade de prévia oitiva dos conselhos consultivos do Parque Estadual da Costa do Sol e da APABR, “conforme determinado nos artigos 20, VIII, 26 e 29 do Decreto Federal nº 4.340/2002”. 

– Ainda, pelo porte do empreendimento e pelo potencial poluidor, é imprescindível as licenças do IBAMA, INEA e IPHAN. Se não fosse pela insistência de alguns conselheiros, pelo MPE e MPF, os conselhos sequer seriam ouvidos – denunciou.

Anna Mehdi observou ainda que é reconhecido pelo próprio INEA que os poucos planos setoriais que foram elaborados sem a participação do conselho (como prevê o SNUC) estão incompletos.

– A unidade de conservação não tem o levantamento de suas áreas prioritárias, que são decorrência de seus estudos primários dentro do PECS. Não se sabe ao certo quais fragmentos desempenham o papel de corredor ecológico, nem onde existem espécies endêmicas, ou onde estão as áreas necessárias para desapropriação ou restauração. Isso demonstra a precariedade da informação técnica acerca do PECS. Enquanto não houver a revisão do Plano de Manejo da APA do Pau-Brasil não se pode licenciar mais nada – esclareceu, reforçando que o megaempreendimento está dentro da APA e do PECS.

A ambientalista também destaca a existência do Formigueiro-do-litoral (espécie ameaçada de extinção) e de sambaquis no entorno da Boca da Barra e Praia das Conchas. O segundo, de acordo com Anna, desempenha papel fundamental na história arqueológica da região, inclusive já sinalizados no artigo científico “Mapeamento da Paleolaguna e dos Sítios Arqueológicos do Campo de Dunas do Peró, Cabo Frio, RJ”, da Geóloga Julia Caon/UFRJ.

O zoólogo marinho Vinicius Padula lembrou que muitos lugares do Brasil estão sofrendo com tragédias ambientais que têm relação direta com a degradação das políticas ambientais. Como exemplo citou os casos do Rio Grande do Sul e Petrópolis, “com desmoronamento, enchentes gigantescas e chuvas torrenciais”.

– Empreendimentos implantados em regiões mais sensíveis podem resultar em problemas ambientais graves. O fragmento da Praia das Conchas foi considerado em 2011 como área prioritária do PECS, inclusive sendo a única parte marinha nesta Unidade de Conservação devido à presença dos raros e endêmicos nudibrânquios, animais marinhos que estudo no Museu Nacional. Além disso, temos o Manguezal das Peroanas, que já vem sendo impactado pela intervenção e extração de areia. Essa região entre a Praia das Conchas e Ilha do Japonês é nosso maior ativo ambiental, junto com as Dunas do Peró. Não tem que criar nada mais. Colocar milhares de pessoas na região, sem estudos de capacidade de carga e viabilidade, sem análises de impacto e sem estudos primários vai impactar muito mais – garantiu.

Anna Mehdi faz ainda uma série de questionamentos sobre impactos negativos que podem ser gerados pelo mega empreendimento no local. 

– Hoje Cabo Frio já sofre com falta de abastecimento de água, luz e tratamento de esgoto. Como será garantido o abastecimento para um parque aquático ali? Qual será o destino de milhões de litros de água doce clorada numa área sensível entre manguezais e fauna marinha rara? Imaginem diariamente, no verão, dois mil hóspedes do resort e 17 mil clientes do parque aquático, usando vaso sanitário e tomando banho? Pra onde vai este esgoto? Fora o impacto do ruído do parque aquático no local, o impacto dos restaurantes e o tráfego intenso de veículos em pequenas vias de acesso. Sugerem no empreendimento quase três mil vagas no estacionamento. Empresários vão dizer que o empreendimento vai ter uma Estação de Tratamento de Esgoto. Mas onde serão despejados milhares de litros de efluentes “tratados” com água doce e cloro? A área é sensível porque tem manguezais e praias com espécies endêmicas e raras. Água doce neste sistema é o pior que pode acontecer – avaliou, lembrando que “o empreendimento tem consultoria ambiental da mesma empresa que também está por trás de outros licenciamentos duvidosos em áreas de preservação permanente e unidades de conservação, como Marina Viverde, no Mangue da Ogiva; Aretê, em Búzios; e Alphaville, em São Pedro”.

Sobre os prós do Cabo Frio Water Park, Anna é enfática ao afirmar que “benefício seria não ser feito qualquer empreendimento desse impacto no local, e o INEA, efetivamente, implementar planos setoriais, com visitação e educação ambiental, cercamento, fiscalização, área de estudos de universidades, turismo esportivo, observação de pássaros e turismo geológico haja vista a presença de vários sambaquis, e também tornar transparente os processos de licenciamento”.

– Importante acessar o laudo do MPF elaborado no Procedimento 64/2023, que trata das denúncias do empreendimento (LAUDO TÉCNICO 472/2024-ANPMA-SPPEA-PGR-PGR-00158374-2024), e que aponta os impactos do empreendimento. É fundamental mencionar que nossa esperança de justiça ambiental está nas mãos do MPE, MPF e da Justiça, e que nosso maior aliado na busca de justiça é o valioso subsídio dado pelas pesquisas científicas do Museu Nacional, UFF, UFRJ, Jardim Botânico do RJ, UERJ, IFF, IFRJ – afirmou Anna.