ALEXANDRE FILHO
Incrustado no meio do coração de Cabo Frio, está localizado um dos poucos locais que preserva uma tradição antiga e que vem pouco a pouco desaparecendo na era digital: a do sebo. Em uma galeria no Largo Santo Antônio, o Sebo Ventura funciona das 11h às 19h e ostenta um acervo de cerca de 50 mil livros diversos e 15 mil discos de vinil, além de miniaturas, máquinas antigas, brinquedos e outros objetos de valor histórico inestimável, se tornando um verdadeiro oásis cultural no centro da cidade.
O local nasceu da paixão do dono, Luciano Ribeiro, de 56 anos, por itens antigos e de coleção. Se auto-intitulando um ”rato de sebo”, Luciano conta que há mais de 20 anos, antes mesmo de ter seu próprio sebo, viajava para São Paulo e outras cidades para visitar esses estabelecimentos e descobrir o que eles tinham de mais curioso e valioso.
Luciano segura o pôster do Ventura, carro que ele orgulhosamente possui e que dá nome ao sebo localizado no Centro
O tempo passou e há dois anos e meio, quando trabalhava na feira da Praça da Cidadania – trabalho que exerce até hoje – Luciano passou por um período de muito estresse, e resolveu que era hora de abrir seu próprio sebo, para tentar relaxar um pouco. “Peguei uns 100 livros que tinha em casa e montei minha banquinha na rua para passar o dia apenas batendo papo”, disse.
O “tratamento” deu certo, e depois de muitas vendas e compras de exemplares, ele passou de uma simples banquinha montada na rua para uma loja, onde está atualmente, e toca o local com seu filho, Davi Sousa, de 19 anos. Mesmo assim, Luciano afirma que o sebo ainda não se tornou um negócio para ele.
– Costumo dizer que lá na feira é que é o meu trabalho, porque o sebo ainda não dá dinheiro, é uma realização pessoal. Aqui é apenas o meu lazer, ou como eu costumo falar, é o meu tratamento para curar o estresse. Aqui eu tenho até vergonha de dizer que trabalho, por que na verdade eu só estou fazendo aquilo que me dá prazer. Aqui eu vivo o happy hour – disse.
Além de diversos tipos de livros, o sebo também conta com um acervo de máquinas fotográficas antigas e toca discos
Diversas obras podem ser encontradas no local, entre elas estão livros consagrados da literatura clássica, moderna, livretes, mangás, histórias em quadrinhos, além de cd’s, dvd’s, discos de vinil e todo o tipo de material colecionável. “A cada enxadada, vem uma minhoca”, brinca ele, sobre o vasto e diversificado acervo do sebo.
Dentre as raridades estão moedas da época do Brasil Império, do Brasil Colônia, do início da República e estrangeiras. No segmento literário, destaque para um dicionário latim-português datado de 1855, somente encontrado para venda no próprio sebo e em Paris, além de um cópia de Água-Mãe, de José Lins do Rêgo. Entre os destaques regionais estão obras do poeta Victorino Carriço e um dos 24 exemplares existentes no mundo do livro “Candango no Arraial do Cabo”, de Acioly Lopes.
Em meio à era dos smartphones e tablets, com o acesso as redes sociais cada vez mais intenso e a leitura se tornando dia após dia mais digital, Luciano cita o sebo como um sinal de resistência. E para isso, inclusive, ele conta que o público do local é diversificado, contando com visitas de adolescentes e até do público mais velho.
Nas mãos de Luciano, uma das raridades do Sebo Ventura: o dicionário Latim-Português, datado do século 19
– Somos uma resistência, afinal, o livro, assim como o rádio, já foi condenado há muito tempo. Mas o rádio não vai acabar, porque vai ter sempre um saudosista daquilo que não viveu. O que eu vejo aqui é isso, o saudosismo daquilo que não vivemos. E os jovens hoje estão resgatando isso. É impressionante, e eu dou graças a Deus por isso, a quantidade de jovens que frequentam o sebo. Tem muito jovem de 80 anos e muito velho de 15 anos que vem pra cá (risos). E quando eles se encontram aqui acontece uma troca de informações que é um barato – declarou.
Um dos visitantes assíduos do Sebo Ventura é o estudante de História Osmar Alves, de 21 anos. Ele visita o estabelecimento quase todos os dias, e afirma que está sempre em busca de coisas novas.
– Eu mantenho uma parceria com o Luciano. Tem livros que eu estou procurando e digo para ele, que me avisa quando o exemplar chega. Eu também coleciono moedas antigas e me encantei com a coleção dele. Os livros que eu levei, eu tenho muito carinho. O mais recente foi o Diário de Anne Frank, que eu estou terminando de ler e é muito bom – disse.