Após a recente demolição da antiga casa do ex-prefeito Edilson Duarte, no Centro de Cabo Frio, outro imóvel histórico pode vir ao chão nos próximos dias. A ação também foi autorizada pelo Conselho Municipal do Patrimônio Cultural (Cmupac). A casa, localizada na Rua José Bonifácio, nº 184, no Centro de Cabo Frio, estava com o processo de demolição em tramitação desde 2021 no Instituto Municipal do Patrimônio Cultural (Imupac). Este ano o pedido (feito pelos proprietários) finalmente foi levado à pauta do Conselho, que autorizou a demolição.
Em conversa com a Folha esta semana, o presidente Imupac, e ex-presidente do Cmupac, Sérgio Nogueira, informou que após avaliação foi concluído que não cabia a preservação da construção. O pedido de demolição (Processo nº 21738/2021) foi autorizado no Cmupac, em reunião realizada no último dia 25 de agosto.
De acordo com a ata que a Folha teve acesso, os votos favoráveis foram da Secretaria de Cultura, Secretaria de Gestão Territorial e Economia Azul, Procuradoria Geral do Município, Secretaria de Turismo, Superintendência de Políticas de Igualdade Racial e Câmara de Vereadores. Os contrários à demolição foram do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac). A Universidade Estadual do Norte Fluminense e o Coletivo Griot se abstiveram.
– Entre os critérios de tombamento estão a avaliação histórica, arquitetônica e sentimental. O Conselho não é uma reunião de técnicos, mas de pessoas da sociedade, de vários ramos do conhecimento, e eles podem avaliar a questão sentimental também. No caso do imóvel de Edison Duarte, ele não tinha valor arquitetônico. O valor que tinha era ter sido a casa de um ex-prefeito, mas só isso não cabe para tombamento, até porque Edilson já foi homenageado dando nome a uma grande escola da cidade. No caso do imóvel da Rua José Bonifácio, o processo passou pelo Conselho que aprovou a demolição. É uma casa simples, bonita e simpática. O telhado é uma cópia da casa de Juscelino Kubitschek, em Belo Horizonte, e isso até chega a ser um elemento considerável, mas não se pode banalizar o tombamento – analisou Sérgio.
A casa da Rua José Bonifácio, no entanto, é vista de forma diferente por outros especialistas. Em relatório assinado por Ivo Barreto, arquiteto e especialista em preservação de bens culturais integrada ao planejamento urbano, o imóvel é considerado um destaque com “composição tectônica excepcional”. O documento embasou o posicionamento do Iphan junto ao Conselho de Patrimônio. A partir da pesquisa Modernos Praianos, vinculada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Estácio Cabo Frio), Ivo inventaria obras modernas na cidade. O estudo contrapõe a visão de simplicidade, destacando que a residência é um registro do refinamento de projetos urbanos mais singelos, e da a transformação da cidade pelo turismo de lazer praiano.
O estudo de Ivo Barreto também aponta que a casa tem relevância por se valer de uma implantação articulada com o uso de pátio interno, uma estratégia que, segundo o especialista, dialoga com a arquitetura tradicional e que filia a residência ao grupo das importantes casas-pátio de Cabo Frio.
A volumetria da casa (que já aparecia em registros fotográficos feitos em 1963) também é considerada relevante, segundo estudo feito por Ivo. Isso porque, segundo ele, a elevação da laje e a geometrização do volume, utilizando a laje inclinada em forma de V, dialoga com a estratégia compositiva moderna de importantes obras do final dos anos 1940 e 1950, a exemplo de projetos de arquitetos como João Vilanova Artigas. O Acervo Modernos Praianos de Ivo Barreto, iniciado em 2022, já identificou outras 87 ocorrências datadas de arquitetura moderna na cidade.
Apesar da existência desse estudo, Sérgio Nogueira afirmou à Folha que nenhum documento em defesa do imóvel foi apresentado durante a reunião do Conselho que aprovou a demolição da casa.
O presidente do Imupac também informou que outros processos de preservação estão em andamento. É o caso de um armazém do sal localizado na estrada de Perynas (próximo à Universidade Veiga de Almeida), e também de algumas árvores centenárias, entre elas a Figueira localizada no meio da Rua Coronel Ferreira, no Portinho, e de outra localizada na Praça da Cidadania, atrás da área dos quiosques.
– No caso do armazém o tombamento é importante porque ele fez parte da primeira salina do Brasil – defendeu Sérgio Nogueira.
Deputado aciona
Ministério Público
para impedir a demolição
A autorização para demolição de imóveis históricos em Cabo Frio virou alvo de denúncia no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Processo 02.22.0003.0020161/2025-12). O deputado estadual Flávio Serafini (PSOL) protocolou nesta quarta-feira (1º de outubro) um ofício solicitando ao órgão a paralisação imediata do processo de demolição da casa da Rua José Bonifácio.
O documento, de número GDFS nº286/2025, que a Folha teve acesso, afirma que o imóvel, “com traços modernistas dos anos 50”, corre risco iminente de demolição após ser votado na reunião do CMUPAC de 25 de agosto, “de maneira irregular”, com seis votos favoráveis à demolição dados por “funcionários da Prefeitura e da Câmara”.
A denúncia apresentada ao MP usa a situação da antiga casa de Edilson Duarte para embasar o pedido, apontando um histórico de supostas irregularidades e possíveis “favorecimentos à especulação imobiliária”. Serafini informa que a casa Edilson foi demolida mesmo com um processo tramitando no MP. Afirma também que a demolição aconteceu “à revelia, por possível fraude processual e sem curso regular dos trâmites legais”.
A demolição aconteceu nos dias 13 e 14 de setembro, um fim de semana, período em que, segundo o deputado, o Fórum de Justiça e o Ministério Público estão fechados.
O deputado aponta que houve várias irregularidades no processo da casa de Edilson Duarte, entre elas a anexação da Ata da Reunião do Conselho de Patrimônio apenas três dias após a votação.