— A história dá voltas. Os acontecimentos vão colocando a vida no lugar, vão nos colocando no lugar. E mais do que isso, significa uma responsabilidade.
A declaração, carregada de emoção e consciência histórica, foi feita por Conceição Evaristo na noite de sábado (24), segundo dia da Feira Literária de Araruama. Aos 78 anos, a autora foi aplaudida de pé ao subir ao palco principal, em uma das maiores ovações do evento até agora.
O reconhecimento que só chegou tardiamente, como ela mesma pontuou na conversa, foi atravessado por camadas de desigualdade.
— Será que se eu não fosse uma escritora negra, uma mulher negra, uma mulher que veio das classes populares, eu levaria tanto tempo para construir minha carreira literária? — questionou.
A escritora também falou sobre o conceito de escrevivência — termo cunhado por ela para nomear a escrita que nasce da experiência vivida —, e afirmou, em entrevista à Folha dos Lagos antes da palestra, que a feira pode sim ser um espaço de escrevivência:
— Se é um lugar que traz essa força literária, com certeza de muitas pessoas da região, na qual é possível perceber essa intensidade de textos coletivos, é uma forma de fazer escrevivência também.
Ainda na conversa com a reportagem, Conceição defendeu a leitura do livro A cor da ternura, de Geni Guimarães, nas escolas brasileiras, e refletiu sobre o impacto de uma mulher negra que escreve e é lida:
— Concorre pra criar um outro imaginário em relação às mulheres negras e à própria capacidade reprodutiva dessa mulher no campo da arte, do pensamento.
Durante a palestra, ela também fez questão de lembrar que sua visibilidade na literatura não representa, por si só, o avanço coletivo.
— Toda a minha visibilidade na literatura não significa que todas as autoras e os autores negros estão tendo o lugar merecido. É preciso também ter essa preocupação com essa leitura — alertou.
Mais cedo, o auditório da feira já havia lotado para receber dois nomes populares da televisão: Manoel Soares e Serginho Groisman. A palestra, divulgada para as 16h, foi adiantada em uma hora, o que causou desencontro entre parte do público. A Folha encontrou visitantes que chegavam às 16h, conforme divulgado pela prefeitura e repercutido pela imprensa, apenas para descobrir que o evento já estava em andamento ou já tinha terminado.
Apesar do contratempo, a conversa — cujo tema era “Juventude: o Brasil que fala e o Brasil que cala” — envolveu e emocionou o público.
Serginho Groisman falou sobre os valores que gostaria de transmitir aos filhos ("Se a gente conseguir que nossos filhos sejam gentis, a gente já fez o nosso papel”), a importância da curiosidade e o papel da arte na formação humana:
— A leitura, a música, o cinema são manifestações que a gente deve aglutinar na vida.
Já Manoel Soares conduziu momentos de interação direta com a plateia. Distribuiu kits de livros, recitou Cartola e Mano Brown, e compartilhou trechos de sua trajetória pessoal:
— Eu infelizmente sou filho de um homem vinculado à criminalidade. Meu pai acabou perdendo a vida por conta do crime. [...] Eu tento ser para o meu filho o pai que eu queria ter tido.
Para ele, “a poesia é o caminho mais rápido para a felicidade”.
Foi uma tarde e noite de falas potentes, auditórios lotados e demonstrações claras de afeto e reverência. A segunda jornada da Feira Literária de Araruama sinalizou o que Conceição disse no palco:
— Não é interessante ser a primeira. É interessante abrir perspectiva.