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Em Araruama

'Não é interessante ser a primeira. É interessante abrir perspectiva', diz Conceição Evaristo

Escritora foi ovacionada em noite de auditório lotado neste segundo dia; mais cedo, Manoel Soares e Serginho Groisman atraíram multidão para debate sobre juventude e cultura

25 maio 2025 - 13h30Por Kauã Barreto
'Não é interessante ser a primeira. É interessante abrir perspectiva', diz Conceição Evaristo

— A história dá voltas. Os acontecimentos vão colocando a vida no lugar, vão nos colocando no lugar. E mais do que isso, significa uma responsabilidade.

A declaração, carregada de emoção e consciência histórica, foi feita por Conceição Evaristo na noite de sábado (24), segundo dia da Feira Literária de Araruama. Aos 78 anos, a autora foi aplaudida de pé ao subir ao palco principal, em uma das maiores ovações do evento até agora.

O reconhecimento que só chegou tardiamente, como ela mesma pontuou na conversa, foi atravessado por camadas de desigualdade. 

— Será que se eu não fosse uma escritora negra, uma mulher negra, uma mulher que veio das classes populares, eu levaria tanto tempo para construir minha carreira literária? — questionou.

A escritora também falou sobre o conceito de escrevivência — termo cunhado por ela para nomear a escrita que nasce da experiência vivida —, e afirmou, em entrevista à Folha dos Lagos antes da palestra, que a feira pode sim ser um espaço de escrevivência: 

— Se é um lugar que traz essa força literária, com certeza de muitas pessoas da região, na qual é possível perceber essa intensidade de textos coletivos, é uma forma de fazer escrevivência também.

Ainda na conversa com a reportagem, Conceição defendeu a leitura do livro A cor da ternura, de Geni Guimarães, nas escolas brasileiras, e refletiu sobre o impacto de uma mulher negra que escreve e é lida: 

— Concorre pra criar um outro imaginário em relação às mulheres negras e à própria capacidade reprodutiva dessa mulher no campo da arte, do pensamento. 

Durante a palestra, ela também fez questão de lembrar que sua visibilidade na literatura não representa, por si só, o avanço coletivo.

— Toda a minha visibilidade na literatura não significa que todas as autoras e os autores negros estão tendo o lugar merecido. É preciso também ter essa preocupação com essa leitura — alertou. 

Mais cedo, o auditório da feira já havia lotado para receber dois nomes populares da televisão: Manoel Soares e Serginho Groisman. A palestra, divulgada para as 16h, foi adiantada em uma hora, o que causou desencontro entre parte do público. A Folha encontrou visitantes que chegavam às 16h, conforme divulgado pela prefeitura e repercutido pela imprensa, apenas para descobrir que o evento já estava em andamento ou já tinha terminado. 

Apesar do contratempo, a conversa — cujo tema era “Juventude: o Brasil que fala e o Brasil que cala” — envolveu e emocionou o público. 

Serginho Groisman falou sobre os valores que gostaria de transmitir aos filhos ("Se a gente conseguir que nossos filhos sejam gentis, a gente já fez o nosso papel”), a importância da curiosidade e o papel da arte na formação humana: 

— A leitura, a música, o cinema são manifestações que a gente deve aglutinar na vida.

Já Manoel Soares conduziu momentos de interação direta com a plateia. Distribuiu kits de livros, recitou Cartola e Mano Brown, e compartilhou trechos de sua trajetória pessoal: 

— Eu infelizmente sou filho de um homem vinculado à criminalidade. Meu pai acabou perdendo a vida por conta do crime. [...] Eu tento ser para o meu filho o pai que eu queria ter tido. 

Para ele, “a poesia é o caminho mais rápido para a felicidade”.

Foi uma tarde e noite de falas potentes, auditórios lotados e demonstrações claras de afeto e reverência. A segunda jornada da Feira Literária de Araruama sinalizou o que Conceição disse no palco:

— Não é interessante ser a primeira. É interessante abrir perspectiva.