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MEMÓRIA 406 ANOS

Mané Sapo: um cabo-friense de muitas histórias

Manoel José Nogueira encantava moradores com seus causos sobre a cidade

12 dezembro 2021 - 15h00Por Redação

Ele nasceu Manoel José Nogueira em 25 de dezembro de 1901, mas os moradores mais antigos de Cabo Frio o chamavam carinhosamente de Mané Sapo, um poeta popular na cidade que encantava a todos com seu bom humor e suas criações picantes. Partiu em 25 de março de 1987, aos 85 anos, mas deixou história registrada na memória afetiva de muita gente.

Homem de muitas curiosidades, não escondia de ninguém a origem do apelido que acabou virando nome. Foi na época da escola, quando um professor que era gago tentou fazer um elogio dizendo que Manoel era “sábio”. Os alunos, no entanto, entenderam a palavra “sapo”, e desde então ele virou Mané Sapo. Sobre isso ele dizia: “não me importo, desde que tenha um sentido carinhoso”. E carinho era o que não faltava para este ilustre morador de Cabo Frio.

A memorialista Meri Damaceno lembra que Mané resgatava memórias da cidade através de criações poéticas, com brincadeiras, deixando sua marca na história de Cabo Frio, fazendo tremer suas enormes bochechas, que eram sua principal marca.

– Quando caminhava pela cidade, todos o reconheciam. Ele sentava num banco da Praça Porto Rocha, e pessoas de todas as idades o cercavam para ouvir histórias, músicas, piadas e geografia universal que ele entendia de sobra como ninguém. Ele foi um contador de causos, um artista que já nasceu pronto, alegre e brincalhão. Uma pessoa muito espiritualista e sensível. Dizia que a morte era algo muito natural e que partiria com alegria. Na véspera de ser internado, ele foi até o quarto e benzeu a própria cama. Morreu com um leve sorriso nos lábios. Um mês antes de seu falecimento, o bloco carnavalesco “Vem que tem” fez uma linda homenagem para ele, Mané Sapo fazia poemas de improviso e sambas, lembra Meri Damaceno Reprodução / internet que saiu de destaque num carro alegórico cercado por crianças num desfile que comoveu todo mundo – contou Meri.

Dedicada a resgatar a história de Cabo Frio e a memória de pessoas que marcaram a cidade, Meri revela que Mané Sapo era um grande poeta que fazia desde poemas de improviso e até sambas. Entre suas criações favoritas estão ‘Nosso Deus’, ‘Quem é nosso Deus’, ‘Por mais que seja bruta a nossa sorte’, ‘Paixão Proibida’ e ‘A vida de Casimiro de Abreu’ , todas poesias. Entre 13 de novembro a 18 de novembro de 2021 as músicas que mais marcaram a história do ilustre cabo-friense Meri Damaceno destaca ‘Somente quem vive tão só’, ‘Acordas que a noite é tão bela’, ‘Muitas flores encheram-se de ciúme’ (composta em 1936 para o Rancho Violetas), ‘Saudades me maltratam’, ‘Foi você que olhou pra mim e sorriu’, ‘Quando a lua nova brilhar na minha aldeia’, ‘Quero sambar com você’, entre outras.

Tantas histórias acabaram chamando a atenção de grandes veículos de comunicação no Estado do Rio de Janeiro. Em entrevista ao jornal O Fluminense, por volta de 1983, Mané Sapo contou que na adolescência Cabo Frio era só mato; a Prefeitura não tinha dinheiro para pagar os funcionários; havia muita alimentação, mas não existia trabalho nem transporte para a população. A cidade era tão isolada dos grandes centros que ele lembrava do primeiro carro que apareceu, na época: “era de propriedade de um francês, e levou até tiros de alguns ignorantes, aterrorizados com o veículo”, contou ao jornal.

Entre as curiosidades da Cabo Frio do início do século 20, Mané Sapo contava que nada era medido em centímetros ou quilo: “tudo era em litros, até a farinha e o açúcar”. A iluminação era à base de querosene, até que o francês, aquele do primeiro carro, usou um gerador de energia que funcionava até às 22h, horário em que a delegacia, então localizada no Centro, badalava o sino informando que era hora de todos se recolherem às suas casas.

Em conversas, ele sempre contava sobre um ciclone que teria atingido Cabo Frio no dia 27 de setembro de 1927, destruindo casas e árvores por toda a cidade. Ele garantia que um navio que estava atracado próximo ao Forte São Matheus nada sofreu, mas continuava encalhado lá até a década de 1980.

Mané Sapo foi funcionário do estaleiro Niterói, estivador, e aposentou-se pela Álcalis, onde trabalhou por 26 anos. Mas sempre contava que na época da sua adolescência o único mercado de trabalho existente era o parque salineiro. A estiva, segundo ele, surgiu somente anos depois para descarregar o sal que vinha de Massambaba e que precisava ser carregado para os navios.

Para ele, a Álcalis foi um importante divisor na economia e no desenvolvimento de Cabo Frio, gerando emprego para muitos cabo-frienses. Já a corrupção, ele contava, não era uma novidade nos anos 1980: já existia muito antes, assim como a cobrança de pedágios ilegais. Mané Sapo contava que no início do século 20, quando uma ponte de ferro ligava o Centro à Gamboa, os homens que traziam frutas para a cidade e precisavam fazer a travessia eram parados por policiais que diziam “deu bicho”.

A expressão, segundo ele, significava que os homens tinham que pagar um valor para serem liberados. Sobre a ponte Feliciano Sodré, que foi construída depois que a ponte de ferro desabou em 1920, Mané Sapo dizia que estava entre as três obras mais importantes da cidade. As outras duas, na opinião dele, eram a casa das freiras, que se tornaria o tradicional Colégio Sagrado Coração de Jesus, e a delegacia, que era no centro da cidade. Mané Sapo foi um apaixonado por Cabo Frio – a cidade mais linda do Brasil, segundo ele.